O Processo de Desdolarização Internacional Continua
As sanções financeiras aplicadas à Rússia frente a Guerra da Ucrânia serviram como um alerta para diversos governos sobre os riscos do dólar americano. Ficou claro para muitos países que o dólar pode ser usado como uma arma financeira e comercial para punir países que não seguem políticas condizentes com o interesse americano. Dessa forma, muitos países agora estão pressionando pela desdolarização, visando a proteção dos seus ativos financeiros, a sua estabilidade financeira e o financiamento alternativo dos déficits governamentais e de desenvolvimento econômico. (Acesse esse link para aprender mais sobre o processo de desdolarização!)
Assim, é possível afirmar que o sistema monetário internacional está passando por uma transformação importante, deixando de ser dominado unicamente pelo dólar americano e se tornando um sistema mais diversificado, com o uso de múltiplas moedas de diversos países. Embora o uso de uma moeda única facilite as transações comerciais entre países do globo, as mudanças no cenário geopolítico e o aumento dos riscos presentes tornaram as questões de eficiência e custo insignificantes. Como resultado, a busca por outros sistemas de liquidação comercial, que sejam independentes e diversificados, se tornou mais proeminente em vários países. Pode-se dizer que essa tendência afeta negativamente a hegemonia do dólar norte-americano, tanto nas transações de comércio exterior quanto no mercado financeiro, já que uma parcela crescente dessas trocas vem sendo feita em outras moedas, mais notadamente o yuanchinês, enfraquecendo a influência e autoridade dos EUA em relação às atividades financeiras globais, bem como em relação às decisões político-econômicas em toda a economia global.
A nova dinâmica adotada pelo BRICS é um exemplo de como os países estão buscando alternativas para lidar com a dominância do dólar no comércio internacional. O bloco, formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, tem demonstrado grande interesse em estabelecer uma moeda comum para as trocas entre seus países, baseada em uma média ponderada das moedas nacionais de cada um deles. A Rússia, recentemente, não apenas adotou o yuanchinês como moeda de reserva, mas também se comprometeu a usar o meio de pagamento chinês entre a Rússia e países da Ásia, África e América Latina. A China e o Brasil também fecharam um acordo que visava a realização de transações comerciais e financeiras com base na troca de yuans por reais. Essa é uma decisão importante, uma vez haveria 19 paises interessados em ingressar no BRICS. Um deles, a Argentina, acabou de fechar acordo financeiro com a China semelhante ao do Brasil. O banco de desenvolvimento criado pelo BRICS anunciou que ao menos 30% dos seus empréstimos serão baseados em moedas locais dos seus membros.
A expansão do BRICS e sua desdolarização progressiva contribuem para os objetivos da China de transformar sua moeda em uma moeda internacional. Os países do BRICS entendem que a dominância do dólar no comércio internacional aumenta o peso da dívida denominada em dólar para outros países, o que pode levar à instabilidade econômica em outras partes do mundo. Isso ocorre porque a política monetária dos Estados Unidos muitas vezes exerce uma influência maior sobre a economia mundial do que em suas próprias decisões domésticas, produzindo efeitos inflacionários no globo. Isto demonstraria o motivo pelo qual esses países lutam para uma redução da hegemonia americana no comércio internacional.
Para se ter uma ideia da forca do movimento de desdolarizacao, pela primeira vez na história, o yuan chines ultrapassou o dólar como a moeda mais usada nas transações internacionais chinesas. Em 2010, a participação do yuan era de quase 0%, enquanto a do dólar era de 83%. Em março desse ano, o uso do yuan em pagamentos e recebimentos internacionais subiu para 48,4%, enquanto a participação do dólar caiu para 46,7%, de acordo dados da Administração Estatal de Câmbio da China.
Além do BRICS, outros atores têm se mostrado importantes na tentativa de reduzir a influência americana. Entre eles, destaca-se a ASEAN (Associação das Nações do Sudeste Asiático), que tem adotado medidas ainda mais radicais nesse sentido. O bloco tem implementado políticas que aspiram diminuir a dependência do dólar, do euro, do iene japonês e da libra britânica em suas transações financeiras. Recentemente, os ministros das finanças e os governadores dos bancos centrais dos países da ASEAN se reuniram na Indonésia para discutir formas de intensificar o uso de moedas locais, aprimorando o sistema de pagamento digital transfronteiriço da região. Inicialmente, esse acordo foi assinado por Indonésia, Malásia, Cingapura, Filipinas e Tailândia, em novembro de 2022. Além disso, os reguladores bancários da Indonésia anunciaram que os bancos do país estão se preparando gradualmente para substituir as redes de pagamento americanas VISA e Mastercard por um sistema de pagamento próprio. Esses esforços da ASEAN têm como objetivo reduzir a influência do dólar na economia mundial e aumentar a independência dos países da região em relação às grandes potências econômicas. Com a adoção de medidas como essas, os países do Sudeste Asiático buscam fortalecer sua posição no mercado global e garantir um ambiente econômico mais estável e equilibrado para suas economias.
Embora existam esforços em andamento para estabelecer novos sistemas de pagamento e transações financeiras baseados em moedas regionais, essas iniciativas ainda estão em estágios iniciais e não têm a mesma estabilidade e aceitação de mercado do que o dólar americano. Além disso, os custos de negociação e os riscos de liquidação são maiores, o que torna a substituição do dólar por outra moeda um processo complexo. No entanto, os países emergentes, principalmente os BRICS, estão tentando estabelecer um sistema comercial e financeiro independente, o que representa uma ameaça ao status do dólar. Embora não seja possível substituir o dólar no curto prazo, o efeito dos países que reduzem sua dependência dele se tornará cada vez mais significativo, levando a um novo padrão geopolítico monetário global.
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