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O Atentado Terrorista na Russia


No dia 22 de março de 2024, a Rússia sofreu um dos piores ataques terroristas da história recente, deixando 137 pessoas mortas e 182 feridas. Os quatro terroristas que realizaram o ataque escolheram um dos maiores locais de exposições e concertos do país, o Crocus City Hall, na cidade de Krasnogorsk, nos arredores de Moscou, que realiza grandes eventos todos os dias. De acordo com o Serviço Federal de Segurança (FSB) russo, o ataque foi cuidadosamente planejado e projetado para maximizar as perdas humanas. O Comitê de Investigação da Rússia também confirmou que os quatro suspeitos foram detidos na região de Bryansk, no caminho para a Ucrânia, onde, segundo as autoridades, os terroristas planejavam se refugiar.

            Apesar do andamento da investigação pelo lado russo, o Ocidente já havia afirmado que o Estado Islâmico (EI) era o responsável pela tragédia, sendo relatado pela primeira vez por alguns veículos de comunicação, incluindo Reuters e CNN, e mais tarde confirmado por autoridades ocidentais. Um aparente comunicado do Estado Islâmico também acabou declarando responsabilidade pelo ataque e diversos analistas estipulam que a Rússia já era alvo de uma afiliada do EI, estabelecida na região de Khorasan (ISIS-K, sigla em inglês para Islamic State Khorasan Province), que inclui partes do Afeganistão, Paquistão e Irã, junto com outros países da Ásia Central. Segundo esses pesquisadores, a ISIS-K há muito tempo retrata a Rússia como um de seus principais adversários, apresentando uma retórica anti-russa em sua propaganda, que se exemplifica no ataque à presença russa no Afeganistão e em um ataque suicida à embaixada da Rússia em Cabul em 2022, que deixou dois funcionários da embaixada russa e seis afegãos mortos.

            No entanto, a Rússia expressou dúvidas quanto ao real autor do ataque. Analisando o caso, quatro pessoas, já detidas pelo serviço de segurança russo, que não se conheciam previamente foram recrutadas para realizar o ataque terrorista. Um deles, Shamsidin Fariduni, estava na Turquia em fevereiro e voou para a Rússia no dia 4 de março. Segundo informações não oficiais, ele se encontrou com um certo “pregador islâmico” em Istambul. Também se sabe que os terroristas se corresponderam com o “assistente do pregador”. De acordo com Fariduni, essa pessoa anônima patrocinou e organizou o ataque terrorista. O ataque estava planejado para o dia 9 de março, durante o concerto de um cantor conhecido pelo seu patriotismo chamado Shaman. No entanto, após Fariduni visitar o local do atentado no dia 7 de março, a embaixada americana na Rússia alertou seus cidadãos para evitarem grandes aglomerações “nas próximas 48 horas” devido a possíveis ataques extremistas. Assim, o ataque foi reagendado para o dia 22 de março, durante o concerto da banda Picnic que, mesmo não sendo tão popular quanto Shaman, também é conhecida por uma postura patriótica e por doar fundos para as necessidades das Forças Armadas russas na Ucrânia.

            Existem outros fatores que embasam a desconfiança russa. Uma delas é que nenhum dos quatro terroristas envolvidos planejavam morrer com o ataque, como é usual para os seguidores do EI. Depois de atirar nas pessoas no Crocus City Hall e incendiar o prédio, eles não atacaram as forças especiais que chegaram ao local e, em vez disso, entraram em um carro e fugiram. Eles também não usavam “cintos suicidas”, nem tomaram reféns, que é um detalhe característico dos seguidores do EI que estão prontos para morrer após cometerem o crime. Outro detalhe que não é característico do EI é a recompensa em dinheiro prometida aos terroristas. O pagamento deveria ser feito em duas parcelas, antes e depois do ataque. Os terroristas já haviam recebido o primeiro pagamento, no valor de 250 mil rublos, o equivalente a 2700 dólares.

