Mudança na Doutrina Nuclear Russa
No dia 25 de setembro de 2024, o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, realizou uma reunião com o Conselho de Segurança Russo sobre a necessidade de uma reformulação na doutrina nuclear utilizada até então pela Rússia. Em reunião, Putin afirmou que essa mudança deve ser realizada para que seja definido mais claramente em quais situações seu país faria uso do poderoso arsenal nuclear que possui. De acordo com Sergei Kartapolov, cientista político russo e membro da Duma Federal da Rússia (o Parlamento russo), essa mudança ocorre para “garantir que a doutrina corresponda às realidades de hoje” e, neste sentido, aumentar a lista de situações que justificam o uso do poder nuclear.
A doutrina nuclear anterior reservava à Rússia o direito de utilizar armas nucleares somente em resposta a uma situação de agressão contra seu território, que ameaçasse a sua existência ou a sua soberania, por qualquer Estado através do uso de armas, sendo estas convencionais ou não. Contudo, tal doutrina, estabelecida por meio de um decreto de 2020, pode ser descrita como bastante restritiva, uma vez que cria “incerteza e ambiguidade sobre a possibilidade de uma resposta” por parte de Moscou, e, portanto, seria necessário que a Rússia delimitasse “mais claramente, mais distintamente e mais definitivamente o que poderia acontecer” num contexto de agressão.
Putin afirma que, com a reformulação da doutrina vigente, o uso do arsenal nuclear pode ser viável contra qualquer Estado agressor e seu apoiador. Assim, uma agressão contra a Rússia, por qualquer Estado não nuclear, apoiado por uma potência nuclear, que atinja seus limites territoriais com armas convencionais ou nucleares, e represente uma ameaça crítica à existência do Estado russo, deve ser considerada como um ataque coordenado conjunto contra a Federação Russa, e os dois países poderão sofrer uma retaliação nuclear da Rússia. A mudança se deve a desenvolvimentos recentes no conflito russo-ucraniano. Por exemplo, a Ucrânia tem buscado autorização para lançar ataques contra alvos no território russo com o uso de misseis cruzeiro de longo alcance. Nesse caso, é sabido que tal ataque não poderá ocorrer sem a participação direta dos ativos pessoais e operacionais do país de origem do míssil (Estados Unidos, Reino Unido, França ou Alemanha).
Um outro aspecto da mudança é a inclusão da Belarus, com quem a Rússia mantém um Tratado de União, debaixo do guarda-chuva de proteção nuclear da Rússia.
Desse modo, o conflito militar com a Ucrânia, que perdura desde fevereiro de 2022, pode abrir uma margem de manobra para que Putin considere dispor do poderoso arsenal nuclear russo, como medida de defesa contra as ações militares do Ocidente, sob a premissa, segundo o próprio Putin, de evitar uma catástrofe nuclear de dimensões inimagináveis com os Estados Unidos e seus aliados europeus. Ademais, o emprego do arsenal se justificaria caso informações sobre um ataque massivo aeroespacial ou terrestre contra a Rússia ou sua aliada, Belarus, se confirmassem.
Apesar disso, a Ucrânia reafirma a importância do apoio ocidental à luta pela sua soberania e apela para que o Ocidente não acredite nas “falsas” ameaças da Rússia, sob a premissa de que Putin não têm mais instrumentos para intimidar o mundo livre e por isso, tenta intimidar Kiev e seus aliados com o seu poderio nuclear. Mas qual o país que acreditaria na Ucrânia e arriscaria uma guerra nuclear com a Rússia?
De acordo com o jornal The Washington Post “nos últimos anos, o diálogo entre Moscou e Washington sobre o controle de armas nucleares praticamente parou, enquanto o uso de chantagem nuclear disparou”. Maxim Stachak, em uma análise recente para o Carnegie Endowment, afirmou que “com chantagem nuclear, Moscou está tentando recriar a ordem mundial que prevaleceu na segunda metade do século XX”. Sendo assim, a Federação Russa fora pressionada a alterar sua doutrina nuclear para evitar uma escalada total do conflito com o Ocidente, que resulte em consequências mais graves.
A Rússia alega que os seus objetivos são garantir a segurança de suas fronteiras e a sua própria existência como Estado soberano, tendo por fim a neutralização da Ucrânia, em meio à tentativa dos EUA de expandir a OTAN para os limites do seu território, sufocar sua economia, através de sanções internacionais e congelamento de ativos, e isolá-la do cenário internacional, sob a égide de uma controversa ideia de democracia propagada por Washington para uma Ucrânia cada vez mais distante de alcançar uma vitória clara nesse conflito. Putin comanda uma máquina de guerra disposta a dissuadir qualquer potencial ameaça ao seu território e a questionar a hegemonia norte-americana da ordem mundial, com isso, a nova doutrina nuclear abrirá uma margem de manobra para o uso de armas nucleares contra um país não nuclear e seu aliado nuclear, tendo em vista as restrições impostas pela antiga doutrina à atuação da defesa russa em meio a uma escalada do conflito. “Esse é um sinal que alerta esses países sobre as consequências se eles participarem de um ataque ao nosso país por vários meios, e não necessariamente nucleares”, afirmou Dmitry Peskov, porta-voz do Kremlin.
Apesar das falas proferidas durante a reunião do Conselho de Segurança da Rússia, o presidente russo não especificou quando a nova doutrina entraria em vigor, mas recebeu duras críticas dos porta-vozes da União Europeia e dos Estados Unidos. Horas mais tarde, na quinta-feira, o bloco europeu rejeitou a decisão de Putin e a considerou como “imprudente e irresponsável”. Aos repórteres, Peter Stano, porta-voz de Política Externa da União Europeia, afirmou que a União Europeia rejeita fortemente as ameaças russas e reitera o apoio à causa ucraniana.
Os Estados Unidos reiteraram a declaração da União Europeia. Antony Blinken, atual Secretário de Estado dos Estados Unidos, colocou a ameaça do presidente Vladimir Putin como “totalmente irresponsável". Ele acusou Putin de "agitar o sabre nuclear", sugerindo, ainda, que os comentários do presidente russo foram mal cronometrados, já que os líderes mundiais se reúnem em Nova York para a Assembleia Geral da ONU na mesma semana.
Como observado em post anterior, os EUA também introduziram alteração na sua doutrina nuclear, embora mantenham segredo sobre seu conteúdo. As ações das duas potências nucleares são preocupantes, e ocorrem num quadro mais amplo de escalada de tensão envolvendo os principais atores do teatro geopolítico.
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