Quando os EUA podem usar armas nucleares?
- dri2014
- May 4, 2021
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O uso da força armada sempre foi uma das decisões de política externa mais difíceis, especialmente a partir da adoção da Carta da ONU, que proíbe, exceto em legítima defesa ou quando autorizado pelo Conselho de Segurança, a ameaça ou uso da força nas relações internacionais. A questão do uso da força militar se torna ainda mais importante quando o país possui armas nucleares. Entre as potências nucleares, que atualmente são oito, há algumas que decidiram, por razões diversas, divulgar sua política sobre o uso de armas nucleares. Os Estados Unidos da América (EUA) estão entre as potências nucleares que divulgaram sua postua nuclear.
A postura nuclear dos EUA, desde a Guerra Fria, foi de dissuadir ataques nucleares, ataques convencionais maciços e ataques com armas quimicas ou biológicas. Ou seja, os EUA estavam prontos a usar seu arsenal nuclear em resposta a qualquer um dos tipos de ataque mencionados. Além disso, os EUA não assumiam o compromisso de usar armas nucleares somente em resposta a ataques sofridos, ou seja, não adotavam a política do “Não Primeiro Uso”. Para o Pentágono, a chamada “ambiguidade calculada” era necessária, pois os EUA e seus aliados europeus da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) enfrentavam a superioridade das forças convencionais da União Soviética (URSS) e do Pacto de Varsóvia, e os EUA precisavam não só destruir as tropas soviéticas no campo de batalha, mas também dissuadir a URSS em relação a desenvolver mais forças convencionais. Passado o embate entre Estados Unidos e União Soviética, os EUA passaram a tentar diminuir a força que as armas nucleares tinham na concepção de defesa nacional, mas ainda sim se resguardavam a política do “primeiro uso”.
Na administração de Barack Obama (2009-2016), segundo a Revisão da Postura Nuclear de 2010 (relatório governamental que define as diretrizes do governo em relação ao tema), os EUA só recorreriam às armas nucleares em situações extremas, na defesa dos interesses vitais do país ou os de seus aliados ou os de seus parceiros, e não as usariam de forma alguma contra os países que fizessem parte do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) e estivessem em cumprimento com as normas de não proliferação. Vale lembrar que, na época, os EUA consideravam que Irã e Coreia do Norte estariam em desacordo com o regime do TNP. A postura da administração Obama de poder usar ou ameaçar o uso de armas nucleares contra um Estado não nuclearmente armado, mas que estivesse em desacordo com as normas do TNP, visava dar efetividade ao regime de não-proliferação.
Ao definir as situações extremas do uso das armas nucleares, a postura nuclear dos Estados Unidos no governo Obama reservava o direito de uso da força nuclear em resposta a ataques convencionais, químicos e biológicos oriundos de Estados nucleares ou Estados que estejam violando o regime do TNP, esclarecendo que o uso de tal arsenal não é apenas para deter outras armas nucleares, mas sim um vasto espectro de ameaças. Em outras palavras, os EUA afirmavam o direito de ser o primeiro a usar da força nuclear mesmo em situação extrema de um ataque não nuclear sofrido.
Na administração de Donald Trump (2017-2020), a despeito das grandes divergências políticas sobre diversos temas político-governamentais com o governo anterior, nota-se uma continuidade na postura nuclear, que continua não aderindo à política do “Não Primeiro Uso”. A Revisão da Postura Nuclear de 2018 assegura que os EUA apenas considerariam usar armas nucleares em circunstâncias extremas e caso seus interesses vitais ou os de seus aliados ou os de seus parceiros fossem afetados. Ao delimitar tais circunstâncias, o documento inclui ataques nucleares e significativos ataques estrategicos não-nucleares, incluindo na expressão ataques convencionais de larga escala, ataques químicos, ataques biológicos e ataques cibernéticos.
O governo do Presidente Biden ainda não revisou a postura nuclear americana. Nessa perspectiva, no dia 15 de abril, a senadora Elizabeth Warren e o deputado Adam Smith, dois líderes democratas no Senado e na Câmara dos EUA, introduziram novamente (o primeiro em 2019 não vingou) um projeto de lei que visa à mudança da postura nuclear estadunidense para uma clara defesa do “Não Primeiro Uso”. Para Warren, a prerrogativa do ataque preventivo, ao invés de proteger o país, na verdade diminui a segurança, porque existe a possibilidade de erros estratégicos e acidentes, podendo gerar uma guerra nuclear. A garantia estadunidense de não lançar primeiro um ataque nuclear poderia ser uma forma de mostrar que os EUA não querem entrar em disputas, mas sim impedi-las. A despeito da oposição republicana, os democratas estão otimistas, pois o presidente democrata Joe Biden já possuía opinião similar quando então vice-presidente em 2017, afirmando que achava “difícil imaginar um cenário plausível em que o primeiro uso de armas nucleares pelos Estados Unidos seja necessário ou faça sentido”, conforme o jornal The Hill.
Os que se opõe à mudança na postura nuclear argumentam que ela poderia minar a dissuasão, ao encorajar países como Coreia do Norte, China ou Rússia, a tirar proveito das vantagens convencionais locais ou regionais, de modo a ameaçar aliados dos EUA. Em tal cenário, alguns argumentam, a promessa de “Não Primeiro Uso” não apenas minaria a dissuasão, mas também poderia aumentar o risco de que uma guerra convencional pudesse escalar e envolver o uso de armas nucleares. Além disso, como os Estados Unidos se comprometeram a usar todos os meios necessários, incluindo armas nucleares, para defender aliados na Europa e na Ásia, essa mudança na política declaratória dos EUA poderia prejudicar a confiança dos aliados no compromisso dos EUA com sua defesa e possivelmente estimulá-los a adquirir suas próprias armas nucleares. Como resultado, uma política de "não primeiro uso" poderia prejudicar os objetivos de não proliferação nuclear dos EUA.
Por outro lado, alguns analistas de fora do governo contestam a possibilidade de diminuição do poder da dissuasão e afirmam que há falta de evidências de que a ameaça de escalada nuclear pode deter a guerra convencional, enquanto outros observam que o primeiro uso nuclear dos EUA pode desencadear uma resposta de igual calibre e uma guerra nuclear total. Além disso, argumenta-se que uma política de "não primeiro uso" não prejudicaria o compromisso dos EUA com seus aliados porque esses têm fé nas forças convencionais dos EUA para sua defesa, bem como conhecimento da disposição dos EUA de retaliar os ataques nucleares com armas nucleares. Consequentemente, conclue-se, sob essa perspectiva, que reservar o direito ao primeiro uso não seria apenas desnecessário, mas também arriscaria transformar a guerra convencional em uma catástrofe nuclear.
Ainda assim, parte considerável do congresso dos EUA mostra-se relutante a mudanças, o que deixa uma expectativa no ar sobre qual será a postura nuclear a ser adotada pelo Governo Biden.
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