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Entendendo o Histórico da Relação entre a Russia e o Ocidente


No final dos anos 1980, Mikhail Gorbachev, líder da União Soviética, promoveu uma abertura histórica ao encerrar unilateralmente a Guerra Fria, oferecendo ao Ocidente, especialmente aos Estados Unidos, uma oportunidade para estabelecer uma nova ordem mundial baseada na cooperação. No entanto, em vez de aproveitar essa chance para consolidar uma paz duradoura, os EUA optaram por buscar uma hegemonia global. Essa abordagem não apenas ignorou as dificuldades econômicas e políticas da Rússia em transição, mas também falhou em oferecer o suporte necessário para estabilizar a região. A falta de apoio econômico durante os últimos dias da União Soviética e o início do governo de Boris Yeltsin resultou em grave instabilidade e corrupção na Rússia. Esse descaso gerou ressentimento contra o Ocidente e minou as possibilidades de uma paz sustentável, deteriorando ainda mais as relações entre o Ocidente e a Rússia.

A partir de meados da década de 1990, os EUA passaram a expandir agressivamente sua influência militar na Eurásia, ignorando os sinais de descontentamento da Rússia. A expansão da OTAN para o leste europeu, em particular, alimentou a percepção de que o Ocidente estava cercando a Rússia e buscando minar sua segurança. Essas políticas, que priorizavam a hegemonia militar e o domínio estratégico sobre a cooperação diplomática, agravaram as tensões regionais e, eventualmente, contribuíram para a eclosão da guerra na Ucrânia. De acordo com o Economista Jeffrey Sachs, a análise dessas decisões revela três convicções centrais, que serão vistas a seguir.

Inspiradas pelos ensinamentos de John Maynard Keynes, a ideia central abordada por Sachs é a de que a prosperidade compartilhada e a cooperação econômica são essenciais para promover a paz global. No contexto da década de 1990, isso implicava que as potências ocidentais, como os EUA, deveriam ter apoiado a reconstrução das economias dos países pós-comunistas, em vez de buscar dominação. O economista ainda afirma que, em vez de um modelo neoliberal rígido, uma abordagem social-democrata com forte presença estatal em setores essenciais teria evitado a corrupção e a instabilidade, que marcaram a transição na Rússia. Por fim, ele argumenta que a assistência econômica urgente foi eficaz na Polônia, mas a falta de apoio similar para a União Soviética e, em particular, a Rússia refletiu uma estratégia dos EUA de priorizar a liderança global sobre a recuperação econômica. Essas decisões, segundo ele, influenciaram o cenário internacional, exacerbando tensões que eventualmente contribuíram para os conflitos atuais, como o da Ucrânia.

A partir de 1985, Mikhail Gorbachev lançou as reformas Perestroika e Glasnost para revitalizar a economia soviética e democratizar o regime. No entanto, essas reformas enfrentaram forte resistência tanto interna quanto externa. A crise soviética se agravou com o colapso dos regimes comunistas na Europa Oriental, especialmente na Polônia. Em 1989, o novo governo polonês adotou uma estratégia de estabilização econômica para evitar hiperinflação e permitir a conversibilidade do zloty, recebendo apoio financeiro ocidental em larga escala. O G7, os EUA e o FMI forneceram um fundo de estabilização de US$ 1 bilhão e aliviamento da dívida, resultando em crescimento econômico rápido e sustentável.

O sucesso polonês chamou a atenção de Grigory Yavlinsky, conselheiro de Gorbachev, que em 1990 propôs a "Grande Barganha" – um plano para obter suporte financeiro ocidental semelhante para a União Soviética. No entanto, os EUA rejeitaram a proposta, adotando uma postura mais rígida e recusando o apoio necessário. Mesmo com uma nova tentativa de assistência na Cúpula do G7 em Londres em julho de 1991, Gorbachev foi ignorado, exacerbando a crise soviética. Em agosto de 1991, Gorbachev foi sequestrado durante um golpe fracassado, e Boris Yeltsin assumiu a liderança da Rússia. A desintegração da União Soviética em dezembro de 1991 resultou na criação de 15 novos Estados independentes. Esse contraste entre o sucesso da Polônia e o colapso da União Soviética destaca como as decisões internacionais de apoio econômico e político moldaram as transições políticas de nações em crise.

