China e seu expansionismo territorial
É notória a projeção de poder e influência que a República Popular da China tenta promover em sua região do Sudeste Asiático nas últimas décadas, suscitando conflitos com os países vizinhos. Localizado nessa região, o Mar do Sul da China (MSC; ou Mar da China Meridional) é considerado uma importante travessia do comércio internacional, visto que mais de 5 trilhões de dólares passam por ele, e que é a passagem mais importante no tangente ao transporte de petróleo bruto.
A China reivindica soberania sobre a quase totalidade do MSC, incluindo as ilhas e atóis nele presentes, com base jurídica em alegados títulos históricos de proximidade territorial, uso e posse. Foi na década de 1940 que a então República da China apresentou em um mapa oficial a “Linha de Nove Traços”, a qual delimitaria a soberania nacional do país naquelas águas, considerando-as futuramente como “águas territoriais” no regime da Convenção das Nações Unidas para o Direito do Mar (UNCLOS - sigla em inglês). Em 1992, foi promulgada a Lei da República Popular da China sobre o Mar Territorial e a Zona Contígua, a qual assenta que o mar territorial do país é formado pelas águas adjacentes aos territórios considerados de soberania chinesa, como a ilha de Taiwan e ilhas disputadas que se encontram no MSC (artigo 2), e garante aos navios não militares a possibilidade da “passagem inocente” pelas suas águas conforme a lei (artigo 6). Segundo o direito internacional, esse tipo de passagem ocorre quando um navio estrangeiro adentra o mar territorial de determinado país, mas não denota perigo à segurança do Estado cujas águas estão sendo atravessadas.
A questão é que, por mais que a China tenha essa reivindicação, ela também aderiu ao regime internacional do direito do mar, ao ser signatária da Convenção das Nações Unidas para o Direito do Mar de 1982. A UNCLOS regula as zonas nacionais de jurisdição marítima, estabelecendo que a extensão máxima do mar territorial é de 12 milhas náuticas (ou seja, 22 quilômetros a partir do litoral do Estado). O problema é que a “Linha de Nove Traços”, além de não precisar as diferentes áreas marítimas chinesas, colide com as zonas marítimas de outros Estados costeiros.
A reivindicação marítima chinesa recebeu um revés em 2016, a Corte Permanente de Arbitragem foi favorável às Filipinas, determinando que a “Linha dos nove traços“ e os “direitos históricos“ da República Popular da China sobre as águas não teriam valor legal. A China, claro, não reconheceu a decisão.
A China reivindica o Mar da China Meridional quase que em sua totalidade, e desde então realiza ações para afirmar sua soberania no MSC, como a edição de novas medidas administrativas para controlar o tráfego marítimo em suas “águas territoriais”, as quais englobam zonas marítimas reivindicadas por outros países da região. Uma vez que o MSC funciona como um hub comercial marítimo, um importante eixo comercial entre a África, a Ásia e a Oceania, é de se esperar que os países da região e potencias extra-regionais não abram mão de seus alegados direitos, muito menos que aceitem de bom grado as novas medidas chinesas que, pode-se argumentar, ferem o princípio do mare liberum, defendido por Hugo Grotius no século XVII, bem como por diversos outros juristas, internacionalistas e tratados internacionais desde então.
Nesse sentido, os Estados Unidos, que costumeiramente realiza o exercício de liberdade de navegação na região com o intuito de, principalmente, reafirmar a liberdade de navegação de uma seção importante do MSC, declarou, por meio do porta-voz do Pentágono, que “Os Estados Unidos permanecem firmes de que qualquer lei ou regulamento do Estado costeiro não deve infringir os direitos de navegação e sobrevoo desfrutados por todas as nações sob o direito internacional”. A vice-presidente Kamala Harris viajou a Singapura e ao Vietnã, de onde fez um discurso classificando a postura chinesa como coercitiva e intimidadora. Vale ressaltar que, enquanto pede que a China respeite a UNCLOS, o país americano não faz parte da dita Convenção, mas fundamenta seus direitos em normas do direito internacional costumeiro.
As novas medidas chinesas entram em vigor pouco após a desastrosa retirada das tropas americanas do Afeganistão, o que para alguns demonstra o timing chinês em reafirmar suas reivindicações de soberania sobre as águas durante uma crise de credibilidade do rival americano. Não há, contudo, clareza quanto à capacidade chinesa de garantir a aplicação de todas as novas medidas, como obrigar submarinos estrangeiros a navegar na superfície e mostrar suas bandeiras, como estabelece o artigo 7 da nova Lei sobre o mar territorial e a zona contígua da República Popular da China, por exemplo.
É interessante destacar a disposição americana em fazer-se presente na região, o que sinaliza uma mudança de foco de sua política externa, saindo um pouco do Oriente Médio para redirecionar-se ao Indo-Pacífico, em especial com o objetivo de conter os avanços chineses. Os EUA estão formando, aos poucos, uma aliança informal ou formal com países da região para conter a China e seu expansionismo territorial. O custo, para a China, das suas reivindicações territoriais no MSC pode ser mais alto que o governo chinês estima.
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