O Domo de Ferro
O conflito entre Israel e a Palestina sempre foi tema de inúmeras discussões e acontecimentos no cenário internacional. Desde 10 de maio, o conflito aumentou ainda mais com lançamentos de centenas de foguetes pelo Movimento de Resistência Islâmica (Hamas) – uma organização de militantes palestinos que governa a Faixa de Gaza - contra o território de Israel. Em resposta, o governo israelense acionou seu sistema de defesa contra mísseis conhecido como “Iron Dome” (“Domo de Ferro”).
Uma das principais características do conflito é sua natureza assimétrica, isto é, enquanto Israel é um Estado reconhecido, o Hamas e suas milícias são atores não estatais, o que significa que há uma diferença considerável em termos de poder, capacidade militar, recursos, etc. O Hamas, apesar de ter um braço político, governar parte da Palestina, e reivindicar o Estado Palestino no território que inclui Israel, possui também milícias armadas que afirmam estar lutando pela liberação da Palestina. Para muitos, por causa do uso da violência e de métodos terroristas, o Hama seria um grupo terrorista. O uso de táticas terroristas não está em questão – é fato que o fazem – mas não há um consenso quanto ao status formal do grupo.
Essa diferença entre os atores é muito significativa. O Hamas não se considera submetido às mesmas normas internacionais que Israel, de modo que não faz distinção entre alvos militares e civis e, por isso, lança ataques indiscriminados contra centros populacionais israelenses. Israel, por sua vez, ao planejar seus ataques, precisa estabelecer se o alvo é militar ou não. Um dos grandes problemas, no entanto, é que o Hamas lança seus foguetes do meio de centros habitacionais, de modo a dificultar sua localização e usar a população como escudo.
Para superar limitações de recursos e tecnologia, grupos terroristas e/ou insurgentes buscam o apoio nacional (da população) e internacional (de outros Estados). O prolongamento do conflito e a escalada de tensões torna-se favorável ao Hamas, visto que atrai atenção à causa e angaria o apoio da opinião pública internacional que, ao deparar-se com a cobertura midiática das reações consideradas desproporcionais de Israel e a morte de civis na Faixa de Gaza, tende a criticar as ações do Estado. Para amenizar a situação, Israel busca limitar as fatalidades civis com uma prática que nenhum outro exército segue: dá aviso prévio do ataque para que os civis evacuem o alvo e redondezas.
O Domo de Ferro foi criado na esteira das pesquisas sobre sistemas antibalísticos efetuadas por Israel e Estados Unidos da América (EUA) desde o governo de Ronald Reagan. Sua criação foi ainda mais urgente devido ao conflito entre Israel e o Hezbollah na guerra do Líbano em 2006, quando os militantes bombardearam o território israelense com milhares de foguetes e mísseis. Com um financiamento dos EUA de mais de R$ 1,06 bilhão de reais, o sistema antibalístico foi construído pela companhia Rafael Advanced Defense System LTD em 2011, e logo se tornou um fator central no sistema de defesa insraelense, tendo como objetivo proteger Israel de ataques feitos por mísseis e outras ameaças aéreas.
O Domo consiste em uma rede de doze sistemas ao longo de Israel, equipados de baterias e radares conectados e associados a 20 mísseis interceptadores, que são acionados quando detectam que outro míssil em um raio de 70 km está indo em direção às áreas povoadas israelenses. Ao prever onde os foguetes inimigos podem atingir, a tecnologia do radar decide quais são os alvos a serem interceptados, e os interceptores são lançados verticalmente a partir de vetores estacionários ou móveis, que então detonam os mísseis no ar, gerando as imagens altamente difundidas pela imprensa.
Realmente, o Domo de Ferro pode ser considerado como um dos principais sistemas de defesa aérea de Israel no que tange ao confronto com atores não-estatais como o Hamas e o Hezbollah, dado que os foguetes lançados por eles conseguem ser interceptados mais eficazmente pelos mísseis desse mesmo sistema. O sistema antibalístico mostra-se eficaz pois, segundo o exército israelense, o Domo alegadamente consegue destruir de 85% a 90% dos mísseis inimigos. De fato, mesmo em face da enorme quantidade de foguetes lançados até agora pelo movimento militante de Gaza contra Israel (quase três mil até o momento), não houve grandes danos e perdas de vidas em Israel. Além da proteção contra foguetes e mísseis, o sistema possui também a habilidade de derrubar drones do Hamas (como já o fez pelo menos três vezes) os quais se movem horizontalmente
Entretanto, por mais proativo que seja, esse sistema israelense também possui suas limitações. Uma matéria publicada pela agência Sputnik mostra que o Domo de Ferro não consegue cobrir todo o território israelense, abrindo espaço para a ineficácia caso haja um ataque em várias frentes. A matéria acrescenta que a incapacidade de lidar com grande volume simultaneo de fogo inimigo, e o alto preço dos mísseis interceptadores do Domo, que contrasta com o baixo custo dos foguetes militantes, são outros problemas que devem ser pensados. Jeremy Bob, o editor de inteligência e terrorismo do The Jerusalem Post, argumentou que se até o Hamas (mais fraco que o Hezbollah) pode ter encontrado uma maneira de minar o Domo, ao lançar rajadas de foguetes simultaneamente, prologando ainda mais a ocorrência do conflito, o Domo pode não ser tão efetivo contra grupos como o Hezbollah, o qual consegue lançar mísseis mais sofisticados em menor prazo de tempo. Outra limitação importante encontra-se na estrutura do conflito em si, pois o sucesso do sistema antibalístico retira de cena uma possível construção de política externa israelense que foque em resolver as reais motivações do conflito, como aponta o cientista político Yoav Fromer, da Universidade de Tel Aviv.
Dada a eficácia do sistema que, vale lembrar, não é o único utilizado por Israel, é natural que ele atraia atenção. Em fevereiro de 2019, os EUA, que já haviam financiado enormemente o projeto, anunciaram planos de comprar e testar o Iron Dome. O primeiro-ministro (PM) israelense, Benjamin Netanyahu, classificou a venda como "uma grande conquista para o país". Na venda desse sistema a outros Estados, Israel pode utilizar sua tecnologia como forma de alcançar prestígio internacional e promover suas relações diplomáticas com outros países.
Desvinculando-se de paixões acerca do conflito, o Domo de Ferro contribui para uma melhor defesa de Israel, principalmente tendo vista a ação incessante de grupos armados não-estatais da Faixa de Gaza e da região, configurando-se, portanto, como um ponto crucial para a própria sobrevivência do Estado de Israel. Destacando a natureza assimétrica do conflito, em 11 dias, somam-se 230 mortes na Faixa de Gaza e 12 em Israel, números atingidos logo antes do cessar-fogo acordado com a mediação do Egito e grande pressão internacional, de acordo com o The Guardian. Apesar de aliados afirmarem que Israel fez importantes conquistas militares, vê-se que o Hamas, de certa forma, atingiu seu objetivo ao atrair novamente atenção ao redor do globo para a questão Palestina e posicionar-se como a liderança do chamado movimento de resistência na região.
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