Conflitos Internacionais Ameaçam Importantes Rotas Comerciais Marítimas
Os canais e estreitos internacionais são alternativas às rotas comerciais marítimas mais dispendiosas, longas e desafiadoras. Ao conectar diversos oceanos, essas vias permitem que os navios atravessem distâncias essenciais por trajetos mais curtos e seguros, reduzindo os custos e o tempo de viagem para as empresas de transporte marítimo. Essa eficiência se traduz em preços mais baixos para as mercadorias, beneficiando os consumidores finais, e impulsiona as cadeias globais de abastecimento. Além disso, ao proporcionar acesso a importantes corredores de transporte marítimo, os estreitos e canais ampliam as oportunidades comerciais nos mercados globais. A segurança e a estabilidade dessas vias são vitais para garantir o fluxo contínuo do comércio marítimo; qualquer interrupção nessas rotas, seja por conflitos, desastres naturais ou outras razões, pode ter um impacto significativo no comércio global.
Existem nove canais e estreitos internacionais: o Canal do Panamá, o Estreito de Gibraltar, o Cabo da Boa Esperança, os Canais Bálticos, os Estreitos turcos, o Canal de Suez, o Estreito de Ormuz, o Bab el-Mandeb e o Estreito de Malaca. O Canal do Panamá liga os oceanos Pacífico e Atlântico e, por ele, passam 15 mil navios por ano, correspondendo a, aproximadamente, 4% do comércio mundial. O Estreito de Gibraltar separa a África e a Europa, sendo um gargalo natural na junção das rotas marítimas do Mediterrâneo, do Atlântico Norte e da África Ocidental. O Cabo da Boa Esperança marca a divisão entre o Oceano Atlântico e o Oceano Índico, localizado na ponta sudoeste do continente africano e se configura como uma rota marítima fundamental para o transporte de mercadorias entre a Europa, a África e a Ásia. Os Canais Bálticos são três: o Canal Kiel, ao norte da Alemanha, uma conexão entre o Mar do Norte e o Mar Báltico que é uma rota vital para a Europa Ocidental; o Canal Saimaa, localizado na Finlândia, que permite a navegação de embarcações entre os lagos da Finlândia Oriental e o Mar Báltico; e o Canal Göta, uma via navegável artificial na Suécia que permite a navegação entre a costa oeste e leste do país. Os Estreitos turcos são dois que se complementam, ligando o Mar Negro ao Mar Egeu, separando a Europa da Ásia Menor.
O Canal de Suez é um dos mais importantes, configurando a comunicação marítima entre a Europa e a Ásia, sem a necessidade do contorno do continente africano e, em 2020, aproximadamente 19 mil navios passaram pelo canal, correspondendo a cerca de 14% do comércio mundial. Fazendo parte da rota, o Canal de Bab el-Mandeb está localizado no estreito de mesmo nome, separando a Península Arábica da África; o canal controla o acesso ao Canal de Suez e, consequentemente, ao Mediterrâneo pelo Oceano Índico, sendo crucial para o transporte de petróleo e gás natural. O Estreito de Ormuz é uma das principais rotas de comércio, sendo a única ligação entre o Golfo Pérsico e os oceanos; todo o tráfego marítimo dos principais países exportadores de petróleo passa por essa via. Por fim, o Estreito de Malaca é o principal gargalo da Ásia, o que o torna uma das rotas marítimas mais congestionadas; ele liga o continente ao Oriente Médio e à Europa e 100 mil navios atravessam o estreito por ano, o que resulta em 40% do comércio mundial.
Atualmente, quatro desses nove canais estão seriamente comprometidos e outros quatro não estão funcionando plenamente. Com o início da guerra entre Israel e Hamas, que afeta intensamente os palestinos, os houthis, um movimento político/milícia que controla a maior parte do território iemenita e cerca de 70% da população, têm conduzido ataques estratégicos contra esses canais. Os alvos principais têm sido embarcações no sul do Mar Vermelho e no Estreito de al-Mandeb, numa tentativa de apoiar os palestinos enquanto Israel e Hamas estão em conflito. Esses ataques têm causado perturbações nos fluxos comerciais globais, levando empresas de transporte marítimo e companhias de petróleo a evitarem o Canal de Suez. Isso resulta em custos de frete bem mais elevados e viagens mais longas, à medida que os navios optam por circunavegar o continente africano. Embora os houthis declarem que seus ataques visam especificamente embarcações relacionadas a Israel, na prática, acabam afetando indiscriminadamente todos os tipos de navios, incluindo aqueles sem qualquer ligação com o Estado israelense.