            Contudo, o detalhe mais importante é o local onde os criminosos foram detidos: na rodovia federal M-3 Ucrânia, uma rota que costumava conectar a Rússia à Ucrânia, mas perdeu grande parte de sua importância internacional após a deterioração das relações entre os dois país em 2014 e, mais intensamente, após o início da guerra da Ucrânia em 2022. Os terroristas planejavam salvar suas vidas indo para a fronteira ucraniana. Mais tarde, em discurso à nação, o presidente russo Vladimir Putin disse que uma “janela” para a passagem tinha sido aberta para eles pelo lado ucraniano, algo que foi confirmado em depoimento gravado dos terroristas presos. Isso também não é característico do EI, já que alguém que comete um ato terrorista, especialmente um estrangeiro, é considerado “descartável”. Mesmo que saíssem vivos, ninguém os ajudaria. Além disso, nos anos anteriores, o EI não assumia a responsabilidade por ataques nos quais os perpetradores permanecessem vivos, para não prejudicá-los durante a investigação. Entretanto, posteriormente, a organização pareceu não se importar mais com isso.

Tendo isso em vista, as desconfianças da Rússia se direcionam para a Ucrânia, principalmente ao considerar os vínculos ucranianos com terroristas. Mais recentemente, as autoridades russas descobriram uma possível ligação entre os serviços especiais ucranianos e o ataque terrorista do mês passado. Os suspeitos do ataque terrorista da semana passada em Moscou estavam ligados a nacionalistas ucranianos, afirmou o Comitê Investigativo Russo na quinta-feira, citando resultados preliminares. Os investigadores obtiveram “evidências fundamentadas” de que os agressores suspeitos receberam financiamento da Ucrânia na forma de criptomoeda, que foi usada para preparar o ataque terrorista A declaração foi divulgada após uma reunião presidida por Aleksandr Bastrykin, o chefe do Serviço de Segurança Federal da Rússia (FSB), onde o progresso no caso de grande repercussão foi discutido. Anteriormente, Bortnikov havia dito a repórteres que os Estados Unidos, o Reino Unido e a Ucrânia poderiam estar por trás do ataque. Os ucranianos podem ter estado preparando uma “janela” para eles atravessarem de volta a fronteira, disse o oficial. “Do outro lado, eles seriam recebidos como heróis”, acrescentou.

A Ucrânia é o local de residência não apenas de muitos terroristas, mas também de administradores do EI e daqueles que simpatizam com os terroristas. Alguns desses indivíduos estão ativamente envolvidos na arrecadação de fundos para combatentes do EI presos na Síria e no Iraque. Parte desse dinheiro é destinada à compra de alimentos e medicamentos. Mas muitas vezes, é gasto na compra de armas para realizar ataques dentro das prisões e subornar guardas. Como alguns dos terroristas são oficialmente “empregados” no Ministério da Defesa da Ucrânia e outros trabalham para o Serviço de Segurança da Ucrânia, ambos podem pressionar seus empregadores para organizar um ataque terrorista ou fazê-lo por conta própria, sem consultar formalmente as autoridades.

Diante do exposto, na última semana, a Rússia enviou inquéritos oficiais aos judiciários dos EUA, Alemanha, França e Chipre, exigindo que os países investigassem o suposto envolvimento de seus serviços de inteligência, bem como outras entidades e indivíduos, na organização e financiamento de ataques terroristas na Federação Russa. O apelo foi inicialmente submetido ao Escritório do Procurador-Geral da Rússia no mês passado por um grupo de deputados da Duma Estatal vários dias após o ataque ao Crocus City Hall. Os autores do documento sugeriram que apenas políticos ocidentais poderiam ter interesse em tal ataque e insistiram que o “terrorismo internacional do Ocidente coletivo deve ser interrompido”. Para isso, os legisladores exigiram uma investigação sobre o possível envolvimento de serviços de inteligência estrangeiros e indivíduos na organização e financiamento de atos de terrorismo na Rússia. Os deputados citaram uma resolução do Conselho de Segurança da ONU, bem como várias convenções internacionais anti-terrorismo, que foram ratificadas pelos EUA, França, Alemanha e Chipre.

