Primeiras Rachaduras entre os Aliados Ocidentais
Polônia, República Tcheca, Hungria e Eslováquia – conhecidos como os quatro de Visegrado – estão profundamente divididos a respeito da Ucrânia e das decisões envolvendo os países sobre a guerra. As quatro nações, antigos satélites soviéticos, são agora membros da União Europeia e da OTAN e formam entre si uma aliança informal, denominada “Quatro de Visegrado”, estabelecida em fevereiro de 1991, após o colapso da União Soviética. Porém, quando as pautas de discussão se voltam para a Guerra que atinge Rússia e Ucrânia, as perspectivas divergem: enquanto a Polônia e a República Tcheca estão concentrando apoio a Kiev, os líderes da Hungria e da Eslováquia têm resistido e pedido negociações para a resolução pacífica do conflito.
Claros sobre a responsabilidade da Rússia na guerra que atinge a Europa, a Polônia e a República Tcheca divergem da Hungria e da Eslováquia, com relação às causas da disputa e aos caminhos para findá-la. O primeiro-ministro polaco, Donald Tusk, chegou a declarar “criminoso de guerra” o presidente russo e afirmou que a agressão russa foi a única responsável pelo conflito. Enquanto isso, tanto a Eslováquia quanto a Hungria têm recusado fornecer armas e munições à Ucrânia e aos seus líderes populistas e expressado compreensão pelas atitudes da Rússia.
É importante salientar que as discordâncias sobre os rumos das ações europeias no conflito não têm apenas acontecido entre os Quatro de Visegrado. Em 27 de fevereiro deste ano, o presidente francês, Emmanuel Macron, deu declarações que desagradaram aliados da OTAN, ao defender, durante a Conferência de Paris, que o envio de tropas europeias para a Ucrânia não deveria ser descartado . Sua sugestão foi recebida com forte reação de alguns dos participantes da conferência, que procuraram distanciar-se da opção discutida por Macron. Em primeiro lugar estava o chanceler alemão Olaf Scholz, que afirmou aos jornalistas que não haverá soldados em solo ucraniano enviados para lá por Estados europeus ou Estados da OTAN. Os Estados Unidos também se pronunciaram contra a declaração, por meio do porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, John Kirby, que afirmou que “Não haverá tropas dos EUA no terreno em missão de combate na Ucrânia”.
Convém ressaltar que, à medida que a Ucrânia fica sem munições, os líderes alemão e francês ampliam o desacordo sobre seus papéis na ajuda militar ao conflito. A fricção entre Scholz e Macron está, na verdade, transformando-se em uma espécie de disputa aberta. As autoridades alemãs queixam-se de que, embora Macron declare estar disposto a se envolver no conflito, a França tem contribuindo menos que a Alemanha, em ajuda militar ou financeira. De acordo com o Instituto Kiel da Alemanha, enquanto o país se comprometeu a fornecer 17,7 bilhões de euros em ajuda à Ucrânia, a participação francesa permaneceu na casa dos 640 milhões de euros apenas. Diante disso, Scholz tem aproveitado todas as oportunidades para pressionar os países da UE – e particularmente a França – a enviar mais armas e munições para a Ucrânia.
As autoridades francesas, por outro lado, argumentam que fornecem armas e materiais bélicos mais relevantes ao país – e fazem-no com menos hesitação do que os alemães. Um exemplo disso, de acordo com a França, seria a relutância do líder alemão em enviar mísseis Taurus à Ucrânia, enquanto a França tem enviado os seus mísseis de cruzeiro SCALP, equivalentes ao Taurus, na sequência de uma decisão britânica de enviar os seus Storm Shadows em Maio. Assim, dois países vitais, tanto na OTAN quanto na União Europeia, estão em desacordo aberto sobre políticas a respeito da Ucrânia, demonstrando instabilidade nas perspectivas europeias.
