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Rússia e o dólar americano – O efeito boomerang de sanções financeiras


O governo russo vem sofrendo sanções e ameaças de sanções financeiras desde a intervenção na crise ucraniana de 2014, e isso tem afetado diretamente a economia russa. Como as transações no comércio internacional são feitas basicamente em dólar, as sanções diminuíam a quantidade de dólar que adentrava o país e estimulavam o governo russo a usar compulsivamente suas reservas internacionais. Mais recentemente, os EUA de Biden sancionaram novamente a Rússia, dessa vez com restrições à compra de dívida soberana recém-emitida, em resposta às alegações de que o governo de Putin estava por trás do hack da empresa SolarWinds Corp. e da suposta intervenção nas eleições estadunidenses do ano passado. Em resposta, medidas foram estudadas pelo governo russo para tentar reduzir a dependência da moeda estadunidense.

No anual Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo, no início de junho, o ministro das Finanças da Federação Russa, Anton Siluanov, afirmou que o país vai começar a dar mais ênfase em outros ativos financeiros que não o dólar - o qual atualmente corresponde a 35% dos ativos líquidos -, cortando cerca de US$ 40 bilhões (aproximadamente R$ 202 bilhões) da carteira de investimentos, e aumentando os ativos em euros (de 35% para 40%), yuan (30%), libra esterlina e iene (ambos 5%) e inclusive em ouro (20%), o metal que padronizava as relações monetárias antes da introdução do dólar e que já o tinha ultrapassado nas reservas russas em 2020.


Além disso, consonante ao ministro das relações exteriores Sergey Lavrov, a Rússia trabalha incessantemente com outros países a fim de criar “mecanismos econômicos e jurídicos para reduzir o impacto negativo das restrições [do dólar] sobre o desenvolvimento do comércio bilateral e laços de investimento”. Assim, a motivação russa para tal empreendimento vem a ser as tensões cada vez mais crescentes entre Rússia e Estados Unidos, as quais diminuem a fé no dólar e mostram que o uso recorrente de sanções “questionam a confiabilidade e a conveniência de se usar a moeda americana como moeda prioritária para os negócios”, afirmou o vice-ministro das Relações Exteriores, Alexander Pankin. Defendendo ainda mais o afastamento do uso da moeda estadunidense como moeda global do comércio internacional, pelo fato dos EUA usarem a dólar para fins geopolíticos, a Rússia entende que “a posição de monopólio do dólar nas relações econômicas internacionais tornou-se anacrônica [e que,] gradualmente, o dólar está se tornando tóxico”, argumentou Sergey Naryshkin, chefe do serviço de inteligência de Moscou.

Ações que buscam alternativas ao dólar americano, como as da Rússia e China, reduzem a influência americana no mundo e, em especial, a posição do dólar como moeda de reserva e de comércio no mercado financeiro internacional. Soma-se a isso o fato de que as gigantes do petróleo ocidentais sofrem cada vez mais pressão para que se tornem mais “verdes”, isto é, para que diminuam suas emissões de carbono, o que afeta diretamente sua produtividade, ao mesmo tempo em que investimentos na extração de gás e produção de energia com base em carvão são desestimulados. Metas ambiciosas para uma melhor relação antropofágica com o meio ambiente não são ruins, todavia é preciso lembrar que essas mudanças não vêm sem custos e pode ser difícil conciliar objetivos mais verdes com a manutenção dos investimentos e lucros. Em contrapartida, países produtores de petroleo de outras partes do mundo, como o Oriente Médio e a Eurásia, por exemplo, não sofrem com as mesmas pressões no tocante ao controle de suas emissões de carbono, ainda que se preocupem em investir cada vez mais em energias renováveis.

De acordo com a Reuters, um alto executivo da Gazprom da Rússia disse que o Ocidente “terá que contar mais com o que chama de 'regimes hostis' para seu abastecimento". Ainda segundo a Reuters, o ministro saudita de energia, por sua vez, afirmou, em uma reunião online da OPEP: "Nós [Arábia Saudita] estamos produzindo petróleo e gás a baixo custo e renováveis. Exorto o mundo a aceitar isso como uma realidade: que seremos vencedores de todas essas atividades”. Uma maior dependência do Ocidente em relação a países como Rússia ou Arábia Saudita, em termos de energia, concomitantemente a uma menor dependência russa em relação ao dólar, certamente não chega como boa notícia na América. Ainda assim, a administração Biden tem se mostrado comprometida com a questão das mudanças climáticas e o governo não só retornou ao Acordo de Paris - do qual tinha saído seu predecessor - como também prometeu “o mais agressivo” corte de carbono que os EUA possam fazer, o que significará maiores custos para as empresas americanas num mercado global altamente competitivo.

Para o atual presidente americano, a questão das mudanças climáticas é urgente e com implicações para a segurança nacional, segundo afirmou em discurso. Assim, a administração Biden deseja colocar os EUA em uma posição de liderança internacional e tem promovido mudança de política de maneira muito mais acelerada do que o governo democrata anterior de Obama. A pressa de Biden, no entanto, coloca em risco uma economia já afetada pela pandemia do coronavírus, ameaça os empregos que dependem diretamente da indústria energética do petroleo, carvão e gás, e facilita a maior proeminência de empresas estrangeiras no fornecimento de energia.

Frente às tensões crescentes com o Ocidente, a Rússia consolida seu movimento na direção de maior autonomia nas relações internacionais. Além do redirecionamento das reservas russas, a celebração de tratados bilaterais com Turquia e China na esfera comercial-financeira, a expansão de mercado das empresas de gás e petrolíferas russas, o desenvolvimento russo-indiano de um novo acordo intergovernamental sobre a proteção mútua de investimentos, e o debate sobre uma zona de livre comércio entre a União Econômica da Eurásia e a Índia são exemplos de medidas que corroboram a opção russa de querer se ver livre da dependência do dólar americano e dos demais aliados ocidentais. Os EUA terão de repensar se o uso reiterado de sanções financeiras contra países de grande porte como a Rússia é uma opção política realmente boa e viável. Ao que consta, tal política mais parece um “tiro no pé”, pois coloca em risco o futuro do dólar americano como reserva internacional.

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