O Antagonismo Entre a China e a Índia
A ascensão da República Popular da China (RPC) no sistema internacional suscita questões antigas com os países do seu entorno, principalmente no que tange aos assuntos de demarcação de fronteira. A potência asiática possui diversas disputas territoriais ao longo de sua fronteira e, quanto mais cresce em poder, mais assertiva se torna em suas reivindicações. Entre 1993 e 2005, Índia e China assinaram uma série de acordos fronteiriços, incluindo o acordo de 1996 que proibia o uso de armas de fogo na área disputada, todavia recentemente a disputa parece ter-se tornado cada vez mais distante de uma resolução pacífica. Enquanto a Índia enfrenta a ira da China por se inclinar recentemente em direção aos Estados Unidos da América (EUA) sob o mantra da cooperação no "Indo-Pacífico", a China é criticada pela Índia por abraçar o Paquistão em uma busca de contenção mútua.
De fato, as tensões entre a Índia e a China não são atuais. Embora ambos os países tenham sido alvo de jugo colonial, os problemas fronteiriços no sul da Ásia, na região do Tibete e na divisa da então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) com a China, auxiliaram na gradual deterioração das relações com vários países a partir da década de 1960. O governo chinês de Mao Zedong, após a morte do líder soviético Stálin, se afastou da URSS, preocupando-se com a possibilidade de um “cerco territorial”, e estimulou a rivalidade com a Índia - então aliada da União Soviética. As negociações territoriais entre China e Índia começam em 1960, quando o primeiro-ministro chinês Zhou Enlai visita a Índia em um clima de antiimperialismo entre dois novos países soberanos, mas logo ocorre em 1962 um conflito armado fronteiriço entre os dois países nos Himalaias, alimentado pelo fato de o governo indiano ter tomado partido ao lado do Dalai Lama (considerado pela religião do budismo tibetano como o verdadeiro governante da região) quando houve a invasão chinesa no Tibet, e pelas reivindicações territoriais chinesas.
Zhou Enlai ficou conhecido por seus princípios de 1) respeito mútuo acerca da soberania e integridade territorial; 2) não-agressão mútua; 3) não-interferência nos assuntos internos; 4) igualdade ou benefício mútuo; 5) coexistência pacífica. Essas diretrizes serviram bem à China durante a bipolaridade da Guerra Fria, quando buscava-se competir simultaneamente com Estados Unidos, bloco imperialista, e URSS, bloco revisionista, mas não impediram os ataques chineses contra a Índia, em 1962, e o Vietnã, em 1978. Na disputa territorial com a Índia, Enlai propôs um acordo ao PM indiano Jawaharlal Nehru que ficou conhecido como a famosa “package solution”: cada nação simplesmente manteria o território que controlava. A China reconheceria as reivindicações da Índia no setor oriental - desde que a Índia reconhecesse as reivindicações da China no setor ocidental, lembra Bhakal à RT. Contudo, a Índia recusou repetidas vezes o acordo que, para o comentarista indiano, estava largamente ao seu favor, devido a pretensões populistas eleitoreiras. Hoje, o contexto do cenário internacional mudou, e a China, antes aparentemente disposta a fazer concessões significativas para a resolução da questão territorial sino-indiana, agora enxerga a Índia como uma grande rival regional, deixando as relações mais intransigentes.
Do mesmo modo, a Índia também tenta projetar-se internacionalmente com maior firmeza, e dessa forma procura conter a influência chinesa não só na região noroeste, mas também no Oceano Pacífico, com a iniciativa da “Nova Rota da Seda” marítima que acaba por cercar o litoral indiano. Por isso, considerando o crescimento das tensões, o governo indiano entrou no “Quad” – uma iniciativa de cooperação militar liderada pelos EUA, que ao se instaurar na região do Indo-Pacifico, pretende impedir que a influência chinesa exista sem empecilhos – e aliou-se aos EUA no referente à uma estratégia marítima regional para responder à expansão marítima chinesa.
Após os curtos confrontos também em 1967 e um impasse em 1987 (no cenário de rompimento das relações diplomáticas no início da década de 1960, a serem restabelecidas em 1979), as questões territoriais - consideradas por ambos os atores como assunto estratégico - têm sido alvo de negociações, mas sem sucesso. Em meio à continuada desconfiança entre os governos e a retórica da culpabilidade de ambos os lados, a partir da década de 1980 foram realizadas inúmeras reuniões e rodadas de negociações, sendo que entre 2020 e julho de 2021, houve 12 rodadas de negociações de nível de comandante de corpo de exército, 10 rodadas de grandes palestras de nível geral e 1450 chamadas em linhas diretas - confirmando o insucesso de uma resolução.
Ao contrário de outros conflitos fronteiriços que a Índia possui, não existe uma linha demarcatória temporária reconhecida tanto pelo governo indiano quanto pela China, e por isso os militares patrulham o território que consideram seu. Isto pode gerar confrontos diretos entre os dois países, como de fato já ocorreu em junho de 2020, por exemplo, quando 20 soldados indianos tiveram suas mortes confirmadas pelo governo, enquanto o número oficial de baixas chinesas não foi anunciado. Desse modo, uma das soluções mais cabíveis é a criação de uma linha fronteiriça temporária reconhecida enquanto as negociações sino-indianas ocorrem, para impedir que haja o choque dos dois grupos militares, embora a China recuse tal ação por preferir um “Código de conduta” e congelamento mútuo do desenvolvimento de infraestrutura de fronteira, considera Bhakal. Além disso, a Índia não reconhece o acordo de 1963 que estabeleceu as fronteiras entre China e Paquistão – vale lembrar que Índia e Paquistão eram colônias britânicas, cujo território foi repartido em 1947, o que os torna rivais quase naturais, leo que explica a aproximação entre China e Paquistão. Um outro fator que chama a atenção para o conflito, a par de envolver um terço da população mundial, é o fato de que ambas as nações são potências nucleares: é impensável que qualquer um possa adquirir seu território reivindicado que o outro lado controla sem lutar uma guerra completa, e talvez nem mesmo assim.
A solução mais plausível para a disputa seria o reconhecimento das fronteiras atuais como oficiais, mas essa, como exposto acima, é uma possibilidade agora distante. Sobre a disputa, Nirupama Rao, ex-embaixadora indiana na China, disse à CNBC: “Não vejo nenhum lado recuando ou reconsiderando quando se trata de ceder para se chegar a um acordo, o que é, obviamente, uma triste realidade com a qual temos que lidar”. É razoável afirmar que falta também vontade política para a resolução da situação, uma vez que, do ponto de vista indiano, ceder à China traria graves consequências na vida política de qualquer partido no poder que concordasse em fazê-lo e, do ponto de vista chinês, já não é mais admissível fazer as mesmas concessões do passado, especialmente considerando que a China possui inúmeras disputas territoriais, não só com a Índia, de forma que qualquer concessão poderia abrir perigosos precedentes.
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