Novas perspectivas de paz no Oriente Médio
Um mês após os líderes dos Estados Unidos (EUA), Israel e Emirados Árabes Unidos (EAU) anunciarem um acordo para normalizar as relações diplomáticas, agora o Bahrein, um pequeno país insular do Golfo Pérsico, também se junta aos esforços diplomáticos de paz, com intermediação estadunidense, num sinal de mudança extraordinária na dinâmica política do Oriente Médio.
O anúncio ocorreu no dia 11 de setembro, data que marcou 19 anos dos atentados terroristas aos EUA, em uma declaração conjunta, no qual os países afirmaram que "a abertura de diálogo direto e laços entre essas duas sociedades dinâmicas e economias avançadas continuará a transformação positiva do Oriente Médio e aumentará a estabilidade, segurança e prosperidade na região". O próprio presidente Donald Trump twittou a notícia, após falar por telefone com o rei do Bahrein, Hamad bin Isa al Khalifa, e com o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu.
Com relação ao escopo do acordo, a Casa Branca disse que Israel e Bahrein "se comprometeram a iniciar a troca de embaixadas e embaixadores, iniciar voos diretos entre seus países e lançar iniciativas de cooperação em uma ampla gama de setores". Assim como o acordo com os Emirados Árabes Unidos, o acordo Bahrein-Israel de sexta-feira normalizará as relações diplomáticas, comerciais, de segurança e outras entre os dois países.
Vale lembrar que o Bahrein havia sediado uma conferência liderada pelos EUA, em junho de 2019, para discutir termos econômicos de uma proposta de solução para o conflito árabe-israelense, e os líderes dos Emirados e da Arábia Saudita, à época, expressaram seu apoio a qualquer acordo econômico que beneficiasse os palestinos. No entanto, os líderes palestinos boicotaram a cúpula, dizendo que o governo Trump não era um mediador honesto em quaisquer negociações futuras com Israel.
No último dia 15 de setembro, os acordos feitos entre Israel e Emirados Árabes Unidos, e mediados pelos EUA, foram celebrados conjuntamente com o acordo entre Bahrein e Israel, num documento geral intitulado “Os Acordos de Abraão”, assinados em uma cerimônia realizada na Casa Branca. Quanto ao seu conteúdo, as partes concordaram em estabelecer relações diplomáticas e de amizade, cooperação plena e normalização dos laços entre seus povos que contribuam para a construção de um Oriente Médio mais estável, pacífico e próspero. Nesse sentido, os princípios gerais do acordo são orientados pelas disposições da Carta das Nações Unidas e pelos fundamentos do Direito Internacional. Também está previsto que os Estados-membros do pacto, através da coordenação em outras esferas, celebrem acordos bilaterais em setores de interesse mútuo, como: finanças e investimento, aviação civil, vistos e serviços consulares, inovação e tecnologia, comércio e relações econômicas, turismo e meio ambiente, e entre outras. A declaração também indica que as partes devem se unir aos EUA para desenvolver uma “Agenda Estratégica para o Oriente Médio” – um esforço para expandir a diplomacia, a estabilidade e a segurança regional. A referência à Abraão diz respeito ao entendimento e compromisso de respeito à uma cultura de paz entre os povos árabes, judeus e cristãos no espírito de seu ancestral comum, que os inspirou a fomentar uma realidade de coexistência e compreensão mútua.
O Tratado de Paz entre Israel e EAU normaliza as relações diplomáticas entre os países e estabelece princípios diplomáticos de respeito, cooperação e coordenação que as orientarão, versando também sobre o estabelecimento de uma Agenda Estratégica para o Oriente Médio, visando promover paz, estabilidade e prosperidade na região. Para tal, princípios foram acordados para a cooperação em domínios específicos (constantes no Anexo do acordo) de esferas estrategicamente importantes, como: Inovação, Comércio e relações econômicas; Ciência, tecnologia e usos pacíficos do espaço sideral; Agricultura e Segurança Alimentar; Telecomunicações e Correios etc. O tratado não insta um mecanismo específico de solução de controvérsias para os países; apenas declara que litígios decorrentes da sua aplicação ou interpretação serão resolvidos por negociação. Sua entrada em vigor ocorrerá quando e se houver ratificação por parte de cada Estado, conforme seus respectivos procedimentos nacionais.
