Crise nas Relações entre o Brasil e os EUA
- dri2014
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Em 09 de julho de 2025, a Casa Branca, atualmente chefiada por Donald Trump, endereçou uma carta a Luiz Inácio Lula da Silva. No seu escopo textual, o presidente norte-americano condenou “ataques insidiosos do Brasil contra eleições livres e à violação fundamental da liberdade de expressão dos americanos”, bem como “ataques contínuos do Brasil às atividades comerciais digitais de empresas americanas, bem como outras práticas comerciais desleais”, anunciando “uma tarifa de 50% sobre todas e quaisquer exportações brasileiras enviadas para os Estados Unidos, separada de todas as tarifas setoriais existentes”, partir de 1º de agosto de 2025. Na sua carta, o presidente Trump considerou a possibilidade de ajustar a tarifa caso o Brasil “abra seus mercados comerciais, até agora fechados, para os Estados Unidos e elimine suas tarifas, políticas não tarifárias e barreiras comerciais.”.
No dia 30 de julho de 2025, presidente Trump assinou uma Ordem Executiva que formaliza um aumento tarifário de 40% sobre produtos exportados pelo Brasil que constam de uma lista anexa, o que acarretou numa tarifa geral de 50%. A Ordem Executiva se baseia no que considera “políticas, práticas e ações recentes do Governo do Brasil que constituem uma ameaça incomum e extraordinária à segurança nacional, à política externa e à economia dos Estados Unidos”, referindo-se a políticas e ações incomuns e extraordinárias do Brasil que prejudicam empresas americanas, os direitos de liberdade de expressão de cidadãos americanos, a política externa dos EUA e a economia dos EUA.
No mesmo dia 30 de julho de 2025, o Departamento de Estado dos EUA anunciou a aplicação de sanções contra o Ministro Alexandre de Moraes, do STF, com base na Lei Global Magnitsky de Responsabilização pelos Direitos Humanos, citando “graves violações dos direitos humanos, incluindo detenções arbitrárias envolvendo negações flagrantes de garantias de julgamento justo e violações da liberdade de expressão”. A Lei Global Magnitsky, instrumento legislativo sancionado pelo Congresso dos Estados Unidos em 2016, confere ao governo norte-americano a prerrogativa de sancionar indivíduos ou instituições estrangeiras, situados em qualquer Estado ou região do mundo, sob alegações de violações graves de direitos humanos ou por envolvimento em corrupção de grandes proporções. No cerne da legislação, reside uma lógica punitiva de cunho seletivo: os embargos e sanções que penalizariam todo um país são substituídos por mecanismos legislativos centrados em indivíduos concretos - sejam burocratas, empresários ou agentes do poder judiciário - cujas ações tenham violentado liberdades fundamentais ou desviado recursos públicos em situações vulneráveis. A lei outorga, deste modo, o bloqueio de bens sob jurisdição americana, o congelamento de ativos financeiros, o cancelamento de vistos e a proibição de entrada nos Estados Unidos.
O elemento que torna a Lei Magnitsky particularmente eficaz é o seu alcance internacional, que inclui em seu aspecto contingente o mais variado bojo de instituições internacionais - desde bancos, ONGs, agências internacionais e até governos aliados. Em 2017, o então presidente Donald Trump endossou a aplicação da lei, assinando a ordem executiva 13818, que ratificou a autonomia da Secretaria do Tesouro nesse campo. Conforme aponta-se no relatório da Human Rights Watch, o valor simbólico e prático da medida jaz na restrição à mobilidade e ao acesso financeiro de agentes abusivos sob a percepção estadunidense, acrescentando-se à sanção um peso moral de uma condenação oficial.
A Nota nº 322 do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, publicada em 15 de julho de 2025, configura-se como uma resposta institucional às manifestações recentes do governo norte-americano, que foram consideradas pelo Itamaraty como ingerências indevidas nos assuntos internos do Judiciário brasileiro. O texto repudia publicamente declarações do Departamento de Estado e da embaixada dos EUA em Brasília, classificando-as como inaceitáveis e destoantes de uma relação bilateral construída ao longo de mais de dois séculos com base no respeito mútuo. Em tom resoluto, a nota reafirma, em tom assertivo, que a soberania do Brasil, enquanto democracia, jamais estará “na mesa de qualquer negociação”.
