Jogos de Guerra Perigosos
A Crimeia foi incorporação pela (ou unida à) Russia em 2014, e tal ação vem, desde então, sendo resistida pelo Ocidente. Além da adoção de sanções contra a Rússia, os países ocidentais negam-se a reconhcer a Crimeia como território russo. Até o dia 22 de junho de 2021, porém, não houve uma ação militar que desafiasse a soberania russa sobre a Crimeia.
Depois de firmar um acordo militar naval com a Ucrânia, o governo britânico tomou uma decisão surpreendente. No dia 23 de junho, o destróier britânico HMS Defender deixou o porto de Odessa (cidade na Ucrânia) em direção a um porto da Geórgia. No seu percurso, o destróier britânico entrou em águas territoriais da Crimeia, percorrendo 3 km dentro da fronteira no entorno do Cabo Fiolent e deixando a região minutos depois.
O incidente tem suscitado diferentes versões entre as duas partes diretamente envolvidas. O Ministério da Defesa da Rússia alega que o navio de guerra britânico violou a soberania russa, ao adentrar em águas territoriais russas, e como o destróier não deixava as águas mediante os avisos, um navio da marinha russa teriam disparados tiros de advertência nas proximidades do navio britânico, aviões russos sobrevoaram o navio, e um deles teria lançado quatro bombas na rota do navio, fazendo-o finalmente recuar e sair das águas. O vice-ministro russo das Relações Exteriores não descarta a possibilidade de bombardear o navio caso o Reino Unido repita a ação: “Podemos apelar ao bom senso, exigir respeito ao direito internacional e, se isso não funcionar, podemos bombardear”. O país alega ter dado vários avisos antes de utilizar da força para forçar o navio a mudar sua trajetória. Diante da alegada violação de soberania, o Ministério de Relações Exteriores da Rússia convocou a embaixadora britânica no país para dar melhores explicações sobre o ocorrido.
Por sua vez, o Reino Unido alegou que estava realizando algo que o direito internacional classifica como “passagem inocente”: mesmo que as águas de um país sejam de autoridade soberana dele, um navio estrangeiro pode passar por elas caso não represente ameaça à segurança do país soberano e respeito às leis do Estado costeiro. Logo, por não reconhecer a soberania russa na Crimeia, o destróier estaria realizando uma passagem de rotina em águas soberanas da Ucrânia em um corredor reconhecido internacionalmente, e não da Rússia. Ainda, em comunicado oficial por redes sociais, o Ministério de Defesa britânico nega que tiros de advertência tenham sido disparados contra o HMS Defender, pois os russos estariam apenas realizando exercícios de artilharia militar no Mar Negro - movimento que teria sido avisado com antecedência à comunidade internacional. Entretanto, repórteres da BBC e do Daily Mail que estavam no navio na hora do incidente alegam ter escutado um aviso da guarda costeira russa dizendo que caso o navio não mudasse o curso, ela atiraria. Um vídeo foi também liberado pelo governo russo que mostra o navio britânico sendo seguido por um navio russo e os aviões militares russos sobrevoando a área.
O incidente ressuscita antigas tensões entre a Rússia e países membros da OTAN, mostrando que as dinâmicas da Guerra Fria não estão inteiramente descartadas das relações internacionais. A questão é saber até que ponto o Ocidente está disposto a arriscar para defender a Ucrânia, que, vale lembrar, ainda não é membro da OTAN. Fato é que a OTAN está se aproximando progressivamente das fronteiras russas, após a admissão dos países da Europa do leste que integravam o Pacto de Varsóvia e os países bálticos. Agora, além de se envolver com a Ucrânia e a Geórgia, a OTAN está aumentando sua presença militar no Mar Negro. Neste mês de julho de 2021, a Ucrânia e os países membros da OTAN (24 no total), incluindo os Estados Unidos, estão conduzindo uma grande exercício naval no Mar Negro, intitulado “Brisa do Mar”, que simula até o desembarque de tropas no litoral. Como parte de um outro exercício militar da OTAN, forças dos Estados Unidos estacionadas na Romênia lançaram foguetes sobre uma área do Mar Negro.
Esse jogo político-militar-estratégico é muito perigoso. A Rússia, uma potência nuclear, considera a Crimeia parte do seu território, e certamente estará disposta a arcar com todas as consequências para defendê-la. Armando e treinando as forças armadas da Ucrânia, realizando manobras militares com forças ucranianas na região, negando-se a reconhecer a Crimeia como territorio russo, e testando as defesas russas com incursões nas águas territoriais da Crimeia, a OTAN está levando a situação aos limites do conflito armado.
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