Como a Guerra da Ucrânia Poderia Terminar?
Imaginada inicialmente como um conflito rápido e de curta duração, a Guerra da Ucrânia, que já se estende por mais de um ano, tem demonstrado a surpreendente capacidade ucraniana de exercer resistência, com a ajuda militar, financeira, logística e de inteligência fornecida pela OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Trata-se de uma guerra de desgaste e atrição, até o momento em que o rival desista do confronto ou esteja significativamente enfraquecido, a ponto de não ter condições de permanecer no embate. Nesse tipo de confronto, o exército russo apresenta maior vantagem e possibilidade de ser vitorioso, em razão do controle relativo do espaço aéreo e potencial de artilharia, drones, e de mísseis hipersônicos.
Sob esse viés, compreende-se que ambos os Estados envolvidos no conflito - Rússia, Ucrânia - encontram-se em um contexto de ameaça existencial. A Rússia vê-se ameaçada, à medida que visualiza uma possível integração ucraniana na aliança militar da OTAN, bem como frente aos objetivos norte-americanos - principalmente após o Crise da Criméia de 2014 - de mitigar os poderes e influências russas no mundo e remover o país do quadro das grandes potências no sentido político, econômico e comercial. Já a Ucrânia enfrenta uma ameaça existencial à medida que tem sua soberania veementemente ameaçada, perante o interesse russo de desmilitarizar seu território e neutralizar o país, transformando, assim, a Ucrânia em um Estado desmembrado e disfuncional.
Nesse sentido, especialistas tendem a apontar certos rumos para a guerra, os quais variam entre um possível congelamento do conflito - que poderia facilmente recrudescer - e, na pior das hipóteses, tornar-se uma guerra nuclear. Sobre essa última hipótese, o cientista político John J. Mearsheimer aponta que a escalada nuclear é mais provável em situação de envolvimento direto da OTAN e risco de derrota russa, visto que Moscou pode vir a empregar o uso de armas nucleares como último recurso na guerra. Todavia, as expectativas dos analistas são de que o conflito se estenda por tempo indeterminado, abrindo margem para a discussão de possíveis três soluções finais: 1) vitória militar e consequente mudança de regime no país derrotado; 2) acordo de armistício e status quo no modelo coreano; e 3) acordo diplomático, envolvendo possíveis concessões territoriais e neutralidade permanente da Ucrânia.
A primeira opção de vitória militar ou absoluta do conflito é compreendida como uma vitória por meio da instalação de um novo regime no Estado perdedor, a partir da capitulação e ocupação ou anexação de todo ou parte do território inimigo. Essa opção, no entanto, parece ser improvável de acontecer, visto que até o momento a Rússia se absteve de lançar uma ofensiva total contra a Ucrânia, atendo-se a um conflito de atrição e absorvendo parte das regiões etnicamente russas da Ucrânia. A Rússia pode estar calculando que uma derrota total da Ucrânia e sua eventual ocupação militar não seria recomendável, pois 1) a Rússia precisaria de um número muito significativo de tropas para ocupar toda a Ucrânia, dada sua extensão territorial, e ainda assim enfrentaria um estado permanente de resistência por parte dos locais, especialmente do noroeste do país, que é profundamente nacionalista, católico e pró-ocidental; 2) uma ofensiva total contra a Ucrânia arriscaria a entrada direta da OTAN na guerra, ao lado dos ucranianos, algo que a Rússia gostaria de evitar; 3) até o momento, a Rússia tem conseguido ganhos incrementais no conflito sem afetar substancialmente sua economia, o apoio da população, e sua posição diplomática geral. Já no lado ucraniano, aponta-se que o governo de Volodymyr Zelensky nunca anunciou a mudança de regime na Rússia como um de seus objetivos, mas sim a reconquista das regiões perdidas, incluindo a Criméia. Para destituir Putin do poder e alcançar uma vitória militar absoluta, a Ucrânia teria que negar à Rússia a capacidade de controle territorial de Putin dentro da fronteira russa, por meio de imobilização de todo o seu aparato bélico - evento esse que parece ser irreal e utópico.
