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Conflito entre Armênia e Azerbaijão sobre a região de Nagorno-Karabah



O território montanhoso de Nagorno-Karabakh, uma região historicamente disputada entre a Armênia e o Azerbaijão, tem sido uma questão de tensão e conflito por décadas, sendo a disputa mais antiga da Eurásia pós-soviética. Durante séculos, a área foi habitada por uma população predominantemente armênia, sendo incorporada à República Democrática do Azerbaijão no início do século XX. Com o estabelecimento da União Soviética (URSS) em Nagorno-Karabakh, em 1923, as tensões étnicas não foram resolvidas, mas de alguma forma se mantiveram contidas, em razão da repressão do regime soviético. À medida que o bloco socialista entrou em colapso, as tensões aumentaram de forma a se tornarem uma guerra total.

Uma série de conflitos étnicos foram iniciados após o Azerbaijão tentar reprimir o movimento separatista, em 1988, o qual se encerrou com um cessar-fogo em 1994. Como resultado, as forças armênias assumiram o controle da região e das áreas adjacentes, fazendo com que mais de um milhão de pessoas, de todos os territórios invadidos, precisassem abandonar as suas casas..

Apesar do cessar-fogo, o status quo estabelecido após a guerra levou a tensões constantes e episódios de violência esporádica. De 1994 a 2020, existiu um risco iminente do retorno da guerra, visto que drones de ataque e armamento pesado eram utilizados constantemente nas linhas de frente, bem como eram realizadas atividades de forças de operações especiais na região. Em abril de 2016, por exemplo, centenas de pessoas de ambos os lados morreram após intensos combates na linha de separação.

O conflito ressurgiu com uma intensidade renovada, em setembro de 2020, durando seis semanas. No dia 10 de novembro de 2020, um novo cessar-fogo foi mediado pela Federação Russa, pondo fim aos combates mais mortíferos. Este novo acordo mudou o equilíbrio de poder na região e levou à retirada das forças armênias de várias áreas disputadas: desde então o Azerbaijão controlava novamente, em sua totalidade, os sete distritos adjacentes a Nagorno-Karabakh, administrados pelas forças armênias desde a guerra anterior. O resto era patrulhado por uma força de manutenção da paz russa, mas governado por autoridades locais auto proclamadas.

A questão do reconhecimento da soberania do Azerbaijão, pelo governo da Armênia, sobre a área disputada está relacionada principalmente à derrota na guerra de 2020. O governo armênio vem tentando encontrar uma possível solução para o problema sem causar uma insatisfação generalizada na população. Além disso, em abril de 2022, o primeiro-ministro armênio, Nikol Pashinyan, falou sobre uma mudança nas suas prioridades: Karabakh faria parte do Azerbaijão, mas haveria negociações sobre questões específicas, como o estatuto da língua armênia. O primeiro-ministro ainda afirmou que a decisão foi tomada a pedido de parceiros internacionais “próximos e distantes”. Em setembro, Pashinyan estava pronto para assinar um acordo de paz, o que fez muitos armênios o considerarem um traidor. Dessa forma, o foco passou a ser a paz e segurança de longo prazo para a Armênia, a partir das fronteiras da antiga República Socialista Soviética, sem Karabakh.

Em dezembro de 2022, o Azerbaijão bloqueou o Corredor de Lachin, que liga Armênia a Karabakh, e não sofreu quaisquer consequências. Em virtude do ocorrido, a Armênia apenas passou a utilizar uma rota alternativa. Como resposta, os azerbaijanos dispararam contra a política armênia que utilizava esta rota, de modo a estabelecerem um posto de controle posteriormente. Mais tarde, no dia 23 de abril de 2023, o Azerbaijão foi aumentando o seu controle, alcançando assim a estrada principal para Stepanakert, a capital da República de Nagorno-Karabakh, que não é reconhecida. A partir do que estava acontecendo, alguns questionamentos passaram a ser levantados, tais como quais seriam os documentos necessários para atravessar a fronteira do Azerbaijão, se os armênios poderiam ser detidos por parecerem suspeitos e até mesmo se poderiam retornar à Karabakh caso fossem à Armênia. Essas questões dependem principalmente de os armênios aceitarem a nova realidade, o que parece ter ocorrido.