Eles observaram que a escala e as consequências dos recentes ataques terroristas “demonstram certo envolvimento de representantes de serviços de inteligência estrangeiros específicos no processo de sua implementação”. O ato terrorista “mais notório das últimas décadas”, segundo os deputados, é a destruição em 2022 dos gasodutos Nord Stream 1 e 2, que foram construídos para fornecer gás natural russo à Alemanha e outros países da Europa. Em seu apelo, eles listaram uma série de declarações de altos funcionários dos EUA, incluindo o presidente Joe Biden e a ex-vice-secretária de Estado Victoria Nuland, bem como outras descobertas relacionadas ao incidente, para sugerir que Washington desempenhou um papel direto na organização e realização da sabotagem. Os membros do parlamento acusaram os serviços de inteligência ucranianos, que têm estado profundamente envolvidos com a CIA na última década, de realizar uma série de ataques terroristas contra a Rússia: esses incluem o assassinato em 2022 de Daria Dugina, uma jornalista e filha do proeminente filósofo russo Alexander Dugin; o assassinato em 2023 do blogueiro militar Vladlen Tatarsky em uma explosão em um café em São Petersburgo; e a tentativa de assassinato do escritor Zakhar Prilepin em maio do ano passado.

Também foram apontados os bombardeios da Ponte da Crimeia da Rússia, especialmente o ataque de 8 de outubro de 2022, que viu um caminhão cheio de explosivos destruir várias centenas de metros do leito da estrada, matando cinco civis. Outros exemplos das contínuas atividades terroristas da Ucrânia, segundo os deputados, são os numerosos ataques na região fronteiriça da Rússia de Belgorod, que resultaram na morte de dezenas de civis, incluindo crianças de apenas um ano. Além disso, os autores do apelo apontaram o assassinato do jornalista dos EUA Gonzalo Lira em um centro de detenção de Kharkov, bem como as repetidas tentativas dos serviços de segurança ucranianos de contrabandear explosivos para a Rússia com a intenção de explodir infraestrutura energética e civil.

Os membros do parlamento presumiram que o simples número de atos terroristas sendo realizados “pressupõe a disponibilidade de algum financiamento, inclusive em dinheiro, para evitar possíveis vazamentos de informações”, e sugeriram que um dos principais “patrocinadores privados” das atividades terroristas de Kiev foi Nikolay Zlochevsky, o proprietário da empresa de gás Burisma, que tem laços diretos com a família Biden. Em 2014, Hunter Biden, filho do presidente dos EUA Joe Biden, foi nomeado para o conselho de administração da Burisma enquanto seu pai servia como vice-presidente sob Barack Obama e estava encarregado dos assuntos da Ucrânia. A nomeação de Hunter e as negociações subsequentes com a empresa desde então se tornaram o centro de um escândalo de corrupção, no qual os Biden são acusados de se envolver em esquemas de corrupção, silenciar testemunhas e interromper investigações criminais contra a Burisma, forçando a demissão do procurador-geral da Ucrânia.

O apelo conclui exigindo que os Estados estrangeiros ajudem a Rússia em suas investigações sobre a organização e o financiamento do terrorismo, e tomem medidas para “identificar, localizar, bloquear ou prender quaisquer fundos usados ou alocados para o propósito de cometer crimes terroristas” e levar todos os indivíduos e pessoas jurídicas envolvidas em tais crimes à justiça. Os deputados também pediram aos destinatários que informem o público sobre os resultados de suas investigações, incluindo todos os fatos, pessoas envolvidas e as decisões tomadas para responsabilizá-las.

O pedido de informações aos governos estrangeiros se fundamenta sobretudo na Convenção Internacional para a Supressão do Financiamento do Terrorismo (2000), que estipula a obrigação de cooperação entre as partes na prevenção e supressão do financiamento do terrorismo em seu território. Uma vez concluída a investigação e identificado o eventual país ou países envolvidos no planejamento, financiamento ou execução do ato terrorista, a Russia deverá tomar as medidas retaliatórias ou punitivas que julgar necessárias. Se o país responsável for somente a Ucrânia, além de medidas militares, espera-se que alguns membros do governo sejam oficialmente indiciados. Quanto a outros países, resta ver quais seriam as medidas tomadas.

 

 

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