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Irã e Turquia: aliados ou antagonistas?


Irã e Turquia têm mostrado ainda mais assiduidade no jogo de poder na Ásia e no Oriente Médio. As relações entre os dois países passam por momentos de tensão, antagonismo e cooperação.

Com a criação da Turquia moderna, sob o governo de Mustafa Kemal (1923-38), a política externa turca voltou-se majoritariamente ao Ocidente. Entretanto, a política externa de Recep Erdogan caracteriza-se pela noção de dupla gravidade, isto é, a Turquia não é anti-Ocidente - tendo a Europa como principal receptor de suas exportações -, mas também volta-se ao Oriente Médio, na tentativa de assumir o papel de Estado preponderante da ordem regional. A preocupação maior da política externa da Turquia estaria, em parte, relacionada a um problema doméstico, ou seja, a questão dos curdos, que equivalem a cerca de 20% da população turca e reivindicam a formação de seu próprio Estado.

Por isso, a Turquia tem inverdido militarmente no Iraque, onde pelo menos 15% da população é curda e, segundo alegam os turcos, há forte presença do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão - sigla em inglês), que é considerado pelo governo turco como um grupo terrorista que ameaça à integridade de seu território. O PKK, por seu turno, afirma estar lutando pela autodeterminação do povo curdo. Em fevereiro deste ano, por exemplo, a Turquia lançou uma operação militar turca no norte do Iraque que resultou na morte de 13 reféns, os quais a Turquia alega terem sido assassinados pelo PKK. A intervenção turca foi duramente repreendida pelo porta-voz do Parlamento iraquiano, que pediu respeito à soberania de seu país. Irã, aliado natural do Iraque (pois os dois países são de maioria xiita), também condenou a invasão do território iraquiano.

A complexidade das relações turco-iranianas se estende ao tabuleiro geopolítico da Síria também. Na guerra civil da Síria, os países estão em lados opostos. Enquanto o governo turco tem apoiado os rebeldes que buscam expulsar Al-Assad, o Irã apoia a Síria. Ao mesmo tempo, ambos envidam esforços de cooperação com o intuito de encontrar uma solução pacífica para o conflito. No início de 2019, fontes governamentais sírias mostravam que duas novas alianças estavam surgindo no norte sírio: uma liderada por Irã e Turquia, e outra pela Arábia Saudita e Rússia. Enquanto a Turquia e o Irã forjavam um pacto informal para operar no norte do Iraque e no norte da Síria, a Rússia e Arábia saudita trabalhavam um acordo para que o governo da Síria e as Forças Democráticas Sírias Lideradas pelos Curdos (FDS-C) chegassem a um acordo mútuo, já que a Arábia Saudita possuía fortes laços com tribos árabes aliadas ao FDS-C (inclusive com Shammar, a mais poderosa do norte sírio). O motivo da aproximação truco-iraniana seria basicamente comercial, pois o Irã é o maior fornecedor de petróleo da Síria, mas devido às sanções impostas aos dois países, Irã não conseguia exportar o produto. A Turquia, mesmo oposta ao governo de Bashar Al-Assad, trabalhava com o Irã para encontrar um meio de enviar petróleo iraniano à Síria pelos portos turcos ocidentais, enquanto o governo sírio pagaria para transportar o petróleo iraniano da Turquia por meio das áreas controladas pelos rebeldes. Por sua vez, a Rússia vem facilitando a reaproximação entre a Síria e a Arábia Saudita, visando ao fim das hostilidades entre os dois governos e o fortalecimento da base de apoio de A-Assad na Liga dos Estados Árabes.

Todavia, em meados de outubro de 2019, a Turquia iniciou uma ofensiva militar para remover a FDS-C do norte-nordeste sírio (região econômica importante e com forte presença de curdos), aproveitando a retirada das tropas estadunidenses da fronteira Turquia-Irã pelo então presidente Donald Trump. A maioria dos países árabes e europeus assim como o Irã, classificou a intervenção turca como uma violação à soberania síria e possível gatilho para novas instabilidades. Entretanto, o governo iraniano, grande parceiro comercial da Turquia, com quem compartilha sua fronteira noroeste, agiu apenas verbalmente, sem enviar tropas paramilitares para defender a soberania síria e os territórios controlados pelos curdos. A repreensão iraniana à ação militar turca no nordeste sírio pode ser benéfica ao Irã, pois seria mais fácil expulsar da região militantes sírios aliados da Turquia (alguns ligados ao grupo terrorista Al-Qaeda) do que curdos apoiados pelos Estados Unidos e demais potências ocidentais.

Dessa forma, Irã encontra-se num dilema: o Corpo de Guardas Revolucionários Islâmicos possui em comum com a Turquia o objetivo de impedir que os curdos conquistem a independência, mas também teme o fortalecimento dos rebeldes sírios aliados da Turquia. Além de se preocupar com os curdos sírios e rebeldes apoiados pelo governo turco, os iranianos temem a possível volta do intervencionismo dos EUA na Síria. Irã age com cautela não só pelo medo de maior autonomia aos curdos, mas também pelo fato do FDS-C supostamente ter estreitado relações com Israel, o grande inimigo regional do Irã.

O embate entre Turquia e Irã está oficialmente admitido. A agência estatal turca Anadolu publicou um artigo criticando as tensões com o Irã sobre a Síria. O artigo argumenta que a visão de integração e desenvolvimento regional turca é prejudicada pela estratégia regional do Irã, e que, desdenhando da preocupação turca de combater o terrorismo no norte da Síria e de prevenir uma crise humanitária, Irã estaria colocando milícias xiitas em ação na Turquia. Já os meios de comunicação iranianos (especialmente da ala linha-dura do Irã) comparam os movimentos militares da Turquia na Síria aos bombardeios de Israel contra as forças pró-Assad, alertando a Turquia sobre uma possível reação agressiva do Irã às duas ameaças. Logo, vê-se uma situação de crescente instabilidade em meio ao processo de paz na Síria. No início de 2020, a milícia apoiada pelo Irã e a Rússia violou o cessar-fogo na província síria de Idlib, controlada por rebeldes, com ataques frequentes contra tropas turcas, enfraquecendo ainda mais a posição turca no movimento militar realizado.

Recentes tensões na região de Nagorno-Karabakh estenderam a disputa geopolítica para a região do Cáucaso. Irã estaria preocupado com o aumento “excessivo” da penetração turca no Cáucaso Sul, o que o tem levado a adotar políticas para retomar sua influência na região. Nesse sentido, em janeiro deste ano, o Ministro das Relações Exteriores iraniano, Javad Zarif, viajou ao Azerbaijão, à Rússia, à Armênia, à Geórgia e à Turquia com o objetivo de promover a cooperação regional “para o benefício de todas as partes”. Vale ressaltar que todos os países supracitados - à exceção da Rússia - possuem curdos em seus territórios.

De possíveis aliados regionais, Irã e Turquia cada vez mais dão indícios de novas animosidades que suplantariam a crise na Síria e colocariam em risco a segurança e a paz internacionais.

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