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O Movimento de Desdolarização do Comércio Internacional



Após os acordos de Bretton Woods, o dólar americano tornou-se a principal moeda utilizada para trocas internacionais no cenário mundial. Na década de 70, os países ocidentais, sob a liderança dos Estados Unidos, criaram a Sociedade para as Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais (“Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication”, SWIFT - sigla em inglês), por meio da qual têm exercido controle sobre o sistema global de transações financeiras, com a habilidade de impor sanções financeiras contra indivíduos, corporações e países. Assim, o domínio da SWIFT, e a posição do dólar como reserva monetária internacional, conferem aos países ocidentais, e particularmente aos EUA, uma grande influência sobre os outros países do globo, possibilitando o uso da moeda americana como uma potente arma financeira.

Um dos exemplos mais recentes desse uso do dólar foram as diversas sanções financeiras impostas pelos EUA contra a Rússia em razão da guerra Russo-Ucraniana. As reservas em dólar e euro mantidas no exterior pela Russia foram “congeladas” e sofrem o perigo de apreensão (ilegal) por parte dos EUA e da União Europeia. Grandes bancos russos foram também expulsos do mecanismo do SWIFT. O tratamento unilateral dado à Rússia pelos países ocidentais surtiu efeitos nefastos sobre a confiabilidade do dólar e do euro, assim como colocou em questão a viabilidade futura do SWIFT, agora visto como um mecanismo de risco pelos países não ocidentais.

Com o intuito de prevenir os efeitos colaterais da política monetária dos EUA e seus aliados ocidentais sobre outras economias, vários países, nos últimos anos, estão criando mecanismos de transações financeiras alternativos ao SWIFT e iniciando uma transição para o comércio em moedas nacionais. O uso de acordos cambiais bilaterais e multilaterais para liquidar transações no comércio internacional, a promoção da diversificação das reservas cambiais (fora do eixo dólar-euro), a adoção de mecanismo próprio de transações interbancárias financeiras, e a redução dos investimentos em bonds do tesouro norte-americano, lançaram o fundamento de um processo de desdolarização. Essa desdolarização é uma resposta direta à "armamentização" do dólar pelos Estados Unidos.

A Rússia, por exemplo, criou sua alternativa ao SWIFT, denominada de SPFS; Irã estabeleceu o mecanismo SEPAM para os bancos iranianos; e a China possui o CIPS. A Rússia concluiu um acordo com o Irã em 29 de janeiro deste ano para conectar os dois sistemas de transações financeiras e permitir o uso de moedas nacionais no financiamento de suas trocas comerciais.

Outros aliados da Rússia nesse processo de desdolarização são a Índia e a China. Por meio da ampliação das relações bilaterais entre esses países, suas ou outras moedas passaram a ser usadas como meio de pagamentos em transações comerciais e financeiras. Refinadoras indianas, por exemplo, têm usado o dirham, moeda dos Emirados Árabes Unidos, como forma de pagamento para a importação de petróleo russo, na tentativa de lidar com as sanções ocidentais impostas contra a Rússia.

Já a China, desde 2011, vem promovendo o uso de sua moeda, o yuan chinês, no comércio internacional, ao invés do dólar americano, para aumentar sua influência geopolítica e se isolar da política monetária e de possíveis sanções financeiras futuras dos EUA. Ela tem concluído acordos financeiros com vários países, como Rússia, Irã, Paquistão, Belarus, Mongólia, Brasil e, mais recentemente, Iraque. Essa é a primeira vez em que as relações comerciais entre o Iraque e a China, antes financiadas apenas por dólares americanos, seriam feitas em yuan. A China também está tentando negociar acordos financeiros com outros países do Oriente Médio, em especial os países do Golfo, no que diz respeito ao financiamento das importações de petróleo e gás. Uma das dificuldades na efetivação desses acordos seria o limitado volume de yuan no mercado internacional, dificuldade essa que pode ser enfrentada pela planejado lançamento da moeda digital chinesa.

Em 7 de fevereiro, o banco central chinês, o Banco do Povo da China, assinou um memorando de cooperação com o Banco Central do Brasil com o intuito de estabelecer acordos comerciais visando a utilização do yuan como moeda de troca. Porém, essa não é a única participação do Brasil no processo de desdolarização mundial. Mais recentemente, por exemplo, o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, e o presidente argentino, Alberto Fernández, comentaram sobre a possibilidade de uma unidade comum de troca para os países do Mercosul, que teria a finalidade de facilitar as trocas comerciais dentro do bloco econômico.

Essas ocorrências representam os primeiros passos do extenso processo de desdolarização mundial, demonstrando a resistência dos países não ocidentais em relação à hegemonia do dólar. É notória a ânsia que grande parte do mundo sente pela diminuição do poder da política monetária americana e sua respectiva influência mundial.

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