Os acordos não foram bem recebidos pelos palestinos, que sempre reivindicaram a subordinação de qualquer negociação entre Israel e os países árabes à resolução preliminar de sua disputa com Israel. Para minar os acordos, Hamas lançou ataques de foguetes contra Israel no dia da assinatura dos acordos, o que gerou uma resposta armada israelense. Apreensivo em relação a aceitação do seu Estado, o povo palestino agora teme, mais do que nunca, pela não retirada israelense do território já ocupado, e apesar da promessa de esforços para encontrar uma resposta justa, a normalização das relações com Israel, segundo a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), representa mais do que um dano a esse povo. Ao condenar os acordos, a liderança palestina assinalou que o conflito israelense-palestino, ao contrário do que se imagina, parece cada vez mais distante de uma resolução nos moldes esperados. Sem a aprovação regional e a intervenção estadunidense, a conclusão dessas negociações não seria possível, o que torna a situação ainda mais preocupante para essa população.
Contudo, os signatários dos acordos acreditam que o Oriente Médio pode ser impactado positivamente, dispondo de uma maior estabilidade e segurança. Hamad bin Isa, em comunicado à imprensa, mencionou que, a partir de uma solução de dois Estados, é possível alcançar uma nova era de paz entre israelenses e palestinos.
Os estadistas também reconhecem a importância histórica do tratado com Bahrein: assinado menos de 30 dias depois da normalização das relações com os EAU, é a conciliação mais rápida desde a independência de Israel e sinaliza que mais estará por vir. Nesse sentido, como próximo passo, as autoridades israelenses esperam estabelecer relações diplomáticas com outros países árabes antes de chegar a uma solução pacífica da questão palestina.
Alguns especialistas consideram que tais iniciativas representam uma esperança de paz no conflito árabe-israelense, fornecendo uma estrutura capaz de garantir os direitos dos palestinos, pois Israel terá o compromisso de mudar suas posições e políticas em relação a Palestina se quiser alcançar prestígio na região. Para os EAU, as vantagens da conciliação são incomparavelmente melhores que o custo causado pelas tensões nas últimas décadas, além de ser uma oportunidade única de superação das hostilidades e implementação de uma estabilidade permanente na região.
É preciso entender que a percepção de segurança mudou radicalmente entre os países do Golfo e outros Estados árabes moderados. Eles enxergam Irã como a grande ameaça regional. A zona de influência iraniana perpassa a Síria, Líbano, Palestina, Iraque e Iêmen, e há um claro antagonismo entre Irã e os países do Golfo. Israel, que está envolvido em um conflito indireto com o Irã na Síria, Líbano e Palestina, torna-se um “inimigo do inimigo”. Não é de surpreender que os acordos provocaram reações adversas também por parte do Irã. Os iranianos estão considerando esse movimento como uma traição e ameaça direta ao Irã. Desse modo, estão fazendo duras críticas e fomentando desconfiança em relação àqueles que simpatizam com os acordos, sentimentos evidenciados na fala do político conservador e ex-militar iraniano Mohammad Bagher Ghalibaf: "Qualquer pessoa que planeje fazer amizade com o regime sionista é um traidor, um criminoso e um cúmplice". No tocante ao Bahrein, o Irã ainda suscitou questões que ligam esse país à Arábia Saudita e aos EUA, com o intuito de expor uma influência política desses agentes como fomentadora da decisão tomada por este. Dentre elas, a de que o Bahrein, aliado próximo da Arábia Saudita e lar da sede regional da Marinha dos EUA, recebeu uma ajuda econômica de US$ 10 bilhões em 2018 feito por estes dois países.
Nesse contexto, muito se especula acerca da possibilidade da Arábia Saudita, que é um dos países mais influentes do Oriente Médio e um aliado próximo dos EUA, de seguir a atual tendência observada nos últimos dias. Entretanto, o país possui líderes autocráticos que são sensíveis à opinião pública sobre essas questões e têm um longo histórico de apoio à causa palestina, não estando disposto a adotar essa mudança significativa, pelo menos por enquanto.
Em suma, esse novo acordo, juntamente com o anterior, marca uma recente inclinação dos países do Oriente Médio a considerarem Israel como uma alternativa ao Irã, que vem se tornando cada vez mais hostil. Desse modo, o governo Trump aproveita a oportunidade para persuadir outros países árabes sunitas preocupados com o Irã a se envolverem com Israel, ao passo que incentiva tais países a separarem a questão palestina de seus próprios interesses nacionais e de sua política externa, numa dinâmica que sinaliza aos palestinos que suas demandas não ditam mais a dinâmica mais ampla da região.
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