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Guerra Agrícola entre a Ucrânia e Membros da União Europeia



O setor comercial de grãos na Ucrânia enfrenta desafios significativos desde o início de 2023, devido às restrições econômicas impostas pela União Europeia (UE). A UE respondeu à invasão russa na Ucrânia por meio da implementação de medidas de controle, que incluíam cotas e tarifas sobre produtos alimentícios ucranianos. No entanto, a entrada massiva de grãos ucranianos de baixo custo nos mercados europeus ameaçou os agricultores em países da UE, como Bulgária, Hungria, Polônia, Romênia e Eslováquia, que alegaram que o aumento súbito dos produtos ucranianos em território europeu estava interferindo nos preços das mercadorias locais. Esses países questionam também a qualidade dos grãos ucranianos, que estariam apresentando altos níveis de pesticidas proibidos na União Europeia, colocando em risco a saúde pública. Após suspender os impostos sobre todas as importações provenientes da Ucrânia, devido à situação de guerra, a UE voltou atrás da decisão e impôs proibições temporárias, promulgadas no dia 2 de maio de 2023 e aplicadas especificamente a esses cinco países da União. Sob essas restrições, quatro produtos ucranianos (trigo, milho, colza e girassol) eram permitidos apenas para trânsito pelos cinco países, sem a permissão de permanecerem em seus mercados para consumo interno ou armazenamento.

Embora a Comissão Europeia tenha se comprometido a eliminar gradualmente essas proibições até 15 de setembro, alguns países demonstraram insatisfação e a intenção de não seguir as regras estipuladas pela Comissão. No dia 14 de setembro, pouco antes do prazo estipulado, a UE anunciou a revogação das proibições temporárias; em troca, a Ucrânia concordou em introduzir "medidas legais", como um sistema de licenciamento, dentro de 30 dias, com o objetivo de evitar aumentos descontrolados nas exportações de grãos e de reforçar o controle sobre os quatro produtos agrícolas anteriormente incluídos na "lista negra" das proibições, visando a evitar distorções de mercado nos países vizinhos. No entanto, no meio de especulações de que a Presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, as deixaria “na mão”, a Polônia, Eslováquia e a Hungria anunciaram a intenção de impor suas próprias proibições nacionais de forma unilateral, demonstrando insatisfação com o acordo.

Desde o início, as proibições têm sido um ponto de tensão crescente entre a União Europeia e a Ucrânia, que as consideram "inaceitáveis" e contrárias ao espírito de solidariedade, demonstrado em relação ao país após o início da guerra em larga escala pela Rússia. Apesar disso, os cinco países do leste insistiram veementemente na extensão das proibições até o final do ano e possivelmente em incluir produtos “além de cereais e oleaginosas”. A Polônia, o maior país do grupo, liderou essa campanha pública, adotando uma atitude inflexível e ameaçando abertamente a Comissão Europeia, com a imposição de uma proibição unilateral em todo o país sobre os cereais ucranianos após 15 de setembro. Em um comício na sexta-feira (15), o Primeiro-Ministro da Polônia, Mateus Morawiecki, afirmou: “Vamos estender esta proibição, apesar da discordância deles, apesar da discordância da Comissão Europeia. Vamos fazer isso porque está no interesse do agricultor polonês”.

É interessante observar que a Polônia é uma das mais fervorosas aliadas da Ucrânia na luta contra a Rússia; no entanto, o cenário político na Polônia está prestes a passar por uma transformação significativa, à medida que as eleições gerais se aproximam. Em 15 de outubro, a Polônia irá às urnas para eleições parlamentares que têm o potencial de remodelar a paisagem política do país. A invasão da safra ucraniana representa um desafio inesperado para o partido governante polonês, o PiS (sigla do polonês Prawo i Sprawiedliwość), também conhecido como Lei e Justiça, amplamente descrito como sendo de direita. O PiS, que tem estado no poder desde 2015, enfrenta desafios significativos, pois perdeu parte substancial do apoio que desfrutava nas últimas eleições, realizadas há quatro anos. Pesquisas de opinião indicam que o PiS pode não ser capaz de obter uma maioria parlamentar por conta própria, o que torna provável a busca por um parceiro de coalizão para formar o próximo governo. O resultado das eleições permanece incerto, e ainda não está claro com qual partido ou grupo o PiS buscará uma aliança para garantir a governabilidade do país. Essa incerteza política torna o cenário ainda mais desafiador, já que a Polônia se encontra em uma posição delicada, apoiando ativamente a Ucrânia em meio ao conflito com a Rússia, enquanto lida com questões internas e eleições que podem determinar a direção futura do país.

