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A Turquia e as Alianças Ocidentais


A adesão da Turquia ao “Ocidente” foi pauta política desde o século passado, A Turquia já é membro da OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte desde a década de 50 do século passado, e almeja fazer parte da União Europeia (UE). Como membro da OTAN, a Turquia tem procurado cumprir suas responsabilidades. Manteve, por exemplo, um pequeno contingente militar no Afeganistão e reservou um destacamento de força aérea para o policiamento aéreo do Mar Báltico. Nas relações com a União Europeia, negociou um acordo para controlar o fluxo de refugiados sírios para o território europeu.

Por outro lado, diversas situações ocorridas desde a década passada têm causado um estremecimento nas relações entre a Turquia e a OTAN e União Europeia, e levado os dois lados a uma reavaliação de suas alianças e prioridades.

De fato, segundo uma pesquisa do Areda Survey, 54,6% dos turcos enxergam os Estados Unidos da América (EUA) como a maior ameaça à segurança de seu país e 58,2% dos turcos consideram a Rússia como aliado estratégico, e 72,2% se opõem a qualquer tipo de cooperação com os EUA, priorizando as relações de cooperação com a Rússia (78,9%) do que com o país estadunidense (21,1%). Além disso, o presidente Joe Biden reconheceu o “genocídio armênio” cometido pelo Império Turco-Otomano durante a Primeira Guerra Mundial, sendo um duro golpe para um governo que nega veementemente o episódio, e uma pesquisa realizada pelo Conselho Europeu de Relações Exteriores com mais de 17 mil pessoas de 12 países europeus mostrou que “a Turquia é o único país que mais europeus veem como um adversário do que um parceiro necessário [..] e apenas 4% a veem como um aliado com valores e interesses comuns”.

As divergências são em várias direções, principalmente nas regiões do Mediterrâneo e do Magreb. A tensão se agrava no Mediterrâneo, com relação a Grécia (membro da OTAN) e Chipre (membro da União Europeia), devido ao aumento da ingerência da Turquia na região, principalmente com o apoio turco à autoproclamada República do Chipre do Norte (de maioria turca) na ilha da República do Chipre, cujo governo é reconhecido apenas pela Turquia, com a intenção de explorar os mares ricos em energia de Chipre e, por consequência, o mar mediterrâneo oriental. Além disso, a Líbia encontra-se em guerra civil, a Turquia e países como Franca e Itália (membros da OTAN e União Europeia) apoiam lados opostos. Dessa forma, não só a França acusa o governo de Erdogan de suprir ilegalmente os rebeldes com armamento pesado, violando o embargo feito pela Organização das Nações Unidas à região, como também, segundo a RT, a posição se afasta ainda mais na tentativa turca de delinear uma fronteira marítima com a Líbia, aumentando as reivindicações do país em águas do Mediterrâneo, confrontando-se com a UE e países da costa mediterrânea no tangente às prováveis reservas de petróleo e gás ali presentes.

A aspiração turca de fazer parte da UE é antiga, mas sem expectativas claras de que isso possa ocorrer, a Turquia deixa claro que possui outras ofertas na mesa, como a Organização de Cooperação de Xangai (SCO). De acordo com Erdoğan, se oferecida a adesão plena ao SCO, a Turquia abandonará sua tentativa de ingressar na UE. Ainda em setembro de 2010, aeronaves turcas e chinesas realizaram exercícios conjuntos no espaço aéreo turco, em mais uma sinalização da aproximação turca com potencial adversário da OTAN. Considerando as semelhanças em relação ao regime político, Erdoğan, que entre os cargos de presidente e primeiro-ministro já governa o país desde 2003, é muito mais próximo de líderes como Putin, do que com o Ocidente, daí os inúmeros constrangimentos diplomáticos em relação à estabilidade da democracia turca. Com a crescente islamização do país - da qual eventos recentes são símbolos - como a reconversão da Hagia Sophia (Basílica de Santa Sophia), que estava sendo usada como museu, em uma mesquita em Istambul, a Turquia e o Ocidente, profundamente secularizados, parecem cada vez mais distantes.

Na Síria, oficiais militares turcos e russos concordaram em cooperar para encontrar uma solução para os cortes de água e eletricidade na cidade de Al-Hasakah. Ambos os países têm investido em cooperação no campo energético e desejam aumentar seu volume de comércio bilateral. Enquanto isso, o apoio americano às Forças Democráticas Sírias (SDF), fortemente compostas por milícias curdas, tem feito crescer o sentimento antiamericano na Turquia.

Historicamente, as forças armadas turcas dependeram grandemente da tecnologia militar americana e europeia, mas nos últimos anos o governo de Erdogan tem buscado tornar-se mais independente em relação ao seu equipamento de defesa, de modo que a indústria turca passou a investir em armas, mísseis, tanques e navios de guerra, transformando-se em exportadora de material bélico. Exemplo disso é o Bayraktar TB2, veículo de combate não-tripulado que foi essencial para a vitória do Azerbaijão no Cáucaso. A busca por maior independência militar pode sinalizar a intenção turca de eventualmente se retirar da OTAN, que exige interoperabilidade entre equipamentos militares. As sanções impostas à indústria de defesa da Turquia por seus aliados da OTAN, que impediram a venda de tecnologia crítica ou sistemas inteiros para o país, são mais um fator para a