Atual Crise Entre Tailândia e Camboja
- dri2014
- 5 days ago
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O acordo de cessar-fogo do conflito armado entre Camboja e Tailândia, anunciado nesta segunda-feira, dia 28 de julho, representa uma trégua após cinco intensos dias de confronto nas fronteiras entre os dois países. A disputa territorial por pontos não demarcados ao longo das delimitações entre a Tailândia e o Camboja, assim como a reivindicação por locais históricos, reflete uma rivalidade de longa data por território, intensificada por hostilidades bilaterais periódicas.
Tal antagonismo entre os vizinhos do Sudeste Asiático remonta ao ano de 1907, quando foi elaborado um mapa que separava o Camboja da Tailândia durante a ocupação francesa. Desde então, o Estado tailandês tem afirmado que o mapa apresenta incoerências e imprecisões, ao passo que o Camboja o utiliza como referência para reivindicar áreas territoriais. Em 1962, a Corte Internacional de Justiça legitimou a soberania do templo Preah Vihear do século XI para o Estado cambojano, aumentando as tensões locais. Posteriormente, em 2008, o Camboja buscou registrá-lo como Patrimônio Mundial da Unesco, sendo prontamente contestado pela Tailândia.
Desde 2008, os embates militares têm se sucedido esporadicamente, levando ao menos 12 civis e militares à morte. Nos últimos tempos, os confrontos agravaram-se em razão da mobilização de militares nas fronteiras e trocas de tiros entre as forças armadas dos países em maio, que resultaram na morte de um soldado cambojano. Esse cenário contribuiu para o progressivo desgaste das relações entre os dois Estados, marcado por surtos de nacionalismo e episódios recorrentes de violência.
As alegações de legítima defesa são usadas por ambos os países, uma vez que, para o governo tailandês, a origem do atual embate repousa na utilização de drones pelo Camboja para monitorar as atividades e o deslocamento de tropas na região fronteiriça, enquanto que as autoridades cambojanas sustentam que a violação de um acordo e o avanço de soldados tailandeses sobre um templo sagrado deflagraram o conflito.
As acusações prosseguiram quando Tailândia afirmou que o Camboja instalou novas minas terrestres como parte de uma estratégia agressiva, ao passo que Camboja acusou a Tailândia de lançar ataques aéreos e bombas dentro do território cambojano. As medidas rigorosas evoluíram para sanções mútuas entre os dois Estados, incluindo o fechamento da fronteira pela Tailândia e, do lado cambojano, a suspensão das importações de alimentos tailandeses, a proibição de filmes e programas televisivos, e o corte no fornecimento de energia.
Ademais, a crise entre os dois países do Sudeste Asiático se fez presente em uma conjuntura de instabilidade doméstica na política tailandesa, diante do afastamento da Primeira-Ministra Paethongtarn Shinawatra por suposta transgressão da ética ministerial em virtude do vazamento de uma ligação telefônica com o ex-líder do Camboja Hun Sen. A relação demonstrada no telefonema indicava uma aproximação entre as famílias, visto que a então Primeira-Ministra chamava Hun Sen de “tio”. Tal evento desencadeou uma crise diplomática e expôs as fragilidades da política interna da Tailândia, ameaçando a dinastia e o legado da família Shinawatra.
Apesar do anúncio de cessar-fogo, as perspectivas para uma solução definitiva do conflito permanecem incertas. O arrefecimento das tensões parece momentâneo, uma vez que as iniciativas diplomáticas adotadas até o momento têm se mostrado insuficientes para resolver a disputa de forma duradoura. O diálogo bilateral que está previsto para o futuro próximo, porém, não há grandes expectativas de que esse encontro, por si só, seja capaz de restabelecer a estabilidade na região.
Na prática, observa-se uma continuidade do impasse: embora tenha havido concordância para a realização de conversas na Malásia, essas ocorrem em paralelo à manutenção de bombardeios e da presença militar na fronteira.
O Camboja tem solicitado a negociação de um cessar-fogo mais amplo, com mecanismos formais de garantia, ao passo que a Tailândia tem endurecido sua postura e sinalizado que poderá adotar medidas mais severas, caso considere necessário. Enquanto Camboja já indica intenção de recorrer à arbitragem internacional, Tailândia não descarta ações unilaterais.
A escalada atual é apenas um exemplo das tensões persistentes no Sudeste Asiático, onde questões territoriais mal resolvidas e rivalidades históricas ainda fomentam a instabilidade. Internamente, o Camboja também enfrenta pressões significativas: além dos danos materiais e humanos, há indícios de perda de território em áreas contestadas. A situação acentua a vulnerabilidade do país diante de um vizinho militarmente mais robusto e com influência regional mais consolidada.
Nesse sentido, a concordância das partes em estabelecer conversas paralelas na Malásia surge como um desdobramento promissor, ainda que ambíguo. Enquanto os bombardeios continuam, o Camboja pressiona pela negociação formal de um cessar-fogo duradouro, com supervisão internacional e cláusulas de proteção territorial.
A Tailândia, por outro lado, adota uma postura ambivalente – participou das tratativas diplomáticas, mas mantém o discurso de que poderá adotar condutas mais severas se provocada, condicionando a desescalada à cessação de atividades consideradas hostis pelo lado cambojano.
Esse impasse coloca em xeque a eficácia da ASEAN como mediadora regional. A organização, que historicamente defende a resolução pacífica de disputas e o princípio da não intervenção, encontra-se limitada diante de um conflito entre dois de seus membros. O prolongamento das hostilidades entre Camboja e Tailândia expõe fragilidades estruturais do bloco, que carece de mecanismos vinculantes para lidar com disputas territoriais e episódios de escalada militar.
A crise atual compromete a imagem da ASEAN como promotora da estabilidade no Sudeste Asiático, especialmente num contexto em que disputas fronteiriças ainda são comuns entre seus membros.
Paralelamente, o conflito já gera impactos concretos no terreno: há relatos de perda territorial por parte do Camboja em áreas onde a Tailândia conseguiu consolidar presença militar. Tal desequilíbrio territorial alimenta um sentimento nacionalista entre os cambojanos e pressiona o governo a adotar medidas mais assertivas, inclusive com a possibilidade de submeter o caso a instâncias internacionais de arbitragem.
O contexto também atrai a atenção de potências externas, sobretudo dos Estados Unidos, que vêm buscando um papel de influência indireta na contenção da crise. Através da diplomacia comercial, Washington tem intermediado negociações econômicas paralelas com ambos os países, oferecendo acordos preferenciais de comércio em troca de compromissos com a estabilidade regional.
A intenção norte-americana não é apenas evitar o agravamento do conflito, mas também garantir a segurança de suas cadeias produtivas e rotas marítimas estratégicas no Sudeste Asiático, além de conter o avanço da influência chinesa na região. Assim, o conflito entre Camboja e Tailândia revela-se não apenas como uma disputa bilateral por território, mas como um teste às capacidades das estruturas regionais e globais de governança, com implicações que ultrapassam as fronteiras imediatas e projetam seus efeitos sobre os equilíbrios geopolíticos da Ásia-Pacífico.
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