Crise no Norte da África
A guerra fria entre Argélia e Marrocos na região do Magrebe continua a se intensificar, com provocações recentes aprofundando as tensões já enraizadas entre essas duas nações norte-africanas. Esse clima de desconfiança remonta a eventos históricos que moldaram as relações bilaterais, como a Guerra das Areias de 1963, que estabeleceu um padrão de rivalidade e disputas territoriais.
A mais recente rodada de provocações começou no início de março com a abertura de um escritório em Argel para a República Marroquina do Rif, uma organização separatista supostamente financiada pela Argélia. Este movimento é amplamente visto como uma resposta ao apoio anterior do Marrocos à independência do povo Kabyle na Argélia, que foi, por sua vez, uma reação ao apoio e acolhimento de longa data da Argélia ao movimento separatista saarauí no Saara Ocidental. A deterioração progressiva das relações bilaterais reflete um padrão mais amplo de ações hostis, com ambos os países apoiando movimentos separatistas para desestabilizar o outro, transformando a rivalidade em uma espécie de guerra por procuração. Ou seja, os dois antagonistas estão violando o princípio da não intervenção nos assuntos domésticos de outros países.
No cerne do conflito está a disputa sobre o Saara Ocidental. O Marrocos reivindica o território como parte de um acordo de 1975 com a Espanha, enquanto a Argélia apoia o grupo rebelde saarauí, a Frente Polisário, na sua busca por independência. Esta questão de longa data tem sido uma fonte importante de tensão, mas os desenvolvimentos recentes adicionaram novas dimensões ao conflito. A complexidade da situação é exacerbada pelo apoio mútuo a movimentos separatistas, envolvendo facções do grupo étnico Amazigh, como os povos Kabyle e Rife, que são indígenas do Norte da África. Ferhat Mehenni, presidente do governo provisório da Cabília, criticou o apoio da Argélia ao povo saaraui como hipócrita, destacando as contradições na política externa argelina.
O jornalista argelino Nasser Jabi sugeriu que essas ações representam um novo nível de escalada nas relações entre Argélia e Marrocos, descrevendo a situação como uma crescente tensão que vem fervendo há décadas, mas que atingiu o ponto de ebulição nos últimos anos. Essa escalada, que levou a Argélia a romper relações diplomáticas com o Marrocos em 2021, culminou em 2023, quando o presidente argelino Abdelmadjid Tebboune declarou que o relacionamento entre os dois países havia atingido "o ponto sem retorno".
Além das manobras políticas e diplomáticas, a crescente corrida armamentista entre Argélia e Marrocos reflete a seriedade da escalada. Em 2022, ambos os países foram responsáveis por 74% de todos os gastos com defesa no Norte da África. Em 2024, seus orçamentos militares aumentaram significativamente, tornando-os os dois exércitos mais bem financiados do continente. Essa militarização preocupa analistas e especialistas, como o ex-diplomata argelino Mohamed Larbi Zitout, que alertou para o risco destrutivo de jogar a "carta separatista". Embora o consenso entre analistas seja de que uma guerra em grande escala é improvável, o risco de confrontos localizados não pode ser ignorado.
O impacto dessa escalada vai além das relações bilaterais, envolvendo potências externas como França e Estados Unidos, que têm interesses estratégicos na região. A Argélia, como um dos principais fornecedores de gás natural para a Europa, e o Marrocos, com suas reservas de fósforo, tornam-se peças-chave no tabuleiro geopolítico regional. Além disso, as consequências humanitárias e socioeconômicas são significativas, especialmente para as populações locais envolvidas, como os refugiados saarauís que há décadas vivem em campos na Argélia. A crescente militarização drena recursos que poderiam ser usados para o desenvolvimento social e econômico nos dois países, exacerbando as desigualdades e o descontentamento interno.
A escalada nas relações entre Argélia e Marrocos, alimentada por disputas territoriais, apoio a movimentos separatistas e acúmulo militar, reflete uma instabilidade regional mais ampla que não mostra sinais de abrandamento (basta ver a situação caótica da Líbia desde a intervenção do Ocidente em 2011). A complexa interação de rancores históricos, manobras políticas e influências externas criou uma situação volátil no Magrebe, onde o potencial para o conflito é grande, mesmo que continue fora de alcance.
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