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Dois Anos de Guerra na Ucrânia


A Guerra da Ucrânia completou dois anos de duração. Pelo andamento dos acontecimentos, e o comportamento dos países envolvidos, é possível realizar certas análises e conclusões sobre as intenções da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), da Rússia e o possível futuro da Ucrânia.

            Primeiramente, é observável que as nações ocidentais, especialmente os Estados Unidos e o Reino Unido, têm sido veementemente contra qualquer cessar-fogo e possibilidade de paz para a Ucrânia. Do ponto de vista da estrutura de segurança euro-atlântica, baseada na integração criada na Europa após a Segunda Guerra Mundial, essa negação não é coerente. Todavia, não é a primeira vez que o Ocidente insiste em manter relações conflituosas com o país russo. Por muito tempo, a ameaça à Rússia veio do ocidente. Por exemplo, Carlos XII, Hitler e Napoleão, em diferentes épocas, avançaram contra a Rússia através da Polônia, dos países Bálticos e da Ucrânia, fato que o Ocidente, de maneira coletiva, frequente e deliberadamente negligencia ou “esquece”.

            Por outro lado, as guerras de invasão travadas pela Rússia e pela União Soviética podem ser vistas como uma expansão excessiva da segurança ou políticas de ampliação territorial. Porém, isso também é como as principais potências militares operam quando sentem sua segurança e interesses ameaçados. As guerras travadas pela Rússia e pelos EUA ao longo dos séculos mostram claramente sua política de poder. A diferença entre os dois países é que, enquanto a Rússia, em sua maioria, se limitou a travar guerras perto de suas fronteiras, os EUA participaram de conflitos em todas as regiões do mundo.

            Outro fator que também é deliberadamente esquecido no ocidente é que a Rússia não é a União Soviética. A URSS era uma superpotência com capacidade para conquistar e controlar a maior parte da Europa, sendo a segunda maior economia do mundo por décadas, vencedora da primeira etapa da corrida espacial e um gigante militar. Contudo, a economia da Rússia é a décima primeira maior do mundo, com um PIB menor que um décimo da economia dos EUA. Isso significa que a economia russa simplesmente não pode lidar com guerras de invasão de grande escala, não representando nenhuma ameaça independente para a OTAN (hoje composta de 32 países). De acordo com analistas internacionais, e a partir de premissas econômicas, é possível concluir que a ideia de a Rússia se envolver em uma guerra de invasão na Europa é inimaginável. Uma guerra mais ampla contra a OTAN devastaria completamente as finanças do estado russo, com um risco muito alto de confrontação nuclear devastadora. Isso significa que o Kremlin não embarcaria nessa experiência espontaneamente, mesmo que fosse militarmente possível. Seria necessária uma ameaça direta à sobrevivência da Rússia para trazer o país para um conflito contra a OTAN. Assim, o que poderia trazer uma ameaça dessas?

            A história expansionista e intervencionista da OTAN, a falta de um verdadeiro esforço pela paz por parte do Ocidente e a retórica extremamente perigosa empregada, exigindo uma “capitulação total russa” e promovendo a mudança de regime em Moscou, podem sugerir que Vladimir Putin tem motivos para se preocupar. A despeito da Russia ter declarado a entrada da Ucrania na OTAN como uma linha vermelha a não ser ultrapassada, a OTAN proclama a ideia da adesão da Ucrânia ao bloco desde 2008. O Secretário-Geral da OTAN, Jens Stoltenberg, tem declarado repetidamente que a Ucrânia eventualmente se tornará membro da OTAN.

Para entender o motivo da guerra na Ucrania, precisamos olhar para o contexto estratégico mais amplo. Os EUA estão usando a Ucrânia, e, por via extensiva, a Europa, não apenas para travar uma guerra contra seu oponente russo. O objetivo maior seria romper a estrutura de aproximação do poder eurasiático que se formava entre Europa, China e Rússia, pois isso representaria um desafio à hegemonia dos EUA, e, portanto, um cenário inaceitável para os americanos.

            Dessa forma, parece que a OTAN opera com duas faces. Publicamente, é uma aliança de defesa, respondendo à ameaça da Rússia. No entanto, nos bastidores, está semeando as sementes do conflito e inflamando-as ao ultrapassar as linhas vermelhas claramente estipuladas pelo seu principal rival. Assim, alguns analistas enxergam o cenário de uma OTAN errática, que deliberadamente ultrapassa os limites do Kremlin por motivos de erros ocasionais. Acreditar que a liderança da OTAN é simplesmente errática em suas decisões requer que exista um déficit maciço por parte dos líderes recentes da OTAN em entender as comunicações vindas de Moscou. Esses déficits teriam que ser tão massivos que, acreditar nesse cenário exigiria questionar a sanidade da liderança da OTAN.

