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Eleições na Turquia: continuidade ou mudança na política externa?



Na segunda-feira, dia 15 de maio, a Turquia oficializou a realização do segundo turno de sua eleição presidencial, uma das mais acirradas da história do país. O atual presidente, Recep Tayyip Erdogan, no poder desde 2003, primeiro como primeiro-ministro e, depois, eleito presidente em 2014 por voto direto, está competindo pela liderança do país contra o líder da oposição, Kemal Kilicdaroglu. Esta é a primeira vez que a Turquia passa por um segundo turno em suas eleições presidenciais, evidenciando a notável força da oposição contra Erdogan. Kilicdaroglu representa uma aliança de seis partidos, denominada de Aliança Nacional, e conta com o apoio dos prefeitos de Ancara e de Istambul, duas das mais importantes cidades do país. A mudança de poder pode significar alterações significativas na política externa turca.

Desde a fundação da República da Turquia, o país vinha adotado internamente uma postura mais secularista e uma política externa alinhada com o Ocidente. Sob a liderança de Erdogan, entretanto, o país passou por um processo contínuo de re-islamizacao, e a atual política externa é caracterizada por uma abordagem mais independente, com um foco significativo no mundo islâmico. A redefinindo da identidade turca permitiu ao país aumentar seu soft power em relação aos países islâmicos e aos Estados etnicamente turcos da Asia Central. Ao mesmo tempo, a Turquia tem mantido uma atuação militar intensa no Oriente Médio, adotando uma postura interventiva em países como Síria e Iraque, relacionada principalmente à luta do governo turco contra ameaças oriundas do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK, sigla do curdo Partiya Karkerên Kurdistan) e outras organizações curdas. No conflito interno da Líbia, e na disputa entre Armênia e Azerbaijão, a intervenção turca atenderia a objetivos geopolíticos de sua política externa.

Recentemente, uma nova abordagem tem sido adotada em relação aos Estados árabes do Golfo e ao Egito, buscando a normalização dos laços com esses países, que foram prejudicados na última década devido às políticas intervencionistas da Turquia na região, como o apoio dela à Irmandade Muçulmana durante as revoltas árabes em 2011. A relação entre a Turquia, o Irã e Arábia Saudita também permanecia como uma questão conturbada, pois esses países têm interesses e agendas divergentes na região, mas a reaproximação entre os dois últimos e a readmissão da Síria na Liga dos Estados Árabes mudou o cenário político e estratégico da região, provocando uma correspondente disposição turca em melhora sua relação com esses países. A busca por um equilíbrio nessas relações complexas continua sendo um desafio para a política externa turca.

Apesar de ser membro da OTAN, a Turquia também tem buscado uma maior independência em relação aos Estados Unidos. Durante o governo de Donald Trump, Erdogan estabeleceu uma relação próxima com os EUA, mas essa dinâmica mudou com a posse de Joe Biden. Essa mudança pode ser atribuída às tensões que colocam em questionamento a participação da Turquia no sistema geopolítico ocidental mais amplo. Embora alguns partidos políticos na Turquia prefiram laços mais estreitos e integração com a Europa, a Turquia até hoje não conseguiu sua admissão no grupo europeu. Como resultado, “Erdogan mudou suas prioridades e deu maior importância ao mundo islâmico, onde a Turquia conseguiu desenvolver novas alianças, novos laços e expandir rapidamente sua influência e poder brando para se tornar um ator importante — e mais independente — na região” diz Sami Hamdi, diretor administrativo da International Interest.

Enquanto isso, a oposição liderada por Kemal Kilicdaroglu propõe uma mudança significativa na política internacional, especialmente em relação à região do Oriente Médio e às relações da Turquia com o Ocidente. Caso a oposição ganhe, espera-se que haja uma diminuição ou até mesmo o abandono do uso do soft power no mundo islâmico, visto que Kilicdaroglu procuraria melhorar as relações da Turquia com seus parceiros tradicionais no Ocidente, ou seja, a União Europeia e os Estados Unidos, resultando numa queda da popularidade turca na região do Oriente Médio. É previsto também que as ações intervencionistas da Turquia na Síria, Líbia, Iraque e Azerbaijão sejam interrompidas caso o Partido Republicano do Povo (CHP, sigla do turco Cumhuriyet Halk Partisi), liderado por Kilicdaroglu, assuma o poder. O CHP declarou que adotará uma política não-intervencionista, respeitando a independência, a soberania e a integridade territorial dos países do Oriente Médio, em contraste às políticas de Erdogan.

Embora a Turquia possa se aproximar do Ocidente se a oposição ganhar a eleição, a expectativa de alguns analistas é que seus laços com a Rússia e a China permaneceriam intactos. A Turquia mantém relações próximas tanto com a Rússia quanto com a China, embora ainda existam pontos de tensão entre os países. Erdogan e Putin, por exemplo, têm mantido laços estreitos, especialmente considerando a dependência da Turquia em relação às importações de energia da Rússia. No entanto, eles apoiam lados diferentes em vários conflitos na região do Oriente Médio, como na Líbia e na Síria. A Turquia também condenou a invasão da Ucrânia pela Rússia ao mesmo tempo que também se opôs às sanções ocidentais à Rússia, buscando manter uma postura equilibrada. A oposição também apresenta uma perspectiva pró-Rússia; em seu manifesto eleitoral em janeiro, a Aliança Nacional prometeu fortalecer os laços com a Rússia por meio de um diálogo equilibrado e construtivo no nível institucional. Kilicdaroglu nomeou o fim do conflito ucraniano como sua prioridade se vencer as eleições, também observando que relações saudáveis ​​com a Rússia são do interesse da Turquia: “Gostaria de comentar os relatos da mídia dizendo que as relações turco-russas tomarão um rumo diferente durante minha presidência [...] Nosso governo sempre defenderá os interesses da Turquia. E é do interesse da Turquia manter as relações turco-russas saudáveis ​​e dignas”, disse ele. Ele também descreveu a cooperação entre a Turquia e a Rússia como uma parte essencial da estabilidade regional e expressou confiança de que os dois países serão capazes de fortalecer e desenvolver a cooperação em muitas áreas. O problema é que, para se realinhar com o Ocidente, a Turquia será inevitavelmente forçada a tomar uma posição mais dura em relação a Rússia e participar das sanções multilaterais impostas pelo Ocidente contra a Rússia.

A Turquia também possui laços estreitos com a China, mas há uma questão delicada que impede um estreitamento ainda maior dessas relações: a perseguição do povo uigur, um grupo étnico de origem turca que fala uma língua similar à turca, na China. Essa situação cria um obstáculo para a Turquia aprofundar seus laços com a China, já que há uma pressão doméstica e internacional para que tome uma posição mais contundente em relação aos direitos humanos dos uigures. Embora muitos países de maioria muçulmana tenham apoiado as políticas da China em relação aos uigures, a Turquia tem sido uma exceção com Erdogan criticando o tratamento da China aos uigures no passado, igualando a um genocídio. No entanto, nos últimos anos, a Turquia tem evitado condenações mais duras e tem sido cautelosa em suas críticas à China. Kilicdaroglu também demonstrou interesse pela questão uigur, enfatizando os laços históricos e culturais entre a Turquia e os uigures. "Temos parentesco com os uigures. O mundo inteiro sabe e diz que há uma opressão contra os uigures... Não só para os uigures, mas em qualquer lugar do mundo, se alguém encontrar brutalidade, crueldade, diremos é injusto, isso não é lícito'", disse ele. Com a eleição em seus últimos dias, Kilicdaroglu postou um vídeo no Twitter na qual endossava a criação de um corredor comercial rodoviário e ferroviário para a China dependente da China "interromper a opressão no Turquestão". O vídeo pode indicar que uma administração liderada por ele tornaria as boas relações com a China condicionadas à melhoria do tratamento dos uigures.

Uma possível terceira vitória presidencial de Erdogan seria vista como uma validação de suas políticas, que transformaram significativamente a Turquia nas últimas duas décadas. Essas políticas tiveram impactos mistos na posição da Turquia no mundo, com consequências positivas e negativas, dependendo da perspectiva de cada um. No entanto, a oposição, mantendo certos aspectos da política externa de Erdogan, visa reposicionar a Turquia no cenário internacional; a Turquia sob a liderança da oposição manteria fortes laços com os países vizinhos, bem como com potências não ocidentais, como Rússia e China. No entanto, essa mudança na abordagem da política externa não prejudicaria o alinhamento geoestratégico da Turquia como parceiro das nações ocidentais, pretendendo priorizar a manutenção do status da Turquia como membro da comunidade ocidental das nações, juntamente com seu envolvimento com outros atores regionais e globais. Esperemos para ver como o resultado eleitoral impactará a política externa desse país tão relevante no sistema internacional.

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