Uma outra solução seria um acordo de armistício e status quo no modelo coreano. Nesse sentido, a ideia seria se basear nas lições tidas pela Guerra da Coreia, que tinha como objetivo reunificar os países Norte comunista e o Sul capitalista. Tecnicamente este evento não acabou, ele foi pausado por um armistício, de modo a manter uma paz durante 70 anos. É a partir deste entendimento que se torna intrigante comparar o contexto coreano com a Guerra da Ucrânia, já que é bastante recorrente a discussão em torno de um acordo de paz. De acordo com James Matry, especialista americano sobre a Coreia, não é possível comparar diretamente as duas guerras, mas, mesmo assim, é interessante analisar alguns detalhes do cenário atual, em razão de certas similaridades do conflito mencionado, como é caso de os grandes intervenientes de ambos os conflitos serem os mesmos: os EUA, de um lado, e a China e a Rússia, do outro.
O contexto de negociações relativas e o envolvimento de duas potências protetoras também podem ser vistos durante a guerra na Ucrânia, com a participação dos Estados Unidos e da China. Nesse cenário, Stephen Kotkin, especialista americano sobre a Rússia, sugere um cessar-fogo ou um tratado de paz assinado em Pequim, já que significaria uma atribuição de responsabilidade significativa à China. Além disso, o ocorrido seria responsável por aumentar a pressão sobre a Rússia, que depende da China, para não atacar novamente a Ucrânia. Ao utilizar o “modelo coreano”, a perspectiva do povo ucraniano pode melhorar conforme ocorre um regresso à estabilidade global.
Apesar de acordos de armistícios poderem apresentar bastantes[1] detalhes, geralmente não são abordados os fatores políticos do conflito. Por conseguinte, as tensões existentes podem perdurar por mais tempo, bem como permaneceriam mínimas as relações diplomáticas e econômicas entre as partes. Para que o risco de reiniciar o conflito seja reduzido, seria importante adotar mecanismos para monitorar e garantir o cumprimento dos acordos. No caso da Ucrânia, um armistício significaria um congelamento das linhas de frente, de modo a encerrar a longo prazo o combate ativo. Nesse cenário, enquanto a Rússia iria interromper a chamada Operação Militar Especial, a Ucrânia pararia a sua contra-ofensiva contra a Rússia. Apesar da pausa no conflito, ainda existiriam algumas disputas territoriais que seriam contestadas, não mais no aspecto militar, mas agora no político e diplomático. Algumas questões provavelmente permaneceriam sem solução, como é o caso do controle territorial, pagamento de reparações pela Rússia e o estatuto geopolítico da Ucrânia. Com o acordo de armistício, a região passaria a ser similar à fronteira interna alemã durante a guerra fria: as fronteiras ficariam em grande parte fechadas e altamente militarizadas na linha de controle.
Por fim, a terceira solução seria um acordo político ou tratado de paz responsável por finalizar o conflito. Esta opção englobaria a resolução das disputas que desencadearam a guerra, assim podendo envolver possíveis concessões territoriais e a neutralidade permanente da Ucrânia, por exemplo. Um acordo diplomático na Guerra da Ucrânia poderia acarretar compromissos ocidentais para reforçar a segurança da Ucrânia, bem como o fim de tensões na região. Questões culturais, liberdade de circulação, fundo de reconstrução, comércio bilateral e condições para alívio das sanções ocidentais à Rússia poderiam ser algumas das temáticas abordadas no acordo político. Não seriam necessariamente todas essas questões debatidas, mas em tese algumas delas seriam resolvidas.
Devido à dimensão territorial e temporal que o conflito vem ocorrendo, surge a necessidade de debater sobre uma possível solução final ao combate. A vitória militar e consequente mudança de regime no país derrotado não se mostra muito provável. A inspiração no modelo coreano voltado ao acordo de armistício e status quo seria uma opção para o regresso à estabilidade global, mas é uma questão que englobaria mais o sentido militar do conflito, sem abordar os fatores políticos. Assim, alguns assuntos econômicos e políticos provavelmente permaneceriam sem solução, de modo a ainda apresentar uma tensão na região. Por fim, a opção do acordo diplomático poderia envolver possíveis concessões territoriais e neutralidade permanente da Ucrânia, o que abrangeria questões que estariam em falta no acordo de armistício. Para o fim da guerra na Ucrânia, provavelmente a melhor solução seria uma convergência entre um acordo de armistício e acordo diplomático, de modo a abordar tanto o aspecto militar do problema, como a área política, gerando uma paz mais duradoura na região.
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