Países Repatriando suas Reservas de Ouro
Durante este ano de 2023, os bancos centrais em todo o mundo têm acumulado reservas de ouro em uma proporção sem precedentes desde 1967, período em que o dólar americano ainda estava vinculado ao metal precioso. No último trimestre de 2022, a Turquia se destacou como a maior compradora de ouro, adquirindo um total de 31,17 toneladas. O Uzbequistão veio em segundo lugar, com 26,13 toneladas, seguido pela Índia, com 17,46 toneladas.
Como parte da política de acumulação, vários governos estão repatriando, isto é, trazendo de volta para seu território o ouro armazenado no exterior. A repatriação do ouro tem sido um tema de destaque em inúmeras manchetes durante diversas ocasiões ao longo do tempo. Há cerca de dez anos, por exemplo, a atenção mundial se voltou para a Alemanha, que havia começado seu plano de repatriação desse ativo, retirando suas reservas externas armazenadas em Nova Iorque e em Paris. Esse projeto foi concluído em 2017, resultando no retorno de 743 toneladas de ouro ao território alemão. Entretanto, é interessante pontuar que essa não foi a primeira vez que isso aconteceu, visto que em 2000, a Alemanha já havia repatriado 940 toneladas de ouro que estavam depositadas no Banco da Inglaterra.
Até 2020, somente metade dos países mantinham suas reservas de ouro dentro de suas próprias fronteiras. No entanto, em 2022, esse número aumentou para 68%, e 74% dos países planejam atingir esse objetivo nos próximos cinco anos. Mas qual o porquê dessa grande movimentação em relação ao ouro nos dois últimos anos?
Essa significativa movimentação pode ser explicada como consequência da Guerra da Ucrânia e das sanções financeiras impostas pelos Estados Unidos, União Europeia e aliados ocidentais à Rússia. Com a aplicação de uma série de sanções coordenadas pelo Ocidente após o inicio da Operação Militar Especial na Ucrânia no ano passado, houve o congelamento das reservas internacionais russas e a restrição das trocas em dólar, congelando aproximadamente 300 bilhões de dólares em reservas mantidas pelo país no exterior. A União Europeia e os Estados Unidos anunciaram que estão estudando medidas legais que permitiriam o confisco dos ativos financeiros russos. Isto se dá à luz do precedente da retenção indevida do ouro venezuelano no Reino Unido, a despeito do pedido formal de repatriação por parte da Venezuela.
Tal cenário gerou incerteza, desconfiança e receio entre os bancos centrais de diversos países, que, temendo um destino semelhante ao da Rússia e Venezuela, começaram a repensar sobre quais ativos financeiros manter e onde armazená-los. A opção encontrada, para evitar danos às reservas diante das políticas econômicas americanas e das flutuações no fornecimento do dólar, foi o armazenamento do ouro em seus próprios territórios e a progressiva desdolarização das trocas comerciais e das reservas em moeda. Ainda, a maioria dos países têm passado por um momento difícil no que tange ao aumento da inflação e o ouro é considerado um instrumento importante para lastrear e estabilizar a moeda nacional, apesar de sua efetividade na área seja maior em perspectiva de longo prazo.
O BRICS, bloco econômico formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, está considerando o uso de uma moeda comum para suas transações, lastreada no ouro. Caso esse projeto seja concretizado, os países podem optar por praticar trocas internacionais utilizando apenas essa moeda.
Considerando que todos os membros do BRICS desempenham papéis fundamentais na economia global, é provável que a moeda proposta seja aceita por outros países que já dependem de produtos dessas nações. O BRICS é formado por países que não compartilham fronteiras e possuem condições climáticas, ambientais e sociais consideravelmente diferentes. Desse modo, seus membros são capazes de produzir uma gama mais ampla de produtos do que qualquer união monetária existente e que são consumidos simultaneamente por diversos países no globo. Como resultado, a maioria dos Estados têm negócios com todo o bloco, o que tornaria o uso da moeda comum menos sujeito a oposições significativas.
Esse desenvolvimento poderia desestabilizar a hegemonia do dólar e favorecer grandemente o processo de desdolarização. Ele seria como uma nova união de países que, na escala do PIB, agora superam coletivamente não apenas os Estados Unidos, mas todo o G-7 junto. Ao contrário das alternativas anteriormente propostas no passado, como um yuan digital, essa moeda hipotética realmente teria o potencial de usurpar, ou pelo menos abalar, o lugar do dólar no cenário econômico e político mundial. É esperado que mais informações sobre as perspectivas do BRICS surjam durante a cúpula que ocorrerá na África do Sul no próximo mês. No entanto, não se espera posicionamentos demasiadamente fortes ou abruptos em relação ao dólar, especialmente do ponto de vista da China.
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