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O Reatamento Diplomático entre a Turquia e a Síria


Em 2024, completam 12 anos desde que as relações entre Turquia e Síria sofreram um revés. Antes bons amigos, os presidentes Recep Tayyip Erdogan – no cargo de primeiro-ministro no início dos desentendimentos – e Bashar Assad se tornaram inimigos declarados e a fronteira entre os dois países se transformou em um ponto permanente de instabilidade. Esse conflito é entendido como mais uma consequência da Primavera Árabe, que perpassou o Oriente Médio e a África setentrional em 2011.

            O conflito se iniciou no contexto da guerra civil síria, que eclodiu em 2011. Em 14 de junho de 2012, 73 oficiais do exército sírio, incluindo sete generais e vinte oficiais superiores desertores do exército governamental, e suas famílias – totalizando 202 pessoas – chegaram à cidade fronteiriça turca de Reyhanli, buscando asilo político. Embora não houvesse confirmação oficial das autoridades turcas, esse evento foi recebido de forma muito negativa em Damasco. No dia 3 de outubro de 2012, a Turquia abriu fogo contra o território sírio em resposta a um incidente na fronteira, provocado alegadamente por rebeldes curdos, que ocasionou a morte de cinco pessoas. Desde então, a Turquia tem apoiado ativamente a oposição síria, com o objetivo de destituir Assad. As tensões entre os dois países se intensificaram cada vez mais, considerando que a Turquia acolheu refugiados sírios e permitiu que as forças de oposição usassem seu território para operações contra o regime da Síria.

            Entre 2014 e 2016, com o surgimento do Estado Islâmico (EI) na Síria e no Iraque, a situação piorou. Erdogan lançou a Operação Escudo do Eufrates contra o EI e as forças curdas no norte da Síria. Os conflitos com grupos curdos, considerados organizações terroristas ligadas ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) pela Turquia, também se aguçou. Nos anos seguintes, de 2017 a 2019, a Turquia conduziu a Operação Ramo de Oliveira contra as forças curdas na cidade síria de Afrin e a Operação Fonte de Paz no nordeste da Síria para a criação de uma “zona segura” ao longo da fronteira turco-síria. As forças turcas ocuparam regiões estrategicamente importantes na Síria, o que provocou descontentamento da comunidade internacional e o protesto do governo sírio. No entanto, Ancara considerou suas ações legítimas utilizando o Acordo de Adana entre Turquia e Síria, assinado em 1998, como base, que concedia à Turquia o direito de enviar tropas terrestres para o território sírio caso Damasco permitisse atividades que ameaçassem a segurança e a estabilidade da Turquia.

            Nos anos mais recentes, de 2020 a 2024, a situação humanitária em Idlib, no nordeste da Síria, onde a Turquia apoiou as forças de oposição contra o avanço do exército sírio, deteriorou-se, causando inúmeras vítimas civis e exacerbando a crise dos refugiados. Além disso, durante o conflito sírio, uma parcela significativa da população síria se tornou refugiada e procurou abrigo na Turquia. De acordo com dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) da metade de 2024, a Turquia é o país com o maior número de refugiados sírios, sendo aproximadamente 3,6 milhões. A recepção de tantos refugiados tem impactado expressivamente a economia turca: desde 2011, a Turquia gastou 40 bilhões de dólares em serviço humanitário, de saúde, educação e infraestrutura para os refugiados. Os dados do governo estipulam que o custo anual por refugiado sírio tem sido 8 mil dólares por ano. Há ainda outra dificuldade: a integração desses refugiados na Turquia enfrenta desafios de barreiras linguísticas, diferenças culturais e oportunidades de emprego limitadas, o que tem criado tensões com a população local. Assim, a presença forte dos refugiados também tem influenciado a política doméstica, proporcionando a derrota do Partido de Justiça e Desenvolvimento (APK) nas eleições municipais de 31 de março, motivada pela situação de dificuldade econômica e o descontentamento com a existência em massa de refugiados no país. Em 2024, já aconteceram protestos e motins contra a população refugiada na Turquia.

            No entanto, após anos de confronto, a Rússia, que veio em auxílio do presidente sírio em 2015 e impediu que as autoridades legítimas caíssem diante do ataque de grupos de oposição e terroristas financiados e apoiados do exterior, ajudou Damasco a restabelecer relações com muitos países. Em primeiro lugar, Moscou facilitou a melhoria das relações entre a Síria e os Emirados Árabes Unidos (EAU), que, ao contrário do Catar, do Egito e da Arábia Saudita, adotaram uma postura mais moderada. Então, por intermédio dos esforços conjuntos dos EAU e da Rússia, a Síria retornou oficialmente ao “redil árabe” – a Liga Árabe – e começou a normalizar as relações com outros países da região. Dando prosseguimento a essas atitudes, em 2023, Moscou fez esforços para estabelecer um diálogo entre Ancara e Damasco.

