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Nepal: um pequeno país no tabuleiro geopolítico de dois gigantes asiáticos


Recentemente, o Nepal, país asiático da região dos Himalaias, tem se visto em uma situação delicada: além da violenta pandemia e da iminente crise econômica global somada a inundações e deslizamentos de terra devastadores na região, a nação do Himalaia vem enfrentando turbulências nos assuntos de política externa e fronteiras. Os litígios fronteiriços envolvendo seus vizinhos gigantes, a Índia e a China, aprofundaram as tensões no atual governo e reacenderam o debate sobre o futuro das relações do Nepal com os indianos e chineses. Para compreender, é necessário ter em mente a condição geoestratégica que o país tem na região para os seus dois principais vizinhos: a Índia e a China.

Historicamente, a Índia é o maior parceiro comercial do Nepal, sendo responsável, em 2017, por 65% de suas importações e 57% de suas exportações. Ao longo das décadas, no entanto, Nova Délhi tomou vantagem de sua posição de poder em suas negociações com seu vizinho do Himalaia, alavancando a dependência do país sem litoral para ter acesso ao mar. A Índia considera o Nepal como central em sua estratégia política por diversos aspectos, um deles seria manter a clara dominação comercial indiana no país, controlando diversos setores da economia na região. Outro aspecto seria a intenção de estreitar relações com todos os seus vizinhos da Associação Sul-Asiática para a Cooperação Regional, uma organização política e econômica de oito países na Ásia Meridional, estando o Nepal entre eles.

Para a China, o Nepal constitui um ator fundamental no âmbito de sua política externa na região do sul asiático. Vale lembrar que, por ser localizado ao sul do Tibet e ao norte da Índia, o Nepal representa uma das regiões que formam um “cordão de segurança” que separa parte do território chinês da Índia. Em decorrência da sua posição estratégica, os interesses chineses tornaram-se ainda mais proeminentes após a crise política de 2008, quando houve a eclosão de movimentos anti-China e milhares de refugiados tibetanos no Nepal protestaram contra as ações do governo chinês no Tibet. Ficou clara então a necessidade do governo chinês estreitar relações com o governo nepalês para conter as insurgências políticas na região. Além disso, ao se alinhar com o governo nepalês, a China busca apoio regional no reconhecimento do Tibet como um território chinês, mitigando também a influência indiana na região. O estreitamento de laços com o Nepal representa ainda a estratégia da China de se reafirmar como a potência hegemônica regional, exemplificado através de uma série de ações e atitudes do país.

Em maio deste ano, a Índia inaugurou uma estrada em um trecho estratégico de três vias com o Nepal e a China. Desde então, Katmandu tornou-se um centro de disputa entre os rivais Pequim e Nova Délhi. A princípio, Sharma Oli, primeiro-ministro nepalês, compreendendo o episódio como um ataque a soberania do seu país, adotou uma postura nacionalista. Contudo, apesar de ter conquistado o apoio da população em geral, o posicionamento do líder atraiu críticas de seu principal adversário: o ex-primeiro-ministro Pushpa Kamal Dahal, conhecido como “Prachanda”, do Partido Comunista do Nepal (PCN) que, há muito, exige a renúncia de Sharma. Os dois, anteriormente aliados dentro do PCN, tornaram-se inimigos após Oli ter descumprido o termo de compartilhamento da presidência do partido.

Em vista disso, o então primeiro-ministro, além de acusar seus rivais políticos de confabular com a Índia para retirá-lo do poder, também é apontado como defensor de uma posição pró-China e anti-Índia. Por isso, mais recentemente, a mídia indiana tem noticiado toda a crise, evidenciando o apoio de Pequim à Oli e supondo um afrontamento à Nova Délhi. Esse ataque ao líder nepalês confirma a hipótese de que a Índia desempenha um papel importante na tentativa de derrubar o seu governo. Ainda assim, o relacionamento de Prachanda com os indianos não é sólido e permanente. Existe um certo rancor pelo fato de a Índia ter apoiado e pressionado a renúncia de Pushpa do cargo de primeiro-ministro em 2009.

