Confronto direto entre Ucrânia e Rússia?
No início de março, a Rússia realizou exercícios militares em seu território, perto da fronteira compartilhada com a Ucrânia, perto da região de Donbass (porção mais oriental do Rio Don). Os exercícios suscitaram não só a preocupação do governo ucraniano, mas também da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), aliança militar que sobreviveu à Guerra Fria e que considera a Ucrânia uma possível aliada contra as ações do governo russo. As manobras militares russas ocorrem no contexto da guerra civil no leste ucraniano (justamente em Donbass), que perdura desde a crise que a Ucrânia sofreu entre 2013 e 2015, do reforço das tropas ucranianas em Donbass, e do reinício de hostilidades na região em violação do acordo de Minsk.
A Ucrânia somente tornou-se independente após a dissolução da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) em 1991, de modo que, principalmente no leste de seu território, boa parte da população fala russo, possui fortes laços étnico-culturais com o país vizinho, e ostenta dupla nacionalidade (russa-ucraniana).
Esses números nos ajudam a entender as bases do argumento russo para sua presença militar no território russo próximo à região, considerando que, em tese, estariam apenas garantindo a segurança de sua população, ainda que essa esteja em território ucraniano. Todavia, a incorporação da Crimeia pela Rússia em 2014, mostra que há razões de sobra para a preocupação ucraniana com a intensificação dos movimentos militares russos. Assim como no caso da península da Crimeia, as regiões de Donetsk e Lugansk declararam-se independentes da Ucrânia após um referendo em suas respectivas regiões em 2014, que, por sua vez, não foi reconhecido internacionalmente.
O atual presidente ucraniano, Zelensky, está dando continuidade à política de seus predecessores de promover uma aproximação cada vez maior com a Organização do Tratado do Atlântico Norte. Zelensky chegou a afirmar que “a OTAN é a única forma de acabar com a guerra em Donbass”. Segundo a própria Organização, as relações com o país do leste europeu são reforçadas desde a criação da Comissão OTAN-Ucrânia em 1997, com as áreas de defesa e segurança como o pilar da cooperação, de modo que a atuação da Organização em defesa da soberania ucraniana desde a crise de 2013-2015 aproximou ainda mais os dois atores internacionais, culminando na decisão parlamentar de 2017 que estabeleceu a pretensão ucraniana de aderir à OTAN.
Com o Pacote de Assistência Recíproca criado em 2016, a cooperação com a OTAN voltou-se para o estímulo à segurança e soberania ucranianas. Assim, a cooperação entre a Ucrânia e a OTAN é muito abrangente, passando por áreas de operações de apoio à paz, defesa e segurança militar, entre outras. A própria Organização mostra que o governo ucraniano constantemente contribui com forças humanas para as operações de paz da OTAN no Cáucaso e no Oriente Médio - tanto em terra quanto no combate aos piratas nos mares da Somália e em transporte aéreo estratégico. A cooperação na esfera militar envolve o fornecimento de material bélico, o apoio da Organização ao fortalecimento democrático e civil das Forças Armadas, o treinamento das forças armadas ucranianas, bem como a realização cooperação militar na realização de exercícios conjuntos. Contudo, não é provável que um ingresso formal da Ucrânia na OTAN se concretize no futuro imediato.
A percepção do governo russo a respeito da Ucrânia não poderia ser mais oposta. A Rússia tem criticado fortemente a expansão contínua da OTAN para o leste, que incorporou os países da Europa Central e do Leste, incluindo os antigos membros do Pacto de Varsóvia e os países Bálticos. Hoje a OTAN chegou à fronteira noroeste, sudoeste e sul da Rússia; a adesão formal da Ucrânia à OTAN seria vista como a maior ameaça à segurança da Rússia e um sinal vermelho intolerável. O fato de haver milhares de nacionais russos vivendo na região de Donbass acrescenta um elemento a mais no cálculo russo que define sua estratégia para a situação da Ucrânia.
Conforme a agência de notícias RT, o ministro da Defesa ucraniano divulgou um comunicado oficial relatando que teria recebido garantias de apoio dos Estados Unidos (e, por via extensiva, da OTAN) em caso de conflito armado direto com a Rússia. Não se deve ler, no entanto, muito dessa declaração. Afinal, por que os EUA arriscariam uma guerra nuclear com a Rússia por causa da Ucrânia? Para evitar o escalonamento do conflito, os EUA e a Rússia têm conversado a respeito da Ucrânia.
A Chanceler alemã Angela Merkel, uma das mediadoras do processo de paz na Ucrânia, contactou Putin por telefone pedindo a redução das tropas russas estacionadas em territorio russo, mas próximo da fronteira com a Ucrânia, no intuito de amenizar as tensões. A resposta do presidente russo foi de que os movimentos militares na região não representam uma ameaça.
Na atual conjuntura, a tensão tem a tendencia de se aprofundar. A Rússia obviamente não aceitará uma presença maior da OTAN (e, logo, dos EUA) na Ucrânia, e pode invocar a defesa de seus nacionais para intervir militarmente na Ucrânia; de outro lado, o governo ucraniano procura aumentar a cooperação com o Ocidente para tentar recuperar à força, se possível, o controle sobre as provincias rebeldes. A melhor saída para a atual crise seria o retorno ao acordo de Minsk, que prevê o respeito ao cessar-fogo e uma solução negociada a respeito do status político das repúblicas separatistas.
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