A Hungria também anunciou suas próprias medidas de bloqueio para proteger seus agricultores. O país emitiu um decreto que proíbe a importação de 24 produtos agrícolas ucranianos, abrangendo uma variedade que inclui grãos, vegetais, mel e diversos tipos de carne. Esses produtos serão retidos na fronteira e permitidos apenas para trânsito em direção a outros países. Um porta-voz do governo húngaro, citando o Ministro da Agricultura, afirmou que “a Hungria está tomando medidas por conta própria para proteger seus agricultores, e vai manter e ampliar a proibição de importação em sua jurisdição nacional”. Além disso, a Eslováquia estendeu sua proibição de grãos da Ucrânia, alegando a necessidade de proteger seu mercado interno. Assim, o Ministério da Agricultura da Eslováquia anunciou na sexta-feira sua própria extensão da proibição de grãos da Ucrânia, afirmando que o país deve proteger seu “mercado interno”.

Em resposta às restrições às suas exportações agrícolas para a UE, a Ucrânia adotou uma abordagem assertiva, e ameaçou levar tanto o bloco econômico quanto os seus países membros à Organização Mundial do Comércio (OMC), para discutir as questões, se as restrições não fossem suspensas ainda este mês. Taras Kachka, vice-ministro da Economia da Ucrânia, declarou: “Com total respeito e gratidão à Polônia, em caso de introdução de quaisquer proibições após [15 de setembro], a Ucrânia levará o caso contra a Polônia e a UE à Organização Mundial do Comércio”. A Ucrânia fundamenta sua posição com base na alegação de que essas restrições violam o acordo de livre comércio UE-Ucrânia de 2014, que estabeleceu uma parceria comercial importante entre as partes. Essa ameaça de ação legal foi ecoada por Igor Zhovka, assessor sênior do presidente Volodymyr Zelensky, que alertou que, se a UE não agir contra os países que violam o acordo comercial, a Ucrânia "reserva-se à escolha dos mecanismos legais sobre como responder." O Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia também indicou que está considerando iniciar procedimentos de arbitragem, com base no acordo de associação com a UE, ou buscar soluções na OMC. Kachka enfatizou que a Ucrânia inicialmente não deseja tomar medidas retaliatórias imediatas, em reconhecimento ao espírito de amizade e solidariedade entre a Ucrânia e a UE. No entanto, diante da ameaça sistêmica aos interesses ucranianos, a Ucrânia sente que é necessário levar o caso à OMC, refletindo sua determinação em proteger seus direitos comerciais e manter acordos internacionais. Ao ameaçar recorrer à OMC, a Ucrânia está sinalizando sua disposição de usar mecanismos legais para resolver as disputas comerciais e garantir que os compromissos previstos em seus acordos com a UE sejam respeitados.

No dia 18 de setembro, a ameaça se concretizou e a Ucrânia instaurou um procedimento no Órgão de Solução de Disputas da OMC contra a Polônia, Eslováquia e Hungria (excluindo a União Europeia). A reação da Ucrânia afetou sua relação com a Polônia, que ate então era um dos aliados mais importantes no conflito contra a Rússia.

Isso coloca a liderança da União Europeia sob pressão de ambos os lados, com o bloco instando os países desafiadores a “seguir as diretrizes” do novo acordo e a “abster-se de medidas unilaterais”, enquanto o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, e seus funcionários pedem que a Comissão cumpra sua palavra e respeite os prazos estabelecidos. O desafio agora é encontrar um equilíbrio entre os interesses dos países membros da UE e a necessidade de apoiar a Ucrânia durante esse período difícil.

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