A recusa dos Estados Unidos em adotar um pacote de ajuda financeira substancial para a Rússia recém-independente, conforme recomendado por Sachs, teve profundas consequências para o desenvolvimento econômico russo no início da década de 1990. Apesar de seus apelos reiterados por um apoio financeiro robusto, que incluía a suspensão imediata do serviço da dívida e a criação de um fundo de estabilização da moeda, suas propostas foram rejeitadas tanto pelo governo dos EUA quanto por outras potências ocidentais. Esse cenário econômico precário, agravado pela iminente hiperinflação e pelo colapso do comércio entre as nações pós-soviéticas, deixou a Rússia em uma posição extremamente vulnerável.

Sachs destacou a necessidade urgente de um plano de estabilização semelhante ao implementado na Polônia, mas a falta de apoio externo inviabilizou essa estratégia tanto financeiramente quanto politicamente. Ele argumentava que um ato de assistência internacional, como o Plano Marshall na Europa do pós-guerra, poderia ter um impacto psicológico e político fundamental na estabilização da Rússia. No entanto, as prioridades políticas internas dos EUA, especialmente durante um ano eleitoral, impediram que essa ajuda fosse concretizada. Mesmo com a mudança de governo nos EUA, com a posse de Bill Clinton em 1993, as ideias de Sachs não foram atendidas, já que a administração Clinton também rejeitou a ideia de assistência financeira em larga escala à Rússia.

Com isso, a deterioração contínua da situação econômica russa levou a um aumento do descontentamento social, que Sachs temia que pudesse abrir caminho para o autoritarismo, como havia ocorrido em outros momentos críticos da história, como no caso da ascensão de Napoleão na França pós-revolucionária e de Stalin na União Soviética. Sua previsão de que a ausência de uma intervenção significativa do Ocidente poderia resultar em uma virada autoritária foi uma advertência que ecoaria nos anos subsequentes, à medida que a Rússia enfrentava desafios contínuos em sua transição para uma economia de mercado e uma sociedade democrática.

Apesar de sua saída como conselheiro da equipe econômica russa no final de 1993, Sachs continuou a defender a importância de uma abordagem mais comprometida por parte das potências ocidentais. No entanto, sua voz permaneceu solitária, e as consequências da falta de apoio econômico internacional à Rússia se manifestaram de forma duradoura, contribuindo para a instabilidade política e econômica que caracterizou o país durante grande parte da década de 1990 e que, em última análise, pavimentou o caminho para a ascensão de um novo modelo autoritário no país.

Nos anos 2000, as relações entre Rússia e o Ocidente se deterioraram ainda mais. Apesar das promessas feitas a Gorbachev e Yeltsin de que a OTAN não se expandiria para o leste após a reunificação da Alemanha, os EUA romperam esse compromisso nos anos 1990, ampliando a aliança, de modo que esta passou de 16 membros, em 1990, para os atuais 32 membros. Essa expansão da OTAN e diversas ações militares unilaterais dos EUA e da OTAN, como os bombardeio da Iugoslávia (1999), a invasão do Afeganistão (2001) e do Iraque (2003), a retirada do Tratado de Mísseis Antibalísticos (2002), a intervenção na Líbia (2011) e na Síria (2011 em diante), a mudança de regime na Ucrânia (2014), para citar alguns, agravaram as tensões. Ao longo dos anos, a resistência da Rússia à expansão da OTAN para países como Geórgia e Ucrânia foi ignorada, culminando na crise de 2022. A ascensão dos neoconservadores nos EUA nos anos 1990 impulsionou uma política externa ofensiva, com o objetivo de estabelecer um mundo liderado pelos EUA. Isso levou a conflitos e à crescente ruptura nas relações entre o bloco liderado pelos EUA e o restante do mundo.

Esse histórico de decisões estratégicas, marcadas pela falta de cooperação e pelo desejo de hegemonia dos Estados Unidos, contribuiu para a gradual deterioração das relações entre a Rússia e o Ocidente e criaram um cenário de desconfiança e hostilidade que perdura até hoje. O distanciamento entre as potências, agravado por políticas unilaterais e pela negligência em relação às preocupações de segurança russas, culminou nos conflitos atuais, como a guerra na Ucrânia. Isso evidencia como a busca por hegemonia, em detrimento da diplomacia e da cooperação, pode gerar consequências duradouras para a estabilidade global.

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