Em abril, foram realizadas conversações quadripartites em Moscou entre os ministros da defesa da Rússia, Irã, Síria e Turquia, discutindo passos práticos para fortalecer a segurança na Síria e normalizar as relações sírio-turcas. Em 9 de julho do mesmo ano, o enviado especial do presidente russo para a Síria, Alexander Lavrentyev, anunciou que os líderes sírio e turco poderiam realizar uma reunião na presença do presidente russo Vladimir Putin após a conclusão dos trabalhos para resolver os obstáculos que enfrentam as relações sírio-turcas. Todavia, em uma entrevista à Sky News Arabia, Assad descartou a possibilidade de negociações com Erdogan enquanto as tropas turcas estivessem em território sírio.

            Contudo, um ano depois, em julho de 2024, Assad afirmou a Lavrentyev que Damasco está “aberta a todas as iniciativas que visem melhorar as relações com a Turquia, se esse processo for baseado no respeito à soberania e no desejo do Estado sírio de restaurar sua autoridade sobre todo o território do país”. Em retorno, Erdogan declarou: “Estamos abertos a iniciativas de normalização com a Síria. Não há razões para não estabelecer relações diplomáticas. Podemos agir juntos, como no passado. Não temos intenção de interferir nos assuntos internos da Síria. Você sabe que costumávamos ser amigos da família de Assad. Não vejo razão para não renovar essa amizade”. Dito isso, Erdogan esclareceu que a Turquia descartava qualquer retirada no curto prazo do país devastado pela guerra, reiterando as preocupações do seu país de que o vácuo de poder resultante de tal movimento poderia ser preenchido pelas Forças Democráticas Sírias (SDF) lideradas pelos curdos e aliadas dos EUA, que Ancara considera uma ameaça à sua segurança nacional. “Quando a ameaça do terror separatista for completamente destruída, faremos, é claro, nossa parte,” disse ele. “Ninguém deve esperar que assistamos aos desenvolvimentos de longe enquanto a organização terrorista realiza uma nova provocação todos os dias,” acrescentou.

“Continuamos a melhorar nossas relações com todos os atores em nossa região, começando pelos nossos vizinhos,” Erdogan reafirmou em um discurso televisionado após uma reunião do gabinete em Ancara. “Mas nesse processo, não decepcionaremos ninguém que confiou em nós, refugiou-se em nós e agiu junto conosco,” acrescentou. Seus comentários vieram após protestos mortais em áreas controladas por rebeldes pró-Turquia no norte da Síria nas últimas 48 horas. Esses confrontos armados sem precedentes entre as forças turcas e alguns manifestantes armados poderiam ameaçar os interesses de Ancara nessa região. Analistas acreditam que a raiva tem fervido dentro dos grupos sírios apoiados pela Turquia devido aos sinais positivos que Erdogan e o presidente sírio enviaram no que tange à retomada das negociações de alto nível entre Ancara e Damasco.

Esse reatamento de relações diplomáticas tem recebido apoio da UAE e da Arábia Saudita, além de encorajamento por parte da Rússia, da China e do Irã. Por outro lado, ao enfatizar que “não permitirá a criação de um estado terrorista na região”, a Turquia também expressou descontentamento pela falta de apoio dos aliados da OTAN na luta contra organizações terroristas e destacou a inadmissibilidade de aliados da OTAN ajudarem seus inimigos. Essa mensagem foi direcionada principalmente ao ocidente, que apoia grupos armados curdos combatidos pela Turquia. Se Ancara e Damasco normalizarem as relações, poderão eliminar conjuntamente os grupos curdos apoiados por Washington e Bruxelas, que ameaçam a integridade do território turco e sírio. Isso configuraria como uma vitória diplomática para Rússia, que estaria fortalecendo seu status de parceiro confiável na região.

            Embora o conflito entre Ancara e Damasco seja profundo e multifacetado, ainda há uma chance de que o diálogo entre os países seja estabelecido em breve, já que isso é agora benéfico e necessário para ambos os lados. Apesar disso, tanto a oposição pró-Ocidente na Turquia quanto Washington e seus aliados se esforçarão ao máximo para impedir a normalização das relações entre Erdogan e Assad, já que, para a oposição turca isso significa perder uma ferramenta eficaz de pressão sobre as autoridades e, para Washington e seus aliados, mais um fracasso de política externa. Moscou continuará a mediar a relação e está demonstrando pragmatismo e foco na construção desse diálogo. A retomada do diálogo entre Ancara e Damasco deve ser discutida em uma reunião planejada entre Erdogan e Putin à margem da Organização de Cooperação de Xangai (SCO) em Astana. Essa visita planejada de Putin à Turquia em momento próximo promete fazer com que esse processo entre em uma fase ativa.

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