O Processo de Desdolarização da China
A China tem se afastado do dólar americano há vários anos, com sua participação em títulos do Tesouro dos Estados Unidos (títulos da dívida pública americana) caindo progressivamente ao longo dos anos. Em 2021, China detinha US$1,1 trilhão em títulos do tesouro norte-americano. Em fevereiro de 2024, a China vendeu mais de US$22,7 bilhões em títulos do Tesouro, reduzindo sua participação total para US$775 bilhões, segundo dados mais recentes do Federal Reserve (Banco Central americano). Em apenas 3 anos, houve uma redução de US$325 bilhões no investimento chines em títulos da dívida norte-americana! Além disso, o Banco Popular da China adicionou ouro às suas reservas por 16 meses consecutivos, acumulando mais de 300 toneladas desde que retomou o relatório de compra de ouro em outubro de 2022. Há especulações de que a China possui muito mais ouro do que relata oficialmente, com muitos analistas acreditando que o país mantém milhares de toneladas de ouro “fora dos registros” em uma entidade separada chamada Administração Estatal de Câmbio.
Em outras palavras, à medida que os chineses acumulam mais ouro, estão se desfazendo de títulos do Tesouro dos EUA. Esse movimento reacende discussões sobre desdolarização, especialmente após a divulgação de novos dados do Departamento do Tesouro dos EUA. Para entender mais profundamente sobre a questão, acesse as notícias anteriores do Panorama Internacional sobre o processo de desdolarização chinês.
As revelações ocorrem em meio ao crescente confronto entre China e EUA envolvendo comércio e as intenções da China em relação a Taiwan. Apesar das grandes movimentações financeiras, alguns analistas acreditam que essas vendas são parte de um realinhamento rotineiro das atividades de gestão da dívida pela segunda maior economia do mundo, e não necessariamente um movimento agressivo.
Se Pequim está de fato se desfazendo da dívida dos EUA, combinada com uma potencial adoção mais ampla do yuan chinês, o governo dos EUA precisará de estratégias para gerenciar o impacto nas percepções do dólar como moeda de reserva mundial. A estratégia de Pequim de substituir os títulos da dívida dos EUA por commodities como ouro pode indicar um desejo de mitigar riscos em meio à ameaça de sanções dos EUA devido ao comércio e ao alinhamento político com a Rússia. Tarifas comerciais punitivas impostas pelo governo Biden contra a China também podem estar alimentando as ambições da China de diversificar seus ativos financeiros.
A preocupação dos países do grupo BRICS com a predominância macroeconômica do dólar é amplamente conhecida e tem fomentado a busca por alternativas de moedas de reserva e de comércio. Isso pode acelerar as ambições da China de internacionalizar o yuan e oferecer uma solução geopolítica para o bloco nascente, embora nem todos os membros do BRICS estejam completamente de acordo.
Diante disso, é notório que a China está intencionalmente minimizando sua exposição ao dólar. Os formuladores de políticas chineses viram como os EUA usam o dólar como uma arma de política externa; no mês passado, foi sugerida a ideia de confiscar os ativos russos denominados em dólar congelados e entregá-los à Ucrânia. Os chineses não são tolos. Eles percebem que os EUA poderiam aplicar o mesmo tipo de pressão sobre eles. Então, se você reconhece que algo o torna vulnerável, o que você faz? Você minimiza a vulnerabilidade. Em outras palavras, se você está preocupado que os EUA possam puxar o “tapete do dólar” debaixo de você, por que não sair primeiro do sistema do dólar? Esta parece ser a estratégia da China.
O descarte de Títulos do Tesouro pela China ressalta um grande problema para o Tesouro dos EUA. Ao comprar e manter títulos dos EUA, o banco central cria uma demanda artificial, elevando os preços mais do que estariam de outra forma e mantendo os rendimentos mais baixos. Isso permite que o governo dos EUA peça emprestado mais a taxas de juros mais baixas do que poderia de outra forma.
O problema é que o banco central está permitindo que os Títulos do Tesouro rolem fora de seu balanço com uma política de aperto quantitativo destinada a reduzir a inflação de preços. Então, se o maior jogador no mercado doméstico de Títulos do Tesouro e o segundo maior jogador no mercado estrangeiro de Títulos do Tesouro estão vendendo títulos, quem vai absorvê-los todos, juntamente com a nova dívida emitida pelo Tesouro dos EUA mês após mês? Esta é uma das razões pelas quais os rendimentos do Tesouro continuam a subir, apesar das esperanças de um corte nas taxas de juros do Federal Reserve.
A China provavelmente continuará a reduzir seu financiamento da dívida dos Estados Unidos com suas reservas cambiais à medida que intensifica os esforços para diversificar as carteiras de ativos estrangeiros e reduzir a exposição ao risco. "Os investidores mantêm títulos do Tesouro dos EUA geralmente por três razões - liquidez, segurança e rentabilidade", disse Wang Youxin, um pesquisador sênior do Banco da China.
Olhando para o futuro, Wang disse que garantir a segurança dos ativos continuará a ser um fator-chave sustentando as ações da China para diversificar suas reservas cambiais. “A redução apropriada das participações em ativos dos EUA é útil para a China gerenciar a exposição ao risco relevante. Embora a crescente probabilidade de flexibilização monetária pelos EUA possa criar mais oportunidades de rentabilidade para a transação de títulos do Tesouro dos EUA nos próximos meses, a China provavelmente continuará a diversificar os ativos de suas reservas cambiais a longo prazo, enquanto aumenta as compras de outros ativos como ouro”, acrescentou.
Dessa forma, a tendência é que a atuação da China continue a favorecer o processo de desdolarização, alterando o sistema financeiro global, ainda que de forma lenta e gradual. Essa estratégia de longo prazo envolve várias dimensões econômicas, financeiras e geopolíticas que visam reduzir a dependência do dólar americano e fortalecer a posição da China no cenário internacional.
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