Em entrevista, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que um dos primeiros passos será a formação de um grupo de empresários brasileiros de áreas com elevado volume de exportações para os Estados Unidos com o objetivo de medir as consequências diretas do aumento das tarifas e propor soluções. Lula também declarou que o Brasil vai buscar uma avaliação do órgão de solução de disputas comerciais da Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre a situação, não descartando a reciprocidade já a partir de 1º de agosto. Além disso, sem citar diretamente os Estados Unidos ou Donald Trump, o Brasil fez severas críticas, no dia 23 de julho durante o Conselho Geral da OMC, em Genebra, ao uso cada vez mais frequente de tarifas como instrumento de coerção política por grandes potências, fazendo um apelo para que outros países busquem reformas para preservar o sistema comercial multilateral baseado em regras comuns.
Em relação à reciprocidade, citada por Lula na entrevista, refere-se à Lei brasileira de Reciprocidade, sancionada pelo presidente em abril, que autoriza o governo a retaliar países ou blocos que imponham barreiras comerciais a produtos brasileiros. Entre as ações possíveis, o Brasil pode impor restrições e sobretaxas nas importações de bens e serviços, suspender acordos ou obrigações comerciais e, em casos excepcionais, até suspender direitos de propriedade intelectual, como reconhecimento de patentes ou pagamento de royalties. Segundo Carlos Gustavo Poggio, a retaliação com tarifas equivalentes seria a resposta mais evidente do Brasil, mas não a mais eficaz, já que o país tem uma capacidade limitada se comparado ao peso econômico dos Estados Unido. Para ele, uma estratégia mais viável seria pressionar setores americanos ligados ao comércio com o Brasil, buscando apoio de parlamentares e empresários que possam influenciar diretamente o governo Trump.
Trump, por outro lado, é acusado por senadores democratas de “claro abuso de poder” por tarifas ao Brasil. Em uma carta enviada ao presidente dos EUA, 11 parlamentares afirmam que ele está usando "a economia americana para interferir em favor de um amigo", referindo-se ao ex-presidente Jair Bolsonaro, e que uma guerra comercial possibilitaria a aproximação cada vez maior do Brasil e da China. Apesar dos democratas serem minoria no senado americano, ainda podem exercer pressão ao argumentar que uma retaliação do Brasil aumentaria os custos de vários produtos para famílias e empresas americanas, destacando que o país importa mais de US$ 40 bilhões por ano do Brasil, sendo US$ 2 bilhões só de café, e que o comércio bilateral sustenta cerca de 130 mil empregos nos EUA.
Além desses fatores, cabe destacar o interesse dos Estados Unidos nos minerais críticos brasileiros e como isso pode ser usado como uma estratégia do governo do Brasil para solucionar a situação tarifária. Apesar de os EUA representarem apenas cerca de 7% das exportações brasileiras de nióbio — atrás de China, Holanda e Coreia do Sul —, eles são bastante dependentes de importações para suprir sua demanda pelo metal. Nos EUA, a maior parte do nióbio é usada pela indústria siderúrgica, mas há um uso estratégico, ainda que menor em volume, na indústria aeroespacial, onde o nióbio é aplicado em ligas metálicas de alto valor agregado. Além disso, o metal tem ganhado relevância crescente no setor de defesa, especialmente no desenvolvimento de armas hipersônicas, tornando-se um recurso geopolítico sensível.
Um relatório do Center for Strategic and International Studies (CSIS) destaca que o nióbio se tornou uma peça-chave na geopolítica da defesa, e qualquer interrupção em sua cadeia de fornecimento seria preocupante. Por isso, embora o uso do nióbio como “arma de barganha” comercial talvez não funcione bem diante da liderança do Trump, especialistas veem espaço para que ele, junto com outros minerais estratégicos como lítio e terras raras, seja considerado em futuras negociações entre Brasil e EUA.
A disputa entre os dois países prossegue. A próxima fase se dará em breve, com a ameaça dos EUA em aplicarem uma tarifa ainda maior a China, India e Brasil caso eles continuem a importar petróleo, lubrificantes ou diesel da Rússia.
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