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Genocídio em pleno Século XXI?


A República Popular da China é o terceiro maior país em extensão territorial do mundo, abrigando diversas etnias em seu território, sendo a maior delas a etnia Han. Os uigures, por sua vez, são uma minoria étnica de religião majoritariamente muçulmana que vivem na região noroeste da China, na província de Xinjiang, e falam sua própria língua, semelhante ao turco. Eles se consideram mais próximos cultural e etnicamente das nações da Ásia Central. Xinjiang é a maior província chinesa, relativamente autônoma: em teoria, possui poderes de autogoverno, mas enfrenta grande restrição do governo central. Essa província é considerada um importante centro comercial e produtor, por ser próxima à Ásia Central e à Europa, e produzir petróleo, gás natural e algodão (cerca de ⅕ de algodão do mundo).



O governo chinês tem atuado fortemente em Xinjiang devido à tentativa de independência da província na década de 1990. A província é hoje controlada por uma forte e abrangente rede de vigilância e segurança, incluindo polícia, postos de controle e câmeras com reconhecimento facial. O governo chinês tem também promovido, ao longo dos anos, como fez em Tibet, uma migração em massa dos chineses han para a região onde os uigures se concentram, o que é considerado como uma ameaça à cultura e ao sustento do grupo minoritário. Outras medidas adotadas contra essa minoria têm sido ainda mais preocupantes.

Vários atores do Ocidente - sobretudo os Estados Unidos da América (EUA), o Canadá e a União Europeia (UE) - acusam a China de estar promovendo um genocídio na região. Em fevereiro deste ano, o Parlamento do Canadá, numa sessão que não contou nem com o voto do primeiro-ministro (Justin Trudeau) nem de seu gabinete, considerou o tratamento chinês aos uigures como genocídio - houve abstenções, mas nenhum voto contrário. Anthony Blinken, Secretário de Estado dos EUA, afirmou publicamente que considera que a China continua a cometer genocídio e crimes contra a humanidade em Xinjiang. Ademais, a União Europeia, pela primeira vez em quase trinta anos, condenou publicamente a China por algo relacionado aos direitos humanos.

A definição de genocídio pode ser encontrada na Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, de 1948, que define esse crime internacional como “atos, cometidos com a intenção de destruir no todo ou em parte, um grupo nacional. étnico, racial ou religioso”. Nas denúncias feitas pelos países ocidentais, a China estaria implementando políticas genocidas contra os uigures, entre as quais: colocando-os em campos de concentração para trabalho forçado e reeducação, promovendo a esterilização compulsória em massa das mulheres da etnia, separando as crianças de suas respectivas famílias, permitindo o estupro sistemático de mulheres uigures, etc. Além disso, outras fontes, como os documentos vazados e conhecidos como “China Cables”, além de testemunhas que conseguiram escapar dos locais de concentração, mostram que os campos seriam controlados com punições rígidas e aplicariam torturas física, mental e sexual - as mulheres falam de estupro em massa e abuso.

A coalizão formada pela União Europeia, Reino Unido, EUA e Canadá decidiu, recentemente, impor sanções conjuntas contra o alto escalão do governo chinês, incluindo proibição de viagens e congelamento de bens de funcionários governamentais.

O governo chinês nega totalmente as acusações que lhe são imputadas. O embaixador chinês no Canadá, por exemplo, chamou o suposto genocídio dos uigures de “mentira do século”. A posição do governo chinês recebeu o apoio da Rússia, Coreia do Norte, Arábia Saudita e diversos outros Estados que possuem uma credibilidade internacional na arena dos direitos humanos não muito boa. Em carta às Organização das Nações Unidas (ONU), esses países elogiam as “medidas de desradicalização” tomadas pelo governo chinês que, segundo a carta, trouxeram a segurança de volta à Xinjiang. De fato, a China alega que Xinjiang enfrenta uma séria ameaça de militantes islâmicos e separatistas que planejam ataques e aumentam as tensões entre a minoria uigur e a maioria étnica chinesa han, e por isso a repressão é necessária para prevenir o terrorismo e erradicar o extremismo islâmico. Em resposta às denuncias da União Europeia, o governo chinês mantém-se firme na negativa das acusações e urge que a organização reconsidere sua postura, que chama de hipócrita, e pare de tentar interferir em assuntos internos chineses. O país também impôs sanções contra dez cidadãos europeus, dentre eles alguns membros do Parlamentos Europeu, bem como sobre quatro entidades europeias, por “ferir a soberania chinesa e espalhar maliciosamente mentiras e desinformação”.

A despeito da reação chinesa, a sociedade civil global não parece pronta a deixar a questão de lado. Se os países do Ocidente têm amarras à China, principalmente econômicas, que os impedem de tomar posições mais assertivas contra o governo chinês, o mesmo não é necessariamente verdade para as organizações internacionais não-governamentais (OINGs) que, em junho de 2020, apresentaram à ONU declaração detalhando as sérias violações aos direitos humanos por parte das autoridades chinesas e cobrando “medidas decisivas para proteger as liberdades fundamentais na China”.

De fato, o governo chinês é acusado pelas OINGs, como a Human Rights Watch (HRW), de manter detidos, em “campos de reeducação”, mais de um milhão de muçulmanos uigures em Xinjiang, ao que o Partido Comunista Chinês responde como sendo uma medida necessária no sentido de combater a radicalização de muçulmanos uigures. Além disso, um painel de direitos humanos das Nações Unidas afirmou ter recebido muitos relatórios confiáveis ​​da manutenção chinesa de "campo de internamento maciço envolto em segredo". Soma-se a isso, as evidências encontradas pelo Australian Strategic Policy Institute, em 2020, de mais de 380 desses "campos de reeducação" em Xinjiang, o que significaria um aumento de 40% em relação às estimativas anteriores.

O próprio Comitê Olímpico Internacional (COI) também se manifestou a respeito da situação. Em 2015, a China foi escolhida para sediar os Jogos Olímpicos de Inverno de 2022, e desde então as críticas do Ocidente contra as ações do governo chinês a respeito dos direitos humanos vêm aumentando - tendo vista que durante os Jogos Olímpicos de Verão de 2008, as autoridades chinesas teriam, segundo a Human Rights Watch, tirado proveito do evento para aumentar o aparato de segurança doméstica com a implementação de tecnologias de vigilância. Entretanto, o COI ainda insiste em continuar com o país como sede dos Jogos, alegando não só o evento ser sobre esporte, e não sobre política, mas também que boicotes prejudicam os atletas que se preparam durante anos.

É de se perguntar se os países ocidentais sozinhos conseguirão proteger a minoria étnica chinesa dos uigures dos graves abusos de direitos humanos e possivel genocídio. Embora o Reino Unido tenha sancionado membros do partido comunista chinês, o governo do primeiro-ministro Boris Johnson vive um dilema ao procurar aumentar o comércio com o país enquanto o sanciona politicamente. A China é um importante investidor nos países do sul da União Europeia (principalmente na Itália, Grécia e em Portugal), e cultiva estáveis relações com membros conflitantes e aspirantes à UE, de forma que continuar batendo de frente com o governo chinês pode trazer grandes consequências políticas e econômicas para o bloco. Por fim, a abordagem estadunidense Biden-Blinken em relação à China parece não mudar muito da tomada pelo governo anterior, tendo vista a crescente preocupação governamental estadunidense sobre as ações chinesas no cenário internacional. No caso dos EUA, a defesa da minoria uigur parece integrar uma estrategia mais ampla de contenção da China no plano global.

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