O Pior Acordo da História
A AUKUS (acrônimo do Inglês Australia, United Kingdom, United States) é uma aliança tripartida formada pelos três países supracitados que visa combater o expansionismo chinês na região do Indo-Pacífico. Tal pacto militar permitirá que a Austrália adquira submarinos de propulsão nuclear pela primeira vez, a partir da tecnologia americana. Essa é a maior parceria no setor de defesa em décadas para esses países, que vêm se demonstrando preocupados com a crescente presença militar da China na região.
O acordo expressa o comprometimento da Austrália na compra de oito submarinos de propulsão nuclear dos Estados Unidos por 368 bilhões de dólares, com previsão de entrega para o início da década de 2040 até o final dos anos 2050. Estes serão baseados em novos projetos de reatores nucleares ainda a serem desenvolvidos pelo Reino Unido. No entanto, devido ao extenso prazo de entrega e à necessidade dos EUA de o quanto antes mitigar a influência chinesa no Indo-Pacífico, também tem sido considerada, pendendo a aprovação do Congresso americano, a venda de outros três submarinos da classe Virgínia a partir do início da década de 2030. O anúncio súbito desse acordo em setembro de 2021 veio como um choque para a França porque, até então, se encontrava em vigência um outro acordo, assinado pelos governos australiano e francês em 2016, que visava a entrega de 12 submarinos convencionais franceses por 67 bilhões de dólares, o que foi substituído pela Austrália em favor da AUKUS. Em outras palavras, os EUA “passaram a perna” na França.
Mas então, o que ganham os Estados Unidos ao aborrecer a França, um de seus principais aliados na OTAN? O que levou a Austrália a renegar seu acordo com a França? Quais são os benefícios para ela nessa troca?
Em troca dos submarinos nucleares, que serão entregues daqui a duas ou quatro décadas ao governo australiano, os Estados Unidos obteriam acesso ao território da Austrália que serviria como base de apoio para suas forças militares, navais e aéreas. Essa localização seria estratégica para a redução da crescente influência chinesa nas regiões do Mar da China Meridional e do Estreito de Taiwan, colocando a Austrália como um importante agente nos atuais planos dos EUA para a contenção da China. Assim, o aborrecimento da França seria inconsequente em face dos benefícios oferecidos pelo AUKUS no que diz respeito à agenda política mundial dos Estados Unidos. Além disso, a indústria militar dos EUA e do Reino Unido se beneficiariam financeiramente muito com a compra australiana.
Entretanto, é difícil de entender quais os ganhos ofertados à Austrália em face dessa decisão. Há uma preocupação legítima na Austrália de que eles acabem ficando muito ligados aos EUA e que o acordo comprometa sua capacidade de buscar seus próprios interesses de forma independente. O ex-Primeiro Ministro australiano Paul Keating denominou esse acordo como “o pior acordo da história”. Ele diz que os 368 bilhões de dólares gastos para adquirir esses submarinos, por exemplo, seriam capazes de comprar de 40 a 50 submarinos convencionais. Além disso, o governo australiano se coloca em uma posição de desconforto com o governo chinês, seu maior parceiro comercial, dado que a China não é apenas a maior importadora de produtos australianos, como também sua principal fornecedora. Pode-se dizer, então, que a Austrália está pagando um preço alto para se proteger contra um perigo ínfimo, uma vez que a sua preocupação com a segurança de seu comércio por meio do Mar da China Meridional é infundada já que a maior parte desse comércio é justamente com a China.
Há, também, o risco de segurança que o acordo traz para a Australia. A partir do momento em que disponibiliza portos e territórios para o estacionamento e uso das forcas militares americanas, Australia se torna alvo militar imediato da China na eventualidade de um conflito armado com os Estados Unidos.
Essa aliança também não parece ter agradado grande parte da comunidade internacional. Além do descontentamento da França que, de acordo com o Ministro das Relações Exteriores francês, Yves Le Drian, tomou uma “facada nas costas” dos países do AUKUS, vários países também ficaram preocupados com essa movimentação, visto que o compartilhamento de tecnologia nuclear prevista no acordo poderia constituir uma aparente violação do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, e colocaria em questão a conformidade do acordo com a Zona Livre de Armas Nucleares estabelecida pelo Tratado de Rarotonga, do qual a Australia é parte. Outras potenciais consequências dessa aliança concernem à relação da Austrália com seus vizinhos. A Indonésia e a Malásia, por exemplo, expressaram fortes reservas sobre o acordo e temem que ele alimente ainda mais a corrida armamentista regional.
Em suma, é notório que a Austrália está atuando como uma mera engrenagem na roda estratégica dos EUA para essa região. As potências coloniais e ex-coloniais - G7-AUKUS - estão ditando as regras da atual ordem regional. Essa é uma das únicas explicações plausíveis para a formação desse acordo, visto as consequências e os prejuízos que ele geraria à Austrália em prol de uma agenda de interesses americanos.
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