Sabotagem nuclear e negociações nucleares
Historicamente, a posse de armas nucleares confere a um Estado deterrência nuclear, isto é, o necessário para desencorajar um inimigo de tomar uma ação indesejada, como um ataque armado, dado o risco de destruição em massa no qual incorreriam na eventualidade de uma guerra nuclear. Contudo, justamente pelo alto risco envolvendo tais armas, a sua proliferação é amplamente combatida pela comunidade internacional, especialmente em regiões palco de grandes disputas, como o Oriente Médio. Dois grandes países locais - Irã e Israel - vivem hoje um momento crítico de suas relações, o que pode ser mais um ponto de inflexão na região que até hoje não conseguiu atingir estabilidade.
De fato, no dia 11 de abril, pouco depois de ter anunciado suas mais novas centrífugas, o governo do Irã informou ter sido alvo de um ataque o qual considerou um ato de “terrorismo nuclear”: a instalação nuclear em Natanz foi sabotada por um governo estrangeiro. Suspeita-se que o ataque teria advindo do governo de Israel, aumentando a tensão entre os dois países. Segundo o jornal The Jerusalem Post, o ataque foi realizado por meio de um artefato explosivo que foi contrabandeado para dentro da instalação e detonado remotamente. O ataque teve como alvo a subestação elétrica localizada em Natanz, a mais de 50 metros abaixo do solo, danificando “milhares de centrífugas” essenciais para o enriquecimento de urânio, conforme fontes iranianas.
O Irã nega que esteja usando energia nuclear para fins militares, utilizando-a apenas para fins civis e pacíficos, algo permitido pela Tratado de Não Proliferação do qual faz parte. Irã defende que suas centrífugas estão abaixo do solo não para esconder o projeto, mas para protegê-las de ataques militares terrestres e aéreos, tendo em vista as ameaças externas que identifica. Segundo os funcionários de Natanz, a explosão realmente gerou enormes danos e pode demorar ao menos nove meses para restaurar a produção de energia na instalação. Todavia, três dias após o ataque, o Irã anunciou que iria reconstruir a fiação elétrica e que aumentaria o enriquecimento do urânio de 20% para 60%. Tal nível de enriquecimento de urânio é proibido pelo Plano Global de Ação Conjunta (JCPA - sigla em inglês), acordo nuclear assinado em 2015 entre o Irã e as demais potências mundiais, e que ainda está em vigor, e pelo Tratado de Não Proliferação Nuclear.
A ação de sabotagem contra o programa nuclear iraniano não foi um ato isolado. Em 2010, no mesmo local, o vírus stuxnet danificou mil centrífugas iranianas, deixando-as fora de uso for meses, e em julho de 2020, Natanz sofreu outro ataque, com a explosão de bombas escondidas dentro de uma mesa. Além disso, segundo o The Jerusalem Post, o ex-chefe da Agência Nuclear Iraniana sobreviveu a uma tentativa de assassinato em 2010 com bombas colocadas na lateral de seu carro, enquanto dois cientistas nucleares, Majid Shahriari e Mohsen Fakhrizadeh, foram mortos em ataques semelhantes (o primeiro morreu no mesmo dia da tentativa do ex-chefe da Agência; o segundo, o principal cientista nuclear do Irã, em um assassinato em 2020).
Realmente, o suposto envolvimento de Israel na ação mostra-se como um ponto adicional na deterioração da relação entre Irã e o governo israelense. O Irã aponta publicamente Israel como culpado dos ataques a Natanz (bem como do ataque de julho de 2020 no mesmo local) e atos de sabotagem contra seu programa nuclear. Para o próprio ministro das Relações Exteriores do Irã, Mohammad Javad Zarif, Israel foi o culpado pelo ataque, e por isso sofrerá as consequências da vingança iraniana. Já o governo de Israel declarou explicitamente que não aceitará que o Irã desenvolva armas nucleares e enfatizou que trabalhará para impedir a concretização da ambição nuclear iraniana. Ações de sabotagem são, na verdade, uma opção menos custosa quando se considera a opção militar indesejável de um ataque armado contra as instalções nucleares iranianas.
As negociações entre o Irã, autoridades europeias e os EUA para restaurar o JCPA ocorrem no contexto da disputa Israel-Irã e do anunciado enriquecimento de urânio acima dos níveis permitidos. Os EUA, lembre-se, haviam se retirado do acordo em 2018, mas agora, com a nova administração do Presidente Biden, retornam à mesa de negociação. Segundo o Wall Street Journal, os EUA não souberam do ataque com antecedência e negam qualquer envolvimento, principalmente pela ânsia do atual presidente Joe Biden de voltar ao acordo e ter o Irã como um Estado-parte. Vale lembrar que uma semana antes do ataque, o Irã tinha aceitado participar da reunião sobre o assunto em Viena. Já a União Europeia assegura que não tolerará impedimentos para a discussão sobre o acordo nuclear com o Irã.
Até o momento, as ações de sabotagem tomadas por Israel não impediram o Irã de perseguir seus interesses nucleares, mas seguramente atrasaram o desenvolvimento do programa. É possível, porém, que essas ações deixem os iranianos ainda mais obstinados na busca de seu objetivo de nuclearização. A retomada do JCPA pode ser uma alternativa pacífica e desejável, pois poderia impor limites temporários às capacidades nucleares iranianas, com a contrapartida de alívio das sanções impostas sobre o Irã, cuja economia sofre severamente seus efeitos.
A questão nuclear iraniana é um ponto de alta tensão no Oriente Médio, e o embate entre Irã e Israel parece não encontrar um fim. As novas modalidades da guerra, como a cibernética, não mudam necessariamente sua natureza, mas introduzem novos meios de empregá-la. Para alguns especialistas, a nuclearização do Irã representaria o começo de uma estabilidade na região, ao passo que outros afirmam que os efeitos seriam exatamente o oposto, criando instabilidade e contribuindo para a proliferação nuclear em outros países do Oriente Médio.
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