Ademais, com a recente liberação de 2 bilhões de euros pela União Europeia para a Hungria, em troca da aprovação do pedido de adesão da Suécia à OTAN, as divisões entre os países europeus sobre a abordagem ao conflito na Ucrânia tornaram-se ainda mais evidentes. O desbloqueio dos fundos foi atribuído ao suposto progresso da Hungria em questões relacionadas à igualdade de gênero e à educação. A aprovação do pedido de adesão da Suécia à OTAN, pelo parlamento húngaro, eliminou o último obstáculo para Estocolmo ingressar no bloco militar liderado pelos EUA. Essas ações da UE foram uma resposta às preocupações sobre a independência do judiciário e supostas violações dos direitos fundamentais na Hungria, incluindo questões como migração, direitos LGBTQ+ e liberdade acadêmica. A recente liberação de fundos pela UE para a Hungria em troca da aprovação da entrada da Suécia na OTAN ilustra como questões internas e externas estão interligadas nesse contexto.
Convém ressaltar que a União Europeia enfrentou desafios significativos, ao garantir o consentimento da Hungria para um novo pacote de ajuda financeira à Ucrânia. Apesar das objeções iniciais da Hungria, os líderes da UE conseguiram aprovar um plano de 50 bilhões de euros para apoiar a Ucrânia nos próximos quatro anos. Essa decisão unânime, tomada em meio à contínua luta da Ucrânia contra a invasão russa, foi celebrada como um passo crucial para a estabilidade do país devastado pela guerra. O pacote de ajuda, denominado "Mecanismo para a Ucrânia", composto por subvenções e empréstimos, tem o objetivo de auxiliar o país na guerra e na reconstrução e recuperação pós-conflito armado. Além disso, espera-se que essa assistência financeira contribua para a implementação de reformas, visando uma eventual adesão à União Europeia.
No entanto, para obter o acordo da Hungria, a UE teve que adotar uma abordagem diplomática estratégica. Nos dias que antecederam o acordo, surgiram relatos de que a Comissão Europeia ameaçou aplicar medidas econômicas contra a Hungria se esta persistisse em vetar a ajuda à Ucrânia. Além disso, a UE prometeu liberar verbas retidas à Hungria como parte do acordo. Essas concessões foram cruciais para garantir o apoio da Hungria, liderada por Viktor Orbán, que expressou consistentemente reservas sobre o apoio contínuo à Ucrânia. Orbán defendeu uma revisão anual das despesas e condições mais rigorosas para a assistência à Ucrânia.
Um outro ponto importante a ser analisado é que a suspensão da ajuda norte-americana à Ucrânia, possivelmente até as eleições de novembro, lança uma sombra de incerteza sobre a posição unificada da OTAN em relação ao país. A influência de Donald Trump na política externa dos EUA já está sendo profundamente sentida, com os republicanos no Congresso bloqueando a assistência militar à Ucrânia, conforme solicitado pelo presidente. Enquanto o Senado dos EUA pode chegar a um acordo sobre um pacote de ajuda, os republicanos na Câmara dos Representantes permanecem inflexíveis, colocando em dúvida a aprovação da ajuda militar à Ucrânia nos próximos meses, ou mesmo neste ano.
Essa interrupção na ajuda militar americana pode ter consequências desastrosas para a Ucrânia, que já enfrentou escassez de munições, especialmente de projetos de artilharia. A situação é descrita como “extremamente grave” por especialistas, com um aumento no número de vítimas ucranianas devido à falta de munições. A incerteza sobre a chegada de novos suprimentos de material bélico torna impossível para os militares ucranianos planejarem operações futuras, exacerbando ainda mais a pressão sobre o governo de Kiev.
Embora a União Europeia se comprometa com um apoio financeiro significativo à Ucrânia, a lacuna deixada pela suspensão da ajuda militar americana representa um desafio substancial. As linhas de produção europeias ainda não estão prontas para preencher essa lacuna, o que torna o segundo semestre deste ano potencialmente perigoso para a Ucrânia. A incerteza sobre o apoio contínuo dos EUA e a relutância dos republicanos em aprovar nova ajuda à Ucrânia colocam em dúvida a unidade de propósito da OTAN em relação ao país. A guerra da Ucrânia está produzindo impactos financeiros e geopolíticos sobre a União Europeia e a OTAN. Resta saber qual será a condição final dessas duas organizações ao final do conflito.
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