Em meio deste cenário, em abril de 2023, o primeiro-ministro armênio, Nikol Pashinyan, afirmou que a paz só poderia ser alcançada caso as suas ambições territoriais fossem limitadas às fronteiras da República Socialista Soviética da Armênia. Em razão das múltiplas guerras com o Azerbaijão pelo controle da região montanhosa, a Armênia finalmente renunciou a sua reivindicação pela área Nagorno-Karabakh. Desta forma, os armênios de Karabakh tiveram de negociar um acordo diretamente com as autoridades do Azerbaijão, que se comprometeram a tratá-los como outras minorias nacionais, de modo a não ter uma possível limpeza étnica na região. A despeito da promessa do governo do Azerbaijão, mais de 100 mil armênios dessa região imigraram para a Armênia.

Na mediação da disputa territorial, a Rússia, tradicional aliada da Armênia e do Azerbaijão, duas ex-repúblicas da União Soviética, tem atuado em prol da promoção da paz entre os dois Estados. Ao longo das últimas décadas, o governo russo foi uma importante frente na redução da escalada do conflito. Em 2020, a Rússia mediou acordo trilateral que estabeleceu medidas de cessar-fogo - após a guerra em Nagorno-Karabakh, e o estacionamento de tropas russas na região sob disputa numa missão de monitoramento. Durante as negociações, a Rússia chegou a propor uma solução para a disputa territorial, que foi rejeitada pela Armênia. O país acabou perdendo todo o território que antes reivindicara.

O líder armênio recentemente apontou determinada traição russa, com relação aos interesses armênios, dada a não intervenção russa em favor da Armênia, durante os confrontos verificados em 2022 e nesse ano de 2023. O governo de Vladimir Putin tem rebatido a queixa, por meio do argumento de que a disputa em torno de Nagorno-Karabakh tornou-se mais um assunto doméstico do Azerbaijão a partir do momento em que Pashinyan reconheceu formal e publicamente, diante de negociações mediadas pela UE, que o Azerbaijão teria soberania sobre o território em questão.

No que tange às alianças, no início de 2023 a Armênia se recusou a acolher em seu território exercícios militares planejados da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC), aliança militar intergovernamental composta de seis ex-repúblicas soviéticas, entre as quais a Rússia e a própria Armênia. O argumento do primeiro-ministro armênio foi o de que o exercício militar seria inadequado, dado o contexto atual. Esse pronunciamento segue na esteira de uma emblemática crítica feita por Pashinyan e que mostra o enfraquecimento na relação de Yerevan com Moscou: o primeiro ministro afirmou que a presença militar russa no país representava mais uma “ameaça”, do que efetivamente proteção para a nação.

Vale lembrar que em novembro de 2022, durante a cúpula da OTSC, Pashinyan vetou uma declaração da organização, referente à disputa com o Azerbaijão, visto que a mesma não condenava explicitamente os ataques proferidos deste último contra a Armênia. Além disso, em seu discurso de ano novo, o primeiro-ministro criticou veementemente a atuação da coalizão, afirmando que os aliados decidiram permanecer como observadores passivos perante os ataques do Azerbaijão. Concomitantemente ao quadro de instabilidade na relação com a Rússia, o governo armênio recentemente acolheu exercícios militares conjuntos de forças estadunidenses e armênias em campos de treinamento aos arredores da capital Yerevan. Segundo ambos os governos, os exercícios tinham como objetivo preparar o exército armênio para atuar em missões de paz e seriam importantes para o intercâmbio de práticas em controle e comunicação táctica.

Esse fato demonstra um redirecionamento para o ocidente, em especial, os Estados Unidos, com o governo de Pashinyan, desde que este chegou ao poder em 2018. Essa aproximação também pode ser vista através das sinalizações de apoio estadunidense à democracia armênia, bem como mediante a afirmação de Nancy Pelosi - presidente da Câmara dos EUA - de que Washington poderia melhor proteger a Armênia. O tabuleiro na região demonstra sinais de transformação à medida que o ocidente e o governo de Yerevan flertam entre si. Nesse cenário, é importante destacar a aproximação armênia com o presidente ucraniano, Vladimir Zelensky - opositor de Moscou, visto que, a esposa de Pashinyan, Anna Hakobyan, recentemente viajou para a capital da Ucrânia a fim de fornecer apoio aos ucranianos.

Sob esse viés, uma possível saída da Armênia da OTSC pode ser considerada. No início do ano de 2023, ao ser questionado sobre o assunto, o primeiro-ministro deixou a questão em aberto, ao apontar que a própria inação da coalizão, em especial da Rússia, tem deixado o futuro da aliança incerto. Se a Armênia redirecionar sua política externa para o ocidente, postulando eventualmente ingresso na União Europeia e na OTAN, qual seria a reação da Rússia, Turquia e Irã, países que possuem interesses geopolíticos na região do Cáucaso?

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