Sanções financeiras e o futuro do dólar americano
As tensões entre o Ocidente e a Rússia e China são cada vez mais notórias nas relações internacionais atuais. O enorme crescimento chinês e a recuperação da economia russa despertam dúvida sobre a forma vigente do sistema internacional e promovem ações que buscam alternativas para as Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais (“Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication”, SWIFT - sigla em inglês). Uma vez que o acesso à economia global é dependente da habilidade de transferir dinheiro entre fronteiras, o sistema SWIFT, com sede na Bélgica, é o que tradicionalmente provê a tecnologia e os protocolos que conectam os bancos internacionais. Atualmente, 11 mil corporações de todos os países estão conectadas a esse sistema interbancário internacional. Por meio do mecanismo, países como Rússia e China podem receber pagamentos e ativos em dinheiro de pessoas e empresas (nacionais ou não) e de outros países em dólar que será convertido nas respectivas moedas nacionais, rublo e renmibi (no caso chinês, o “yuan” é a unidade de conta).
Embora não seja, na prática, utilizada por Estados, mas, sim, por instituições financeiras de quase todo o mundo – inclusive China e Rússia –, a SWIFT está sujeita à ingerência das potências ocidentais, pois seus bancos devem legalmente obedecer às sanções que os governos venham a estabelecer. O objetivo da SWIFT é padronizar transações financeiras internacionais, mas ela também pode ser utilizada como um mecanismo político e um muito nocivo às economias, já que grande parte das transações financeiras internacionais obrigatoriamente passam pela SWIFT e, com a imposição de sanções, instituições ou indivíduos de determinados países podem ser suspensos de seu uso por tempo determinado. Isto preocupa países já foram ou que possam ser alvos de sanções, como foi o caso do bloqueio aos bancos russos durante a crise de 2014-2015 na Ucrânia (incorporação da Crimeia), bem como a ameaça de retirar a China do sistema caso esta não aderisse às sanções da Organização das Nações Unidas contra a Coreia do Norte. Mais recentemente, o Parlamento Europeu adotou resolução recomendando que a Rússia seja inteiramente cortada do SWIFT caso se envolva em conflito armado com a Ucrânia.
Quando sanções financeiras são aplicadas contra países, é interesse desses países diminuir a relação de dependência com esta sociedade cooperativa, de modo a conseguirem realizar suas ações no cenário internacional de maneira mais autônoma e assertiva. Atualmente, tanto os EUA quanto a União Europeia e o Reino Unido estão adotando sanções contra bancos e outras instituições financeiras russas, causando sérios danos à economia do país eslavo que chegam a centenas de bilhões de dólares, segundo o Ministério de Relações Exteriores (MRE) da Rússia. Para o governo russo, de acordo com o canal de notícias RT, as medidas tomadas pelos países ocidentais são uma “ação de desespero” diante da recusa em aceitar a recuperação econômica do país após a pandemia de COVID-19. Elas seriam uma tentativa de barrar o crescimento russo mesmo devido às adversidades atuais que ainda assolam os países ocidentais. Tendo isso em vista, Sergey Lavrov, ministro das relações exteriores russo, afirmou que Rússia e China precisam se proteger melhor de “Estados hostis”: “Precisamos nos distanciar de sistemas internacionais de pagamentos controlados pelo Ocidente”, adicionou.
Nesse sentido, a plataforma russa “Sistema de Transmissão de Mensagens Financeiras” (System for transmitting Financial Messages, SPFS - sigla em inglês), do Banco Central Russo, conecta todos os bancos do país e cerca de uma dezena de bancos estrangeiros dos países da União Econômica da Eurásia (EAEU), permitindo comunicação entre elas. Caso a Rússia seja desconectada do SWIFT, os bancos citados mudariam para o SPFS, porém, mesmo assim, a Rússia sofreria com a ação, porque o mecanismo russo ainda não é totalmente substitutivo, o que geraria graves problemas para os bancos eslavos e, principalmente, para os grandes exportadores. De toda forma, os EUA e demais países ocidentais consideram a questão delicada, pois o governo russo pode retaliar as ações com outras sanções contra políticos e bancos ocidentais. Segundo Lavrov, o SPFS também é considerado uma forma de consolidar as relações comerciais crescentes entre a Rússia e a China. Além disso, o ministro sugere, a fim de reduzir o risco de sanções, uma mudança para acordos em moeda nacional ou alternativas ao dólar – que tem sido a moeda franca de reserva internacional desde 1944.
Em 2015, o Fundo Monetário Internacional (FMI) anunciou a inclusão do yuan chinês na cesta de moedas de reserva internacional. Desde 2016, o seleto grupo é composto pelo dólar americano, euro, yuan, iene japonês, e libra esterlina. Essa ação concede à moeda chinesa, assim como às outras citadas, os Direitos Especiais de Saque (SDR – sigla em inglês), o que, na prática, significa que a China tem acesso a um instrumento monetário internacional para complemento de suas reservas oficiais, tal qual os outros países-membros. O SDR é um mecanismo suplementar às taxas de câmbio fixas estabelecidas nos acordos de Bretton Woods e a inclusão da República Popular da China dá-se devido à participação significativa nas exportações mundiais da economia global atreladas à moeda. A decisão tomada pelo FMI não foi amplamente aceita, uma vez que a economia chinesa não é completamente livre, isto é, aos moldes do livre mercado, e o movimento de capitais é extremamente controlado. Em tempo, tal qual o SPFS russo, o Banco Central Chinês lançou em 2015 seu Sistema de Pagamentos Internacionais (CIPS – sigla em inglês) com o intuito de facilitar a internacionalização da moeda chinesa e reduzir o tempo de processamento, bem como o custo das transações. A missão da infraestrutura adotada pelo mercado financeiro chinês é permitir que onde haja renminbi, haja um meio de realizar sua transferência sem a ingerência ocidental.
O chamado século da Ásia tem desafiado a hegemonia dos Estados Unidos da América, bem como do Ocidente e suas instituições. A postura adotada por esses últimos certamente não ameniza o desejo preexistente de potências de fora do eixo ocidental de criar suas próprias instituições. O Banco Central desses países já trabalham com a hipótese de lançar uma criptomoeca como alternativa ao dólar americano. Cabe ver se as iniciativas realmente serão aderidas e conseguirão fazer frente ao mecanismo SWIFT.
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