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Quad: uma aliança estratégica contra a China


Conhecido oficialmente como Diálogo Quadrilateral de Segurança, o grupo Quad é um fórum estratégico informal formado por quatro democracias do Indo-Pacífico: Austrália, Índia, Japão e Estados Unidos. A aliança hipotética dos quatro Estados surgiu em 2007, quando foi brevemente apresentada pelo então primeiro-ministro japonês Shinzo Abe, porém o conceito foi abandonado depois de protestos da China. Nos anos mais recentes, a ideia ressurgiu a partir da gestão de Donald Trump, com o ímpeto do governo do presidente americano de se opor às ações chinesas e formalizar oficialmente a aliança. Na prática, o Quad foi reavivado em novembro de 2017, quando oficiais dos quatro países se reuniram à margem da 31ª Cúpula da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), realizada em Manila, região da capital das Filipinas. Desde então, eles realizam cúpulas semi-regulares e exercícios militares conjuntos, além de discutirem a ajuda econômica regional e de desenvolvimento.

Especialistas, jornalistas e think-tanks se referem a essa iniciativa como um movimento histórico em direção a uma aliança democrática preliminar para desafiar a crescente influência e agressividade da China. No momento atual em que Japão, Austrália e, principalmente, Índia e os EUA têm buscado endurecer a linha e conter Pequim nos mais variados assuntos, tanto estratégicos quanto comerciais, um estreitamento das relações entre esses países e uma possível formalização do Quad são de fundamental relevância para compreender as mudanças de poder atuais na região indo-pacífica.

Ainda em julho deste ano de 2020, a marinha estadunidense, em parceria com as forças de defesa do Japão e da Austrália, iniciou um exercício trilateral no Pacífico. Nessa mesma época, o país uniu-se à marinha indiana para realizar treinamentos navais no Oceano Índico.

Apesar dos EUA encorajar o envolvimento de outros países nessa articulação, como é o caso da Coreia do Sul, do Vietnã e da Nova Zelândia, que participaram de discussões recentes sobre iniciativas de combate à COVID-19 com os membros do Quad, a Austrália e a Índia vinham demonstrando certa dúvida sobre os limites dessa oposição à Pequim, especialmente por medo de uma retaliação econômica. Entretanto, à medida que a China se mostra mais incisiva e disposta a correr mais riscos na área militar, a Austrália e a Índia expressam sua disposição em responderem à altura os avanços chineses, mesmo que isso implique em custos e perdas para a economia, fatos que já vêm ocorrendo. Se em 2007 o motivo de estagnação do grupo era resguardos em relação à China para que não houvesse prejuízo nas relações bilaterais, agora as respostas agressivas de Pequim têm funcionado como um combustível que motiva o fortalecimento dessa associação.

A Austrália, por sua vez, vem sofrendo ataques desde o início de 2020, quando solicitou uma investigação independente sobre a origem do novo coronavírus, que ainda não é evidente. Em resposta, A China impôs barreiras ao vinho, cevada e carne australianos, e tem interferido no âmbito político e acadêmico australianos. De acordo com Jeffrey Wilson, do Perth US-Asia Centre, "o verdadeiro jogo é criar divisões sociais que pressionem o governo a mudar a política externa em relação à China". Porém, essas ações podem ser um tiro pela culatra, visto que a China já enfrenta reações no sentido contrário do pretendido, dentre elas a do primeiro-ministro australiano Scott Morrison, que anunciou uma nova legislação australiana que "rasgaria" os acordos da Belt and Road Initiative com o estado de Victoria, que chegam a bilhões de dólares.

Já a Índia vem sendo foco de repetidos ataques chineses principalmente na Linha de Controle Real (LAC), no Himalaia, que define um limite provisório das fronteiras disputadas. Nota-se que mesmo após os dois lados concordarem em encerrar seu conflito militar, a impressão deixada pela China foi péssima, e isso, combinado com o coronavírus, provocou uma guinada radicalmente contrária à China no pensamento indiano nos últimos meses. Da mesma forma, os exercícios militares e as atividades chinesas no indo-pacífico são vistos como uma ameaça não só para a Índia, mas também para outros países menores da região. Nesse sentido, na Índia há sugestões para que o Quad assuma também uma função militar e as autoridades em Nova Delhi acreditam na possibilidade de uma coordenação do grupo com integrantes da ASEAN. Um arranjo entre esses atores pode vir a tornar-se um contrapeso expressivo para intervenções chinesas futuras.

Enquanto esse movimento ocorre, os dois países do Quad mais abertamente opostos à China - Japão e EUA - já realizam uma cooperação antagonista a esse ator. O Japão, além de compartilhar regularmente inteligência com os EUA, revisou sua legislação de compartilhamento de inteligência para permitir o compartilhamento com a Austrália e a Índia (e também com o Reino Unido). No mês passado, Tóquio estabeleceu oficialmente uma nova divisão dentro de seu Ministério da Defesa para melhorar a coordenação com Nova Delhi e Canberra nas questões da ASEAN e das Ilhas do Pacífico. Os EUA, por sua vez, estão contrapondo vários pontos de tensão nas relações bilaterais com Pequim, que passam por uma série de desafios, incluindo consequências do coronavírus, Taiwan, Mar da China Meridional, comércio, direitos humanos em Xinjiang, Hong Kong, roubo de propriedade intelectual, liberdade de imprensa e outros.

Recentemente, o Ministério das Relações Exteriores da Índia (MEA) confirmou que a próxima reunião de chanceleres do Quad será realizada no próximo mês, em 6 de outubro, em Tóquio, após anúncio pelo ministro das Relações Exteriores do Japão, Motegi Toshimitsu, em uma entrevista coletiva. Nessa reunião, que ocorrerá menos de um mês antes da eleição presidencial estadunidense, espera-se que haja discussão acerca da ordem internacional pós-Covid 19 e a necessidade de uma resposta coordenada aos vários desafios emergentes do pandemia, além das questões regionais, de forma a reafirmar coletivamente a importância de manter um Indo-Pacífico livre, aberto e inclusivo, ímpeto muito buscado pelo grupo.

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