Mesmo em um cenário em que Oli renuncie, Pequim manterá seu papel de equilíbrio no território, porque o medo do domínio indiano ainda é algo muito latente na região do Himalaia. Além disso, a coesão do PCN é mais importante para a China do que a permanência do atual primeiro-ministro. A falta de acesso ao mar e a parceria comercial alimentam a dependência em relação à Nova Délhi, que se aproveita desse vínculo para bloquear continuamente o país. A inciativa chinesa, One Belt, One Road, forneceu quatro rotas alternativas de transporte que dão acesso ao mar para o Nepal, o que motivou a nação a aderir oficialmente ao projeto em 2017.

Contudo, a China vem recentemente avançando aos poucos em território nepalês e já anexou mais de 150 hectares, de acordo com a denúncia de alguns políticos nepaleses. Os incidentes ocorreram meses após as mortais colisões na fronteira entre as tropas chinesas e indianas, que deixaram o Nepal num impasse, pois esse país depende tanto da China, maior parceiro investidor, quanto da Índia, maior parceiro comercial; e é também um estado-tampão entre as duas potências, sendo uma possível guerra na região um fator que afetaria fortemente o país.

Nesse cenário, desde maio a China supostamente começou a confiscar terras nepalesas em cinco distritos fronteiriços e a enviar membros do Exército de Libertação do Povo (ELP) para áreas fronteiriças indefesas. Dentre esses distritos estão Humla e Gorkha, nos quais as tropas do ELP cruzaram a fronteira e sorrateiramente moveram pilares de pedra que anteriormente delineavam a fronteira para o território nepalês, além de estabelecerem alegadas bases militares no primeiro, provavelmente motivada pela visão estratégica do distrito dos picos das montanhas sobre o Himalaia.

Da mesma forma, os distritos de Rasuwa, Sindhupalchowk e Sankuwasabha, que possuem rios como fronteiras naturais com a China, também foram anexados depois que engenheiros chineses na Região Autônoma do Tibete desviaram o fluxo dos rios naturais e reivindicaram o território nepalês anteriormente submerso. Apesar de, em junho, um relatório do próprio Departamento de Mapeamento e Pesquisa do Nepal alegar que a China alterou deliberadamente o curso desses rios, este fato foi rejeitado por fontes do governo nepalês.

O comportamento surpreendente do Nepal de não mostrar reações e nem dar declarações oficiais sobre os ocorridos se insere num contexto maior. Essa complacência é motivada principalmente por três razões: o atual governo do PCN vê o Partido Comunista Chinês (PCC) como um irmão ideológico; o país não possui uma ampla experiência diplomática; e está em posição de dependência, onde a decisão de permanecer em silêncio por medo de retaliações em caso de uma resistência à tomada de suas terras por uma potência global expansionista parece ser a única saída pacífica de lidar com essa fatalidade.

Entretanto, a aparente inação vem seguida por uma aproximação com a Índia, único país que pode servir como alternativa para o Nepal neste momento, mesmo ainda havendo alguns estranhamentos entre esses dois países nos últimos anos. Assim, a Índia vê o tom reconciliatório expresso pelo Nepal como uma oportunidade para expandir sua influência e conseguir um aliado para contrapor-se à China na região. O recente histórico de relações entre os países inclui um encontro do Ministro das Relações Exteriores da Índia, Harsh Vardhan Shringla, com o Presidente, o Primeiro Ministro e o Ministro das Relações Exteriores do Nepal marcado para 26 e 27 de novembro de 2020, o envio do chefe da espionagem indiano para o Nepal há cerca de duas semanas, e a nomeação, há alguns dias, de um título honorário de General do Exército do Nepal concedido ao Chefe do Exército Indiano, General MM Naravane.

Dessa forma, o impasse vivido pelo Nepal mostra como deve escolher sabiamente com qual de seus parceiros se alinhará, tendo em vista que agora um importante componente está em jogo: seu próprio território. Ademais, o ocorrido também serve como aviso a outros países que mantém fortes relações com a China, pois o aparente investimento e ajuda que o país proporciona pode ser mais um caso de “debt-trap diplomacy” (diplomacia da armadilha da dívida), uma estratégia para criar dependência e extrair concessões que beneficiam as ambições chinesas.

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