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Resultado de Referendos Populares na Irlanda Desafia o Governo


Na Irlanda, os referendos populares são uma ferramenta crucial da democracia, sendo usados pelo governo para consultar a população sobre questões que geram impactos no seu cotidiano. Em março de 2024, dois referendos foram realizados para decidir sobre a implementação de duas emendas à Constituição da Irlanda de 1937: a “Emenda da Família” e a “Emenda de Cuidados”.

A proposta da primeira emenda visava expandir a definição de família para reconhecer “relacionamentos duráveis”, como casais que coabitam e seus filhos, e modernizar a sua linguagem, substituindo “mulheres no lar” por termos que destacam o cuidado familiar. Já a segunda emenda buscava substituir a disposição existente na Constituição sobre o papel das mães no lar por um novo texto que reconhecesse o papel dos cuidadores, excluindo os artigos da Constituição que afirmavam que as mães não deviam ser obrigadas a abandonar seus “deveres do lar” para ingressar no mercado de trabalho e que “a vida das mulheres no lar” servia como uma fonte de apoio ao Estado.

O governo irlandês argumentou que a linguagem da Constituição estava desatualizada, solicitando, assim, o endosso dos eleitores para estas mudanças. Todos os principais partidos políticos da Irlanda – Fine Gael, Fianna Fáil e o Partido Verde – apoiavam um voto “sim, sim”, com o primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar do Fine Gael, alertando que qualquer outro resultado representaria um retrocesso para o país. Entretanto, críticos das emendas destacaram que o projeto de lei, votado no Dia Internacional da Mulher, paradoxalmente eliminava termos como “mulheres” e “mãe” da Constituição, ao mesmo tempo em que gerava confusão sobre o significado de “relacionamento durável”. Diante disso, as propostas de reformulação da Constituição irlandesa foram amplamente rejeitadas: mais de 67% dos eleitores se opuseram à “Emenda da Família”, enquanto quase 74% rejeitaram as mudanças propostas na “Emenda dos Cuidados”, se tornando o maior voto “não" em referendos irlandeses na história. O resultado, um claro “não, não”, indicou uma resistência significativa à proposta.

A aprovação das emendas refletiria uma inclinação progressista e, de forma indireta, implicaria na diminuição de certas responsabilidades do Estado, especialmente no que diz respeito à “Emenda dos Cuidados”. O deputado de Meath West, círculo eleitoral parlamentar representado em Dáil Éireann, a câmara baixa do parlamento irlandês, Peadar Tóibín, expressou surpresa ao ver seu partido, o Aontú, como o único a se opor às emendas. Ele comentou que “é surpreendente” que o governo e até mesmo os principais partidos de oposição pareçam tão distantes das preocupações populares e falhem em ouvi-las. Além disso, o senador Michael McDowell, ex-ministro da Justiça e Procurador-Geral, que liderou a campanha contra as propostas, destacou que houve um “repúdio enfático” ao que ele considerava uma tentativa imprudente de experimentação social com a Constituição.

É um golpe humilhante para a coalizão governista formada pelo Fine Gael, Fianna Fáil e os Verdes, que orquestraram o fiasco. Os partidos parecem incompetentes e há pedidos de renúncias ministeriais. “Quando se perde por essa margem, há muitas pessoas que erraram e eu certamente sou uma delas”, disse Varadkar, embora sua própria posição pareça segura. O governo tentará encerrar o caos e seguir adiante rapidamente, buscando consolo no fato de que os partidos de oposição também parecem desconectados. Há muita culpa para se distribuir.

Pode-se afirmar que, diante desses resultados, os valores conservadores reconquistaram a Irlanda? Pode-se argumentar que não. A onda liberal que se evidenciou nos referendos sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo em 2015 e sobre o aborto em 2018 ainda persiste. Pesquisas demonstraram um amplo apoio popular para ajustes na constituição. No entanto, o lado do “sim” falhou na campanha, deixando os eleitores confusos, incertos e pouco inspirados. As emendas eram difíceis de explicar e entender. Alguns advogados e acadêmicos liberais alertaram que os tribunais teriam que decidir o que constituía “relacionamentos duráveis”, criando potenciais consequências não intencionais para questões como impostos, cidadania e outras. Além disso, grupos feministas argumentaram que as emendas não iam “longe o suficiente” e removiam a responsabilidade do Estado pelo cuidado, deixando o principal ônus ainda sobre as mulheres. O resultado foi uma ampla incerteza e um sentimento de mudanças complexas e desnecessariamente apressadas. "Se estiver em dúvida, não faça nada", disse um eleitor que votou “não” em Dún Laoghaire, subúrbio irlandês. Por outro lado, a Igreja Católica participou ativamente da campanha pelo “não”, em defesa dos valores cristãos e da família. Não se sabe até que ponto o voto da população reflete a influência dessa campanha.

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