Condição Atual Do Dólar Como Reserva De Valor Internacional
- dri2014
- Sep 20
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A recente alta pela demanda de ouro, caracterizada pelos sucessivos recordes no mercado financeiro, tem ocorrido em um cenário de incerteza quanto ao dólar e de preocupações acerca da autonomia do Sistema de Reserva Federal dos Estados Unidos (FED). A oscilação da demanda pelo ouro, considerado ativo de proteção para investidores, resulta tanto das instabilidades conjunturais da política e economia no âmbito internacional, quanto das possíveis reduções nas taxas de juros promovidas pelo FED. Tal fenômeno revela a crescente desconfiança em relação à moeda norte-americana, adotada como reserva global após o Acordo de Bretton Woods, e à diversificação das reservas de países como a China e a Rússia, diante dos persistentes questionamentos sobre a durabilidade e segurança dos ativos vinculados ao dólar.
O sistema monetário internacional criado em Bretton Woods (1944) vinculou o valor do ouro ao dólar, associando-o como moeda de referência global. Esse arranjo, todavia, durou até 1971, quando a conversibilidade ouro-dólar foi suspensa, impulsionando o advento do sistema fiduciário, no qual o valor monetário dependia da confiança nos bancos centrais emissores. Por efeito, tTal medida incentivou a emissão de moedas sem um lastro real, levando à possibilidade de hiperinflação de economias nacionais da e perda de credibilidade no sistema monetário. Até mesmo economias robustas, como a dos Estados Unidos, passaram a enfrentar pressões decorrentes do aumento acelerado da dívida pública e da dupla funcionalidade do dólar, como instrumento econômico e geopolítico.
Nesse sentido, o atual estágio revela-se como momento-chave para a redefinição do sistema financeiro internacional, em virtude do reposicionamento dos bancos centrais em favor do ouro e da condução econômica de Trump, destacada pelo protecionismo tarifário, pelo uso do dólar como instrumento de sanção, pelos excessivos déficits públicos, e pela possibilidade de cortes na taxa básica de juros do FED. Além disso, o presente ponto de inflexão para a ordem global pós-Bretton Woods é fortemente influenciado pelos fatores econômicos experienciados pelos Estados Unidos, os quais relacionam-se ao enfraquecimento do dólar, à deterioração do mercado de trabalho, ao declínio dos postos de emprego e à estagnação.
Ainda assim, verificam-se ataques recorrentes ao presidente do FED manifestados por Donald Trump. Derren Nathan, da empresa financeira Hargreaves Lansdown, afirma que a renovação do interesse de investidores por ativos de refúgio, como o ouro, associam-se às investidas de Trump em minar a autonomia do FED. Outrossim, a continuidade das tensões na Guerra da Ucrânia e mudanças nas políticas comerciais também exercem influência na elevação do preço do ouro nos últimos tempos.
No acumulado de 2025, o ouro registrou valorização de 38%, com um acréscimo de 10,5% nos preços desde julho. Em 16 de setembro, a demanda elevou o preço da onça para além de US$3.700, atingindo esse patamar pela primeira vez. Considerado como ativo de proteção às conta as instabilidades, o ouro em barra aumentou em 41% desde o início do ano. Esses resultados são analisados como consequências das compras por bancos centrais, pelo acréscimo na procura por refúgios financeiros e pela fraqueza experimentada pela moeda norte-americana.
A decadência do dólar norte-americano, no contexto apresentado, pode ser compreendida como a erosão gradual de sua condição de moeda internacional de referência. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o dólar sustentou-se como símbolo da hegemonia econômica e militar dos Estados Unidos, beneficiando-se do papel de reserva cambial e da confiança global em sua estabilidade institucional.
Contudo, as crises financeiras recorrentes, o crescimento descontrolado da dívida pública americana – que ultrapassa de forma consistente o PIB do país – e a instrumentalização do dólar como arma política contra adversários internacionais minam a credibilidade desse sistema. Países como a China, a Rússia e até mesmo aliados estratégicos da Europa passaram a questionar os riscos de depender excessivamente de uma moeda sujeita às flutuações das políticas doméstica e externa norte-americana.
Esse processo impulsiona acordos bilaterais e multilaterais que utilizam moedas locais nas trocas comerciais, ampliando o movimento de desdolarização da economia internacional.
Exemplos recentes ilustram essa tendência. E a China e a Arábia Saudita passaram a realizar parte significativa de suas transações energéticas em yuan nos últimos anos, rompendo com décadas de dependência do petrodólar.
No mesmo sentido, a Rússia e a Índia intensificaram o uso de moedas nacionais em suas trocas comerciais, enquanto países da América Latina, como o Brasil e a Argentina, negociam operações com o yuan para reduzir custos cambiais. Além disso, os BRICS vêm discutindo de forma cada vez mais concreta a criação de uma moeda comum para transações internacionais, medida que, se consolidada, vai enfraquecer ainda mais a centralidade do dólar. Até mesmo parceiros europeus dos Estados Unidos avaliam alternativas para transações estratégicas, sobretudo diante das sanções impostas à Rússia, que expuseram a vulnerabilidade de depender de uma única moeda de referência.
As consequências políticas desse fenômeno são profundas e afetam tanto os Estados Unidos quanto o equilíbrio geopolítico global. Para Washington, a perda do monopólio monetário limitaria a eficácia de suas sanções econômicas, reduziria o alcance de sua diplomacia financeira e encareceria o financiamento de sua máquina pública, já que a demanda automática por títulos do Tesouro deixaria de ser garantida. Isso comprometeria a capacidade de sustentar políticas expansionistas e de manter a projeção de poder militar em escala mundial.
Além disso, internamente, a menor confiança no dólar pode intensificar disputas políticas sobre austeridade fiscal, aumento de impostos e cortes em programas sociais ou de impostos, acirrando a polarização partidária já presente na sociedade americana. No plano internacional, a ascensão de alternativas monetárias fortalece blocos como os BRICS, amplia a autonomia de países emergentes e aprofunda a tendência à multipolaridade.
Em última instância, o declínio do dólar não representa apenas uma questão econômica, mas um reposicionamento das forças políticas globais, em que os Estados Unidos deixam de ser o centro incontestável da ordem mundial para se tornar um ator cada vez mais desafiado por potências concorrentes.
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