China vai invadir Taiwan?
Após ser derrotado na guerra civil chinesa pelas forças de Mao Zedong, o governo de Chiang Kai-Shek, líder do Kuomintang (Partido Nacionalista Chinês), fugiu para Taiwan em 1949 e declarou que o governo legítimo da República da China (ROC – sigla em inglês) estava, a partir de então, baseado na ilha. Por sua vez, Mao Zedong declarou fundada a República Popular da China (RPC), e o governo comunista chinês passou a tratar Taiwan como uma província rebelde. Desde então, criou-se uma disputa entre ambos os governos, cada qual desejando ser reconhecido como o governo legítimo de toda a China. A disputa se refletiu na representação do país na ONU, pois até 1970 representantes do governo de Taiwan ocupavam as cadeiras reservadas para a China. A partir de 1971, China passou a ser representada na ONU por diplomatas indicados pela RPC.
Usando todo o seu peso politico e econômico, a RPC tem imposto a política chamada de “uma China”, o que significa que só é possível manter relações diplomáticas com a China comunista. Uma vez que Taiwan é considerado parte da China continental, as tensões têm sido constantes por décadas e o objetivo comunista de sua reunificação com a RPC, como aconteceu com Hong Kong, é claro. O governo comunista chinês já deixou claro, em varias manifestações, que a independência de Taiwan seria causa de guerra e a ilha seria invadida e retomada a força. Mais recentemente, a ameaça de invadir a ilha pareceu mais concreta devido a movimentos militares provocativos em seus arredores, em especial o envio de dezenas caças e bombardeiros com capacidade nuclear para a zona de identificação de defesa aérea taiwanesa, chamada ADIZ, cujo alcance é muito superior ao espaço aéreo soberano taiwanês.
Diante deste cenário, quais as opções politicas e militares de Taiwan? A primeira hipótese levantada é de uma intervenção militar americana em defesa da ilha. Desde a Revolução Comunista Chinesa, os Estados Unidos da América (EUA) romperam relações diplomáticas com a China continental e, em 1955, estabeleceram um tratado de Defesa Mútua com Taiwan que durou até 1980. Em 1979, porem, houve a retomada de relações diplomáticas entre EUA e RPC. Apesar de aceitar a política de “uma China”, EUA e Taiwan mantêm relações próximas graças ao Tratado de Relações de 1979, o qual estabelece o compromisso americano de manter “suficientes capacidades de autodefesa” na ilha. Restam dúvidas, no entanto, acerca da viabilidade e disposição americanas de entrar em um conflito na eventualidade de uma invasão por forças da China continental. Scott Ritter destaca em comentário à RT que as possibilidades de defesa da ilha de Formosa podem ser limitadas – diferente do que se vê nos discursos americanos. Isso porque, ao contrário do que ocorre entre aliados formais, as operações de treinamento dos EUA em Taiwan não são realizadas em larga escala, não havendo, portanto, o mesmo nível de interoperabilidade entre as tropas. Ritter pondera também que a RPC só atacaria baseada ostensivamente em relatórios de inteligência que chegassem o mais próximo possível de lhe assegurar a vitória, o que significa que Taiwan cairia rapidamente. Este timing limitaria, mesmo com sua presença naval no estreito da ilha, a capacidade de resposta americana que precisaria, antes, recuar para evitar os mísseis balísticos chineses. Soma-se a isso o fato de que os EUA não arriscariam uma escalada do conflito que os levassem ao nível nuclear, de modo que pareceria pouco provável uma verdadeira disposição americana em defender Taiwan em uma guerra convencional.
Todavia, essa não é a única opção. O governo da ilha também poderia se nuclearizar para evitar uma suposta invasão do governo da RPC, embora essa opção não seja tão viável. Como argumenta Holmes ao jornal 19FortyFive, a dissuasão nuclear não deve ocorrer pois, tendo vista a ânsia da RPC em preservar os recursos tecnológicos e naturais da ilha, e os mecanismos internacionais contra uso de armas atômicas, é quase carta fora do baralho. Muito provavelmente, a China continental se valeria de bloqueios aéreo e naval, além de um ataque por terra e mar, em vez de uma destruição nuclear. Por isso, com a improbabilidade de um ataque nuclear vindo da China continental e a noção de que mesmo um arsenal nuclear taiwanês pode não ser o suficiente para dissuadir o governo chinês do continente de atender os interesses vitais da RPC, a ilha de Formosa deveria focar seus recursos para a prevenção de um ataque convencional que muito provavelmente chegará – se chegar – pelo Estreito de Taiwan, trabalhando com mísseis terrestres antinavio e antiaéreo e sistemas marítimos de campos minados, naves de patrulha e silenciosos submarinos elétricos a diesel rondando os arredores da ilha, sustenta o 19FortyFive.
O regime comunista chinês já tem provocado, por seu comportamento no Mar da China Meridional e em outras áreas, a formação de alianças contra-hegemônicas, como o QUAD (Estados Unidos, Japão, Austrália e Índia) e o AUKUS (Austrália, Reino Unido e Estados Unidos). Uma intervenção militar chinesa certamente ocasionaria seu maior isolamento diplomático e possíveis sanções dos países ocidentais e parceiros do QUAD/AUKUS.
A crescente deterioração nas relações China-EUA pode estar refletida numa maior preocupação com uma invasão da ilha de Formosa no futuro – que não é, obviamente, impossível, mas também, necessário ressaltar, nada fácil. Ainda que a China continental obtivesse uma campanha militar bem sucedida, poderia deparar-se com uma derrota de seus objetivos políticos graças a expressivos números de soldados mortos durante a invasão, custos monetários e políticos no que se refere a suporte de feridos e veteranos, o que se sobreporia ao já existente problema no sistema de aposentadorias devido à extinta política do filho único, bem como extensas campanhas de insurgência urbanas, com alta densidade demográfica, que surgiriam no território insular, uma vez que o continente não possui apoio popular expressivo na ilha. Uma invasão de Taiwan mostraria o que outras potências, como os Estados Unidos e a antiga União Soviética, já vivenciaram: a contra-insurgência é difícil e cara.
Até aqui, o aumento da assertividade chinesa não tem lhe rendido graves consequências, mas dada a importância da questão da soberania de Taiwan e a relevância estratégica das ações no Mar do Sul da China, é bastante improvável que uma invasão não arrastaria outras potências para o conflito, assim como altos custos políticos e econômicos. Logo, parece mais provável considerar que a China continental também enxerga uma invasão militar como um cenário ruim para si, o que leva seus exercícios militares a serem interpretados como pressão psicológica contra Taiwan, com o objetivo de instigar o medo na população. O mesmo pode ser observado em ações econômicas que visem desestabilizar a ilha. É inegável que a RPC busca a unificação desde a fuga de Chiang Kai-Shek, contudo apostar em meios unicamente militares para atingir este fim seria um erro tanto dos que o buscam, como dos que desejam preveni-lo.
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