Planejando o Futuro da Autoridade Palestina
Ao contemplar o conflito entre Israel e Hamas, surge a reflexão sobre as possíveis evoluções nas estruturas políticas da região em vista de um iminente cessar-fogo. Considerando os caminhos para alcançar uma resolução segura e proveitosa por meio da diplomacia, o primeiro-ministro da Autoridade Palestina (AP), Mohammad Shtayyeh, tomou a decisão de renunciar ao cargo em 26 de fevereiro de 2024. Sua renúncia visa estabelecer um amplo consenso entre os palestinos para a formação de um governo inovador, buscando uma nova dinâmica para a região.
A AP surgiu há 30 anos como um governo provisório após os Acordos de Paz de Oslo (1933), exercendo atualmente um governo sobre partes da Cisjordânia desocupada, enquanto não possui autoridade sobre Gaza, de onde foi expulsa pelo grupo islâmico Hamas após as eleições do Conselho Legislativo Palestino em 2006. Desde então, não houve eleições nos territórios palestinos. O controle administrativo desses territórios tem sido dividido entre o Hamas em Gaza e o Fatah na Cisjordânia. Mahmoud Abbas lidera a AP desde sua primeira vitória eleitoral em 2005, mantendo-se no poder desde então.
Apesar de uma AP reformada ser a escolha preferida dos Estados Unidos e de outros países para governar a Cisjordânia e Gaza, como parte de um novo impulso para uma solução de dois Estados para o prolongado conflito israelense-palestino, o órgão governante enfrenta uma baixa popularidade entre os palestinos, visto que muitos o consideram um aliado corrupto israelense. Uma pesquisa realizada em dezembro pelo Centro Palestino de Pesquisa e Políticas constatou que quase 60% dos entrevistados na Cisjordânia e em Gaza apoiam a dissolução da AP, sendo a demanda pela renúncia de Abbas ainda maior, em torno de 90%. Isso se deve ao fato de que Abbas detém todo o poder, e não há nenhuma instituição que tenha autoridade sobre ele ou que seja um verdadeiro parceiro no processo de tomada de decisões. Portanto, não faria diferença e não importa se o governo permanece o mesmo ou é reorganizado ou reformulado, desde que seu verdadeiro líder seja o presidente e enquanto suas políticas permanecerem inalteradas.
Além disso, a AP também enfrenta obstáculos impostos pelo lado israelense. O Fatah e o Hamas têm feito repetidos esforços fracassados para alcançar um acordo sobre um governo de unidade, e devem se encontrar novamente em Moscou em 6 de março de 2024. No entanto, a comunidade internacional, especialmente Israel, que prometeu destruir o Hamas, deixou claro que não aceitará nenhum envolvimento do Hamas em qualquer circunstância. Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, declarou que não permitirá que a AP retome o controle de Gaza em sua forma atual. Embora deixe implícita a possibilidade de aceitação de uma AP reformada, Netanyahu tem adiado discussões no gabinete de segurança sobre o chamado “dia seguinte” à guerra por mais de quatro meses. Ele teme que essas discussões possam gerar divisões em sua coalizão, especialmente entre os membros da direita. Alguns de seus ministros de direita estão ansiosos para usar essas reuniões como uma oportunidade para pressionar pelo restabelecimento dos assentamentos israelenses em Gaza e pela manutenção do controle permanente de Israel sobre a Faixa de Gaza. Tais políticas, contrárias à posição do primeiro-ministro, certamente minariam o apoio remanescente de Israel no Ocidente. Precedendo esses eventos, Netanyahu apresentou ao gabinete de segurança um documento de princípios sobre a gestão de Gaza após a guerra, com o objetivo de estabelecer “autoridades locais”não ligadas ao terrorismo e ao Hamas para administrar os serviços na Faixa.
Observando essas condições, o primeiro-ministro palestino Mahammad Shtayyeh e demais membros de seu gabinete entregaram suas renúncias a Abbas em 26 de fevereiro, um movimento amplamente interpretado como o primeiro passo rumo à formação de uma nova administração palestina tecnocrática. Essa nova administração seria responsável por governar os territórios palestinos e supervisionar a reconstrução de Gaza após o término da guerra de Israel para erradicar o Hamas do enclave sitiado. Em seu anúncio, Shtayyeh declara: “A decisão de renunciar ocorreu em meio à escalada sem precedentes na Cisjordânia e em Jerusalém, bem como à guerra, genocídio e fome na Faixa de Gaza”. Ele também destacou que “a próxima fase e seus desafios exigem novos arranjos governamentais e políticos que levem em conta a nova realidade em Gaza e a necessidade de um consenso palestino baseado na unidade e na extensão da unidade de autoridade sobre a terra da Palestina”.
Essa renúncia representa uma “reforma completa do gabinete”, de acordo com Tahani Mustafa, uma analista palestina sênior do International Crisis Group. Ela sugere que pode ser vista como uma tentativa de responder aos apelos dos Estados Unidos e de outros países por uma “Autoridade Palestina revitalizada”, que reuniria Gaza e a Cisjordânia sob uma única estrutura de governança. Houve uma pressão crescente por parte dos EUA sobre a AP para realizar reformas desde o início da guerra em Gaza, em outubro de 2023. Em janeiro de 2024, o Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, afirmou que o cenário “do dia seguinte” para Gaza deveria incluir a criação de um governo estatal palestino independente por meio de uma AP reformada.
Diante do espírito de mudança, muitos nomes foram colocados no mercado de candidatos para o novo cargo de primeiro-ministro ou para integrar a formação do governo. Nomes propostos incluem Ali al-Jarbawi, ex-Ministro do Planejamento e Desenvolvimento Administrativo e ex-Ministro do Ensino Superior do Governo da AP, Imad Abu Kishek, presidente da Universidade de Al-Quds, Marwan 'Awartani, presidente da Universidade Técnica da Palestina, Rami Hamdallah, primeiro-ministro da AP de 2014 a 2019 e presidente da Universidade Nacional An-Najah, e até mesmo Mahmoud al-'Aloul, ex-governador de Nablus na Cisjordânia. No entanto, espera-se que Abbas escolha Mohammad Mustafa, atual presidente do Fundo de Investimento da Palestina, como próximo primeiro-ministro. Reconhecido como um tecnocrata independente, Mustafa possui experiência prévia como Ministro da Economia e vice-primeiro-ministro, durante o qual desempenhou um papel crucial na reconstrução de Gaza após a guerra de 2014. Em janeiro de 2024, Mustafa liderou a delegação palestina no Fórum Econômico Mundial em Davos, onde enfatizou aos participantes que “o melhor caminho para todos nós, incluindo os israelenses, é a autonomia para os palestinos, paz para todos, segurança para todos. Quanto mais rápido pudermos avançar para isso, melhor”.
No entanto, a apatia do público diante dessas notícias é palpável, assim como a indiferença em relação às reuniões de reconciliação. A experiência ensinou que nada substancial mudará, quer as reuniões de reconciliação sejam realizadas ou não, quer elas produzam declarações e acordos ou não, e quer o governo permaneça inalterado ou passe por uma reorganização ou formação de um novo governo. A mesma estrutura de liderança e forças permanecerão, sem mudanças apreciáveis. A abordagem predominante e o programa do governo continuarão os mesmos.
Os palestinos enfrentam a necessidade premente de romper com o curso dos últimos trinta anos e adotar uma nova visão abrangente. Isso requer uma mudança radical, incluindo a formação de um governo de unidade nacional eficaz. Tal governo seria instrumental na redefinição do papel, das funções e das dinâmicas da AP, transformando-a em uma entidade que sirva à Palestina unificada e execute com eficácia um programa conjunto de desenvolvimento econômico e social, enquanto se engaja ativamente na sua luta pela autodeterminação.
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