            O segundo cenário sugere uma OTAN agressiva. A organização é efetivamente administrada pelos EUA, que são responsáveis por cerca de 22% de seu orçamento. Os Estados Unidos também desempenharam um papel importante na formação de sua primeira estrutura militar. Ao ser também a maior potência nuclear na aliança, os EUA podem ser vistos exercendo poder incontestável no processo de tomada de decisões da OTAN. As escaladas ocidentais na guerra da Ucrânia podem ser explicadas pelo envolvimento do “Estado Profundo”. O “Estado Profundo” é frequentemente descrito como uma teoria da conspiração onde redes governamentais secretas conspiram para direcionar a política de um Estado. Todavia, uma descrição mais plausível para o termo é uma rede de funcionários públicos, orientando líderes políticos possivelmente por décadas, aliados a elites financeiras e econômicas, que formaram sua própria visão de como as coisas deveriam ser conduzidas. Alguns descrevem como cultura de governança. A questão é que se essas redes estão sujeitas a um líder fraco, elas podem começar a controlar as decisões. Assim, o que o Estado Profundo está buscando aproveitar?

            A Rússia detém vastos recursos minerais, estimados entre US$ 75 a US$ 90 trilhões. Em certo sentido, isso faz da Rússia o país mais rico do mundo. Após a queda da União Soviética, a Rússia buscou fundos de todos os lugares e estava muito aberta a investimentos. É possível que o Estado Profundo espere alcançar o mesmo se a administração russa atual entrar em colapso, mas essa é uma estratégia de alto risco. A outra motivação provável para a guerra entre Rússia e Ucrânia, como observado acima, é destruir a aliança eurasiática que estava se formando entre China, Europa e EUA. No entanto, isso já está em ruínas, mas o objetivo poderia ser manter as tensões para que não haja détente entre Europa e Rússia/China. Isso requer que a guerra na Ucrânia continue e até se espalhe. A paz seria muito arriscada para este cenário, pois a Europa poderia estar buscando restabelecer relações com a Rússia devido à sua importância, por exemplo, para a segurança energética europeia. A paz neste momento também seria um golpe pesado para a credibilidade do poder militar dos EUA.

            Aparentemente, os países da OTAN têm trabalhado para a perpetuação e disseminação dessas condições. Recentemente, vazou uma discussão via telefone em que oficiais alemães de alto escalão discutem o uso de mísseis Taurus alemães, treinamento, as capacidades do sistema para destruir a ponte da Crimeia. Muitas partes da conversa giram em torno dos esforços para esconder sua ajuda direta aos ucranianos nos ataques contra a Rússia.

O presidente da França, Emmanuel Macron, mais recentemente, defendeu a ideia de potencialmente enviar tropas europeias para a Ucrânia. No final de uma conferência que presidiu no Palácio do Eliseu com outros líderes ocidentais, Macron disse que “nenhuma opção deveria ser descartada”, com o objetivo de fazer “mais e melhor” quando se trata de apoiar Kiev. As declarações de Emmanuel Macron provocaram indignação internacional. Vinte meses após sugerir que a Rússia “não deveria ser humilhada”, o presidente francês agora foi acusado de iniciar um debate inoportuno sobre o envio de tropas aliadas para a Ucrânia.

O momento do comentário de Macron, naturalmente, não foi uma coincidência.  As Forças Armadas da Ucrânia estão atualmente enfrentando um iminente colapso da frente oriental. Um desenvolvimento importante foi a queda de Avdiivka, uma cidade-chave no leste, para os russos em meados de fevereiro. Agora parece que as Forças Armadas da Ucrânia não têm posições fortificadas após Avdiivka, o que implica que toda a defesa ucraniana pode colapsar em questão de semanas.

Macron ignorou o dilúvio de críticas que enfrentou na França e no cenário internacional e insistiu que suas declarações foram cuidadosamente pensadas. A perspectiva de enviar tropas ocidentais para a Ucrânia foi rejeitada por outros membros da OTAN, incluindo os EUA, Reino Unido e Alemanha, e criticada severamente pelos partidos de oposição franceses, mas não foi descartada pela Estônia, Lituânia e, em certa medida, Polônia. Autoridades francesas também minimizaram os comentários de Macron, apontando para atividades como desminagem e produção de armas que podem envolver a presença ocidental na Ucrânia.

Depois que Macron sugeriu a ideia envio de tropas para a Ucrânia, Putin alertou o Ocidente sobre o risco de guerra nuclear. Em resposta à suposição do presidente francês de que o envio de tropas europeias para a Ucrânia não pode ser “descartado”, Putin afirmou: “O Ocidente anunciou a possibilidade de enviar contingentes militares ocidentais para a Ucrânia. As consequências para possíveis intervencionistas serão muito mais trágicas. Eles devem finalmente perceber que também temos armas que podem atingir alvos em seu território. Tudo o que o Ocidente propõe cria a ameaça real de um conflito com o uso de armas nucleares, e assim a destruição da civilização”. Moscou possui o maior arsenal nuclear do mundo, incluindo uma nova geração de mísseis hipersônicos e mais armas nucleares táticas do que o Ocidente coletivo.

Até agora, o Ocidente tem sido capaz de escalar seu envolvimento na guerra da Ucrânia, ignorando as ameaças do Kremlin. Os riscos de uma confrontação direta entre as partes crescem a cada dia. Qual a racionalidade de provocar-se deliberadamente uma guerra nuclear?

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