Qual o Destino das Reservas Financeiras Russas no Ocidente?
Em fevereiro de 2022, no início do conflito entre Rússia e Ucrânia, países Europeus, em conjunto com os Estados Unidos, implementaram uma série de sanções contra a Rússia , na intenção de conter as investidas russas contra Kiev. Uma das medidas de contenção adotadas pelo ocidente foi o bloqueio de aproximadamente metade dos ativos financeiros do banco central russo, depositados no exterior. Esses ativos foram congelados pela União Europeia e outros países ocidentais e, atualmente, estão em sua maioria numa Câmara de Compensação Belga, chamada Euroclear. No total, os países ocidentais detém cerca de 300 bilhões de euros (R$1,5 trilhão) em ativos russos.
O principal objetivo do ocidente, ao congelar os investimentos russos, era o de evitar que o Presidente Vladimir Putin os utilizasse como recurso para escapar às demais sanções impostas ao país. Com os ativos congelados, pretendia-se fazer fracassar o plano de Putin de resistir às sanções, e, por isso, a medida tomada pelo ocidente teve caráter imediato, a fim de impedir que os russos transferissem esses ativos para bancos chineses ou de outros aliados. De uma perspectiva jurídica e política, no entanto, o congelamento suscitou debates internacionais sobre a legitimidade, legalidade e dos riscos e consequências que carrega a medida de contenção.
A possível apropriação dos ativos russos pelo ocidente tem gerado debates sobre sua legalidade, mas, principalmente, sobre o futuro da credibilidade do sistema financeiro global, com questionamentos sobre possíveis violações do Direito Internacional e impactos na confiança no euro como uma das principais moedas de reserva global. Ademais, há o receio, por parte do próprio ocidente, de que tal movimentação dissuada os fundos soberanos, bancos centrais e investidores privados do Sul Global de investir em ativos europeus. Uma saída massiva de tais investimentos traria graves consequências para a Europa, como um aumento nos juros e na inflação, além de queda nas receitas fiscais.
A princípio, tem-se que esses ativos congelados e detidos consistem em uma ampla gama de recursos financeiros, incluindo contas bancárias, investimentos em títulos, propriedades imobiliárias e outras formas de investimento. Diante dessa situação, os países ocidentais têm considerado várias opções de apropriação desses ativos como forma de punição econômica e para dissuadir futuras atividades consideradas hostis por parte da Rússia. Uma das opções consideradas, por exemplo, é a retenção desses ativos por tempo indeterminado, privando assim os proprietários russos de acessá-los e usufruir de seus benefícios econômicos. Essa abordagem visa causar um impacto econômico significativo na Rússia, já que muitos desses ativos são parte importante da riqueza de oligarcas russos e de empresas estatais.
Uma outra opção seria a confiscação definitiva desses ativos, transferindo legalmente sua propriedade para a Ucrânia . Essa medida seria uma forma mais extrema de punição e poderia ser justificada como uma compensação pelos danos causados pelas ações da Rússia. Portanto, sua apropriação pelo Ocidente, em particular para apoiar financeiramente a Ucrânia em sua luta contra a Rússia e a sua reconstrução no pós-guerra, seria vista como uma medida legítima para impedir que a Rússia se beneficiasse economicamente de suas ações.
No entanto, essa opção não está isenta de riscos jurídicos e financeiros significativos. A Rússia certamente contestaria a apreensão de seus bens em tribunais internacionais e nacionais, o que poderia resultar em longos processos legais. Enquanto esses casos estão pendentes, os fundos permanecem congelados, tanto para Moscou quanto para Kiev, impedindo sua utilização imediata para financiar as necessidades da Ucrânia. Ademais, essa apropriação de ativos russos poderia desencadear retaliações por parte da Rússia, incluindo o possível confisco de ativos ocidentais em território russo ou em países considerados "hostis". Isso pode resultar em danos econômicos adicionais para empresas e investidores ocidentais que possuem ativos na Rússia, além de aumentar a incerteza nos mercados financeiros internacionais, pois qual o investidor estraneiro que confiaria em deixar seus ativos financeiros no mercado europeu ou americano?
Outra questão importante é como os ativos confiscados seriam transferidos para a Ucrânia e como seriam utilizados. Uma opção seria vender os ativos e transferir o dinheiro para Kiev, o que poderia causar distorções nos mercados financeiros e aumentar os custos de financiamento para os governos europeus. Alternativamente, os ativos poderiam ser usados como garantia para emitir obrigações, exigindo que a Rússia reembolsasse a dívida sob pena de confisco dos ativos. Faz sentido legal ou financeiro usar ativos financeiros de um terceiro, sem a autorização dele, para garantir títulos públicos que você emitiu? Esta abordagem também apresenta desafios, como encontrar compradores interessados em adquirir essas obrigações e o potencial impacto negativo sobre o sistema financeiro global. A transferência de ativos para a Ucrânia poderia enfrentar também resistência política e legal por parte dos países europeus relutantes em desencadear uma escalada nas tensões com a Rússia.
Diante desses desafios e riscos, os governos europeus demonstraram hesitação em seguir o caminho da apropriação dos ativos ativos congelados. Embora possa alegadamente ser uma opção moralmente justificada, ao fornecer recursos exclusivos para a Ucrânia, as consequências legais e econômicas podem ser graves demais para serem ignoradas. Assim, por enquanto, os líderes europeus e americanos continuam a explorar outras opções para apoiar a Ucrânia, enquanto mantêm os ativos financeiros congelados como um "cartão de reserva" para futuras considerações.
O prolongamento do conflito e o momento crítico por que vêm passando Europa e Estados Unidos, no que tange à destinação de recursos para financiar Kiev, desencadearam novas movimentações, com relação ao dinheiro russo contido em instituições ocidentais. Em uma declaração conjunta, membros do Conselho Europeu (CE) afirmaram apoiar a utilização dos recursos financeiros russos para promover a reconstrução completa da Ucrânia, sob o argumento de que era dever da Rússia reconstruir o país. “A Rússia e seus oligarcas têm de compensar a Ucrânia pelos danos e cobrir os custos da reconstrução do país”, afirmou o presidente do CE e completou: “E temos os meios para fazer a Rússia pagar. Bloqueamos 300 bilhões de euros das reservas russas e 19 bilhões de euros de seus oligarcas”. Até o momento, entretanto, o Conselho apenas aprovou a separação dos juros incidentes sobre as reservas russas bloqueadas, para eventualmente destiná-los às necessidades de financiamento da Ucrânia.
Diante dessas movimentações, o futuro da relação entre a Rússia e o Ocidente permanece incerto, com desafios jurídicos, políticos e econômicos complexos a serem enfrentados. No entanto, o compromisso expresso pelo Conselho Europeu reflete a firmeza dos países ocidentais em responsabilizar a Rússia por suas ações e em apoiar a reconstrução da Ucrânia. Este impasse destaca a importância crucial de uma abordagem cuidadosa e estratégica para lidar com os ativos congelados, com implicações de longo prazo para a estabilidade geopolítica e financeira da região e do mundo.
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