Em decorrência disso, o transporte de carga pelo Canal de Suez registrou uma queda de 45%, conforme relatado pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), um órgão das Nações Unidas. Os ataques forçaram empresas de transporte a desviarem suas cargas, interrompendo rotas de comércio marítimo já sobrecarregadas. A UNCTAD, que auxilia países em desenvolvimento no comércio global, alertou para os riscos de maior inflação, incerteza na segurança alimentar e aumento das emissões de gases de efeito estufa.
Em resposta, países ocidentais e outros enviaram navios de guerra para proteger e escoltar navios transitando pela região, porém, mesmo assim, o tráfego diminuiu consideravelmente. Navios militares na região têm tentado frustrar os ataques de mísseis a navios mercantes nas últimas semanas, mas os houthis continuaram seus ataques. Diante disso, grandes empresas de transporte marítimo estão emitindo alertas sobre a contínua deterioração da segurança no Mar Vermelho, apesar dos esforços ocidentais para conter os ataques dos houthis do Iêmen. Os líderes da A.P. Moller-Maersk A/S e da D/S Norden A/S, duas das maiores emoresas globais de navegação, afirmaram recentemente que percebem um aumento contínuo no nível de ameaça na região. Isso vem após a Mitsui OSK Lines Ltd., uma gigante japonesa do transporte marítimo, prever que a interrupção na rota poderia durar até um ano. “Não vimos o nível de ameaça atingir o pico, pelo contrário”, disse o CEO da Maersk, Vincent Clerc, “A quantidade ou a variedade de armas que estão sendo usadas para esses ataques está se expandindo e não há uma visão clara de quando e como a comunidade internacional será capaz de se mobilizar e garantir a passagem segura para nós”.
A indústria marítima global está se preparando para tempos mais difíceis e desafiadores após o Irã intensificar as tensões no Oriente Médio ao primeiro sequestrar o navio porta-contêineres MSC Aries, com conexão israelense, no Estreito de Ormuz, e, depois, lançar um ataque sem precedentes com drones e mísseis contra Israel em retaliação a um ataque de Israel contra uma missão diplomática iraniana em Damasco, em 1º de abril, no qual várias pessoas, incluindo dois comandantes iranianos de alto escalão, foram mortos. Esse incidente resultou em interrupções nas cadeias de abastecimento e aumentou a probabilidade de bloqueio das rotas de navegação, conforme afirmam especialistas. O ataque do Irã a Israel marca uma escalada distinta nas hostilidades, trazendo as duas nações para um conflito direto. Agora, com a confrontação direta entre os dois Estados, o maior perigo seria o fechamento do Estreito de Ormuz.
O Estreito de Ormuz é uma via crucial para o transporte marítimo global, por onde passa uma grande parte do petróleo mundial. Como mencionado anteriormente, ele é uma das principais rotas de comércio, sendo a única ligação entre o Golfo Pérsico e os oceanos. Qualquer interrupção significativa nessa rota teria impactos imediatos e severos na economia global, visto que todo o tráfego marítimo dos principais países exportadores de petróleo passa por essa via. O fechamento do Estreito de Ormuz impediria ou restringiria severamente o tráfego de navios, afetando diretamente o fornecimento de petróleo para muitos países ao redor do mundo, levando a aumentos dramáticos nos preços do petróleo e em outros produtos relacionados, causando instabilidade econômica e incerteza nos mercados globais. Além disso, o fechamento desse estreito poderia desencadear uma resposta militar de outras nações, como os EUA, interessadas em manter a liberdade de navegação na região, potencialmente levando a uma escalada ainda maior do conflito e a repercussões geopolíticas significativas.
Por enquanto, o ataque iraniano e a resposta israelense foram deliberadamente limitados em escopo e duração, ambos indicando que não pretendem escalar o conflito.
A atual crise nos canais e estreitos internacionais reflete não apenas os desafios imediatos enfrentados pela indústria marítima global, mas também a interconexão complexa entre segurança geopolítica, economia mundial e infraestrutura vital. A perturbação dessas vias cruciais de comércio não só afeta o transporte de mercadorias, mas também tem ramificações significativas na estabilidade econômica, segurança alimentar e emissões de gases de efeito estufa em escala global. O aumento das tensões geopolíticas, exemplificado pelos recentes eventos no Oriente Médio, destaca a urgência de uma resposta coordenada e eficaz para proteger essas rotas vitais e preservar a estabilidade econômica e geopolítica. Diante disso, a segurança e a operabilidade contínua desses canais e estreitos são essenciais para sustentar o comércio global e garantir o fluxo suave de bens essenciais em todo o mundo.
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