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O Fim da Neutralidade da Finlândia


Após conquistar sua independência em 1917, a política externa e de segurança da Finlândia ficou intrinsecamente ligada à relação com a Rússia. Isso é ilustrado pelo fim da Segunda Guerra Mundial, marcado por consideráveis perdas territoriais em favor da União Soviética, que conduziu à normalização das relações soviético-finlandesas, por meio do Tratado de Amizade, Cooperação e Assistência Mútua em 1948.

O Tratado de Amizade declarava que a Finlândia estava comprometida em se manter à margem de conflitos internacionais entre as grandes potências e buscava manter a paz de acordo com os princípios da ONU, limitando, também, a oportunidade de cooperação de defesa finlandesa com terceiros. A Finlândia comprometia-se a ativar consultas militares conjuntas com a União Soviética, se necessário, excluindo alinhamentos militares com países ocidentais. Enfatizando o compromisso com o Tratado de Amizade, a Finlândia optou por não participar do Plano Marshall após a Segunda Guerra Mundial e também não se juntou à OTAN ou ao Pacto de Varsóvia.

O tratado foi um passo necessário para normalizar as relações da Finlândia com a União Soviética e, assim, conceber uma política externa neutra. Essa neutralidade era mais uma necessidade pragmática, que uma afirmação de identidade; a Finlândia estava decidida a seguir uma política amistosa em relação à União Soviética e a se aproximar do Ocidente sem provocar seu vizinho oriental.

Poderia-se esperar que, com o fim da Guerra Fria, a política neutra da Finlândia também chegasse ao fim. Usando as palavras do cientista político britânico David Arter, a neutralidade finlandesa “foi uma neutralidade projetada, elaborada para os requisitos específicos da situação pós-guerra da Finlândia e adaptada às realidades da Ostpolitik [Política do Leste] da nação”. O colapso da União Soviética e o fim da Guerra Fria alteraram a política externa e de segurança finlandesa; a política de neutralidade não pôde ser mantida da mesma forma, resultando na “restrição” do conceito de neutralidade à dimensão militar. Isso pode ser melhor ilustrado pela atitude do país em relação à OTAN e à UE. A adesão da Finlândia à União Europeia em 1995, por exemplo, foi precedida por um referendo no ano anterior, que resultou em 57% a favor da entrada na EU, sendo um sinal de que o papel da Finlândia como amortecedor entre o Oriente e o Ocidente durante a era da Guerra Fria havia chegado ao fim.

Durante a Guerra Fria, a sua relação com a União Soviética determinou a sensibilidade da Finlândia em relação à OTAN. No entanto, após a queda da Cortina de Ferro, a Finlândia começou a aprimorar suas relações de defesa não apenas com a Europa, mas dentro do contexto transatlântico mais amplo. Em 1994, juntou-se ao programa Parceria para a Paz (PpP) da OTAN, juntamente com a Suécia, participando de exercícios militares conjuntos e cursos da PpP e contribuindo para missões da OTAN, como IFOR e SFOR na Bósnia, KFOR no Kosovo, além de missões no Afeganistão e no Iraque. Ela cooperou com a aliança em muitas outras áreas, incluindo a adesão ao Conselho de Parceria Euro-Atlântica, o estabelecimento de missões diplomáticas na OTAN e a participação na Força de Resposta da OTAN. Em 2014, na Cúpula de Gales, a Finlândia tornou-se Parceira Aprimorada da OTAN, significando um diálogo e cooperação ainda mais profundos e visando um desenvolvimento militar adicional e interoperabilidade.

Embora seguisse a Política de Segurança e Defesa Europeia e também cooperasse com a OTAN, a Finlândia parecia comprometida em não abandonar a política de não alinhamento militar. Até hoje, as razões para não aderir à OTAN podem ser encontradas em argumentos históricos e baseados na identidade sobre o compromisso da Finlândia com o não alinhamento. Embora formalmente não fosse membro de nenhuma aliança militar, a Finlândia mantinha relações de defesa profundas e próximas com a OTAN, sem provocar desnecessariamente os interesses russos.

No entanto, a persistência em se abster de alianças militares recentemente retornou ao foco. Após a incorporação da Crimeia pela Rússia em 2014, a opção de adesão plena da Finlândia à OTAN já havia surgido. Muitos pensavam que ela reconsideraria a possibilidade de se tornar membro da aliança militar, para garantir proteção em caso de potencial agressão russa adicional. Devido à sua localização geográfica, a possível adesão da Finlândia à OTAN causaria sérias preocupações para a Rússia: a Finlândia faz fronteira diretamente com a Península de Kola, onde a maioria da capacidade de segundo ataque nuclear russo está alocada.

Entretanto, a posição da Finlândia mudou apenas após a invasão da Ucrânia pela Rússia em fevereiro de 2022, a maior crise de segurança na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Sem realizar um referendo popular prévio, como o fez antes da adesão a Uniao Europeia, a Finlândia apresentou em 18 de maio de 2022 sua carta oficial de candidatura para se tornar um a liado da OTAN. Em 4 de julho de 2022, após a Cúpula de Madrid da OTAN, líderes aliados concluíram as negociações de adesão, assinando Protocolos de Adesão para a Finlândia e a Suécia no dia seguinte. Após quase 30 anos de parceria próxima com a OTAN, a Finlândia ingressou na Aliança, em 4 de abril de 2023. A parceria da Finlândia com a OTAN, que historicamente se fundamentava em uma política de não alinhamento militar, foi modificada após a invasão em larga escala da Ucrânia pela Rússia em fevereiro de 2022.

Com a entrada finlandesa na OTAN, surgiram especulações sobre a possibilidade de o bloco atlântico estar conspirando para aumentar a pressão sobre a Rússia, ao longo da fronteira do novo membro, com a intenção de provocar movimentos militares recíprocos, que possam ser descontextualizados como uma suposta “agressão não provocada”. Se a guerra da Ucrania for interrompida, há uma certa lógica inerente em substituir parte da pressão perdida sobre a Rússia pela abertura de outras frentes, como a finlandesa.

No entanto, o princípio de “destruição mútua assegurada” entre a OTAN e a Rússia – muito discutido nas disciplinas de relações internacionais e que, simplificadamente, implica na resistência em praticar a guerra tendo em vista a destruição que seria causada a ambos os países – impõe limites muito intransigentes sobre a quantidade de pressão que pode ser exercida nessa hipotética nova frente entre a OTAN e a Rússia. Mesmo diante disso, os lideres do bloco ocidental podem considerar a ativação dessa frente como uma opção mais favorável, que mantê-la inerte nesse cenário. Além disso, a proposta em relação à Finlândia poderia servir como um pretexto “publicamente plausível” para incentivar e intensificar a militarização do Ártico. Isso se dá, em parte, devido ao iminente cenário em que essa “última fronteira” da Nova Guerra Fria se transforma em um teatro de competição entre o Ocidente, liderado pelos EUA, e a “aliança” sino-russa, impulsionada pelo papel crescente da Rota do Mar do Norte na facilitação do comércio Leste-Oeste.

Nesse contexto, com o desencadeamento da Guerra da Ucrânia e a quebra da neutralidade finlandesa ao ingressar na OTAN em 2023, as relações entre Finlândia e Rússia se deterioraram. Ilustrando essa situação, a Ministra finlandesa Mari Rantanen revelou que o país planeja fechar os postos de fronteira com a Rússia por razões de segurança, mencionando preocupações com a entrada de imigrantes ilegais de países terceiros. Adicionalmente, a Ministra argumentou que Moscou modificou sua política de fronteiras para facilitar o fluxo de migrantes ilegais em direção à Finlândia, sugerindo que a Rússia adota uma postura punitiva, em resposta a determinadas atividades finlandesas com as quais o Estado russo não concorda.

O governo finlandês deixa claro que sua preocupação não reside na origem dos imigrantes, mas sim no receio de enfrentar uma situação semelhante à que a União Europeia vivenciou em 2015, devido ao significativo influxo de imigrantes nos países do bloco. Ademais, a Finlândia também tem apoiado as sanções da UE contra a Rússia: em setembro, o país aderiu às recomendações do bloco, impondo restrições de importação e proibindo a entrada na fronteira da maioria dos carros com placa russa no país. Enquanto a porta-voz do Ministério de Relações Exteriores russo, Maria Zakharova, denuncia as recomendações europeias como atos racistas, a ministra de Relações Exteriores finlandesa, Elina Valtonen, reconhece que essas sanções afetam também pessoas alheias ao conflito, mas ressalta que “não tem outra escolha” a não ser implementar limites e medidas.

Dessa forma, a inclusão da Finlândia na OTAN emergiu como um dos principais catalisadores de desconforto e descontentamento nas relações Finlândia-Rússia. Embora ser posicionado como o segundo front do Ocidente em sua estratégia contra a Rússia possa, como discutido ao longo do texto, proporcionar vantagens ao bloco atlântico, isso inevitavelmente complicaria a vida do povo finlandês, que teria que aprender a conviver com a constante tensão em relação ao seu vizinho russo.

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