O Plano de Paz da China Para a Guerra na Ucrânia
Após mediar, com sucesso, a reaproximação saudita-iraniana (Acesse esse link para aprender mais sobre a reconciliação entre a Arábia Saudita e o Irã!), a China está buscando ativamente promover uma solução pacífica e diplomática para mais um conflito no globo, a guerra Russo-Ucraniana. No primeiro aniversário dessa guerra, foi apresentado pelo governo chinês um plano de paz constituído por doze pontos que visam o fim das hostilidades e a retomada das conversações de paz, no intuito de encontrar a melhor solução possível para os dois países envolvidos e seus respectivos cidadãos.
Esses pontos procuram promover: o respeito pela soberania de todos os Estados e adesão ao direito internacional; o abandono da mentalidade de Guerra Fria e a busca de uma segurança comum e cooperativa; o cessar-fogo e retomada do diálogo direto entre Rússia e a Ucrânia; conversas e negociações de paz, como únicas soluções viáveis para a crise; assistência humanitária; conformidade com o direito humanitário internacional e proteção de civis e de prisioneiros de guerra; a segurança e a proteção de usinas nucleares; a oposição às armas nucleares e a prevenção da proliferação nuclear; apoio à segurança alimentar global e à Iniciativa de Grãos do Mar Negro (acordo feito entre Rússia, Ucrânia, Turquia e a ONU); a oposição a sanções unilaterais; a manutenção de cadeias industriais e de suprimentos estáveis; e a reconstrução no pós-conflito em zonas afetadas. Pode-se dizer que eles refletem a ambiguidade que a China tem mantido desde que a guerra começou, visto o apoio à soberania da Ucrânia, aliado ao reconhecimento das preocupações de segurança da Rússia. O plano não detalha cada ponto de forma a dar amplo espaço para as negociações entre as partes.
A tão esperada proposta de paz de Pequim para a Ucrânia gerou reações mistas na comunidade internacional. Os Estados Unidos, por exemplo, rejeitaram a proposta e afirmaram que a China está tentando desviar os olhos do mundo do seu vínculo com o presidente russo, Vladimir Putin, já que se é suspeitado que o Estado chinês tem fornecido armas letais ao mesmo. De acordo com o Secretário de Estado do governo Biden, Antony Blinken, “A China está tentando ter as duas coisas - está, por um lado, tentando se apresentar publicamente como neutra e buscando a paz, enquanto, ao mesmo tempo, está falando sobre a falsa narrativa da Rússia sobre a guerra. Há 12 pontos no plano chinês. Se eles estivessem levando a sério o primeiro, a soberania, então esta guerra poderia terminar amanhã”. O governo americano supõe que o plano não apresenta benefícios para ninguém além da Rússia.
A reação da União Europeia ao plano também foi reticente. A Comissão Europeia, instituição que representa e defende os interesses do bloco, acredita que o proposto pela China para pôr fim ao conflito é seletivo e baseado em ideias equivocadas de interesse de segurança, justificando, implicitamente, a invasão da Rússia. É posto que em nenhum momento a China usa as palavras "guerra" ou "invasão" para descrever a situação na Ucrânia e, em vez disso, fala em "crise". Para a UE, a posição da China implica uma justificativa para a invasão ilegal da Rússia e confunde os papéis do agressor e do agredido, não considerando quem é o agressor e quem é a vítima de uma guerra de agressão ilegal e injustificada. A porta-voz da Comissão Europeia, Nabila Massrali, coloca que “Qualquer proposta de paz significativa deve ser consistente com a Carta da ONU em sua totalidade, incluindo os princípios de igualdade soberana e integridade territorial dos estados, bem como o direito de autodefesa que a Ucrânia está exercendo atualmente".
Em contrapartida, a Rússia, um dos dois países envolvidos na guerra, cautelosamente manifestou apoio à iniciativa da China. O líder chinês, Xi Jinping, visitou Moscou por três dias em março, onde manteve um diálogo positivo com Vladimir Putin, no qual o projeto de 12 pontos de Pequim para a Ucrânia foi elogiado. Putin declarou que “[...] muitas das disposições do plano de paz apresentado pela China estão em consonância com a posição russa e podem ser tomadas como base para um acordo pacífico quando as outras partes estiverem prontas para isso no Ocidente e em Kiev. No entanto, até agora não observamos tal prontidão da parte deles”. Os dois líderes saudaram o desenvolvimento das relações entre as duas nações que, de acordo com Putin, atingiram “o nível mais alto de todos os tempos”, e reiteraram o compromisso de construir um mundo multipolar. Segundo o presidente chinês, o estreitamento dos laços com a Rússia é "uma escolha estratégica que a China fez com base em seus próprios interesses fundamentais e nas tendências predominantes do mundo". O Ministério das Relações Exteriores da Rússia criticou as autoridades ucranianas e seus aliados ocidentais por sua incapacidade de facilitar as iniciativas de paz, ao mesmo tempo que reconheceu a disposição da China em contribuir para o início de um processo de negociação.
Enquanto isso, na frente oposta do conflito, a reação apresentou-se de forma distinta. A Ucrânia demonstrou uma posição ambígua ao, cuidadosamente, saudar o plano de paz da China, colocando, no entanto, a retirada total das tropas russas do território ucraniano ocupado como condição obrigatória. Durante uma coletiva de imprensa em Kiev, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, expressou sua esperança de que a China esteja buscando uma "paz justa", cessando o suposto abastecimento de armas para a Rússia, enquanto busca mediar o conflito. A Ucrânia apresentou um projeto de paz próprio, composto por 10 pontos que incluem a retirada das tropas russas, reparações e punições para a liderança russa da guerra.
Zelensky expressou sua vontade de conversar com seu homólogo chinês em várias ocasiões. Recentemente, os lideres dos dois países tiveram uma conversa ao telefone, por iniciativa do lado ucraniano, de acordo com Yu Jun, do Ministério das Relações Exteriores da China. Um dos pontos da conversa foi a oferta de mediação chinesa para pôr fim ao conflito, e para tal finalidade a China estará enviando um representante especial que dialogará com as partes beligerantes. As possibilidades de reconciliação, na conjuntura atual, são remotas, mas a China nada tem a perder caso seus esforços de mediação fracassem: ela está projetando a imagem de uma grande potência que atua como peacemaker e procura a estabilidade do sistema internacional.
Comments