Índia se Beneficia do Crescente Antagonismo entre EUA e China
- dri2014
- Jul 24
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O Diálogo de Segurança Quadrilateral (Quad) é um foro de cooperação econômica e de segurança entre quatro Estados que compõem a vasta região do Indo-pacífico: EUA, Japão, Austrália e Índia. Tal instrumento de política externa tornou-se progressivamente robusto - à medida que a polaridade do Sistema Internacional pendia a um constante acirramento da influência geopolítica chinesa em contraposição à hegemonia estadunidense vigente até então.
Em seus primórdios, o fracasso em prover uma institucionalização efetiva desse grupo de países na década de 2000 deu-se pela orientação diplomática dos Estados de dar uma resposta moderada e pautada na diplomacia à crescente presença chinesa na região, além dos contenciosos de comércio entre os Estados australiano e indiano. Entretanto, à medida que a China instrumentalizou seu crescente poderio econômico em prol da expansão militar no Mar da China Meridional, somada à alternância de Washington entre uma presidência do Partido Democrata a uma figura presidencial republicana - notadamente pendente a uma postura mais agressiva na política externa em relação à China - os mecanismos de revitalização do projeto de cooperação quadrilateral foram acionados.
Diante desse cenário, é possível perceber que o crescente antagonismo entre os EUA e a China levanta questões sobre a posição da política estadunidense em relação ao maior país do Leste Asiático, oferecendo possibilidades de investimento para a Índia. À medida que aumentam as tensões entre os EUA e a China, e seus vínculos econômicos diminuem, os laços comerciais e estratégicos dos Estados Unidos com a Índia têm chances de se expandir de forma significativa.
Segundo Felix Heiduk e Christian, haveria um paradoxo entre a institucionalização da cooperação quadrilateral após 2017 e a percepção da existência desse arranjo enquanto declaração tácita da perda de influência geopolítica dos EUA. Ademais, segundo os autores, o Quad representaria mais um sintoma, do que solução, da instabilidade progressiva na região do Indo‑Pacífico, visto mais como provendo uma intensificação das rivalidades estratégicas dela concernentes do que a mitigar suas tensões de fato.
A China demonstra fragilidades estruturais que podem levar sua economia a um declínio progressivo. Concomitante a isso, as tensões cada vez maiores entre Washington e Pequim expõem um nível de confiança baixo, resultando na visão, pelo governo estadunidense, do regime chinês como um rival estratégico. Assim, é possível perceber a diminuição de investimento estrangeiro direto na China e migração de empresas que já estavam estabelecidas na região para outros países, em especial para a Índia. Em 2024, dezenas de grandes empresas, como Dell, HP, Intel, Samsung, LG Electronics, Nike, Hasbro, Blizzard Entertainment, Stanley Black & Decker já haviam transferido suas fábricas para a Índia ou planejam fazê-lo em um futuro próximo. Nesse mesmo sentido, a Apple anunciou que pretende transferir até 25% de sua produção de iPhones da China para a Índia até 2025. Além disso, de acordo com uma pesquisa de 2024 da Câmara de Comércio Americana na China, 45% das empresas americanas na China começaram a implementar estratégias para diversificar seus fornecedores, buscando alternativas fora do país e 38% consideraram tomar essa atitude.
Diante desse cenário, a Índia está se adaptando rapidamente para atender essa demanda crescente, expandindo suas relações comerciais, enquanto os EUA estão igualmente engajados em desviar o comércio da China para a Índia. Esse posicionamento não deve demorar a se ajustar, visto que as intenções da Índia já estão alinhadas com as dos Estados Unidos desde o início do segundo governo Trump. O Primeiro-ministro indiano Narendra Modi foi um dos primeiros líderes globais a visitar Trump após seu retorno à Casa Branca, quando Modi inclusive mencionou uma "megaparceria" com os EUA e iniciou rapidamente negociações para abordar as tarifas impostas por Trump sobre produtos indianos. Além disso, em abril, o vice-presidente americano, J.D. Vance, realizou uma visita à Índia com o objetivo de firmar um acordo comercial bilateral mais abrangente entre os dois países, com a meta de aumentar o comércio atual de US$190 bilhões para US$500 bilhões até 2030.
Antes da visita de J. D. Vance, a Diretora de Inteligência Nacional dos EUA, Tulsi Gabbard, já havia estado na Índia para uma conferência geopolítica. Assim, além de aumentar a relação comercial, a colaboração entre EUA e Índia pode extrapolar para outras áreas. Esse cenário pode refletir o interesse dos Estados Unidos em reestruturar as cadeias de suprimentos globais, transferindo-as da China para a Índia. Essa mudança pode ter como consequência um impacto adicional na capacidade de Pequim de apoiar a Rússia na guerra contra a Ucrânia.
Outra questão que influencia diretamente a relação de tensão entre os dois países e a China é o domínio chinês do mercado de terras raras. Nesse sentido, fica claro que os Estados Unidos e a Índia dependem do monopólio da China sobre terras raras, o que incentivou o Primeiro-ministro indiano a focar no potencial da Índia em aumentar sua capacidade de produção de terras raras visando se tornar o principal fornecedor do mercado americano.
Em resposta a esses acontecimentos, o Partido Comunista Chinês está buscando soluções alternativas. Como resultado do aumento da visibilidade da Índia na região e do crescente engajamento desse país com os Estados Unidos, a mídia estatal chinesa tem sugerido a possibilidade de aliviar as restrições comerciais e promover um maior engajamento entre a China e a Índia. Além disso, Pequim alertou Nova Déli de que seu crescente envolvimento com Washington pode ameaçar seu relacionamento amigável com a China. Por outro lado, visando combater a tendência de transferência das cadeias produtivas, a China está limitando as exportações de máquinas e a transferência de equipamentos para a Índia, com o objetivo de reduzir sua capacidade de atender à demanda industrial. Ademais, uma outra atitude que pode ser tomada pelo Partido Comunista Chinês seria aumentar o apoio ao Paquistão, uma rival histórica regional da Índia, oferecendo armas nucleares. Contudo, essa pode ser uma ameaça inócua, já que tanto o Paquistão quanto a Índia já são detentoras de armas nucleares e o apoio de Pequim não alteraria de forma significativa o status quo.
A Índia apresenta-se como ator notadamente dúbio e estrategicamente autônomo. Os analistas inserem a política externa indiana contemporânea numa doutrina de autonomia estratégica, remanescente do movimento dos Não-Alinhados e da retórica Nehruviana. Assim sendo, a presença de fronteiras terrestres - e mesmo de litígios transfronteiriços - entre as duas civilizações milenares da Ásia Continental (Índia e China), constitui-se como ponto de inflexão que condiciona uma abordagem comedida da Índia em adotar posturas mais agressivas em relação a Pequim, mas que busca, de forma estratégica, uma posição favorável em relação às demandas de Washington. Por outro lado, o engajamento de Nova Délhi no estreitamento de laços com os países que compõem o BRICS+ revela, o caráter profundamente multifacetado e resiliente da política externa indiana enquanto pautada numa doutrina de realismo pragmático que resiste a alinhamentos definitivos. Trata-se de uma potência que utiliza da estratégia de não-alinhamento enquanto fundamento último de sua inserção no tabuleiro internacional, angariando recursos e privilegiando cooperações que confiram margem de manobra às crescentes polarizações do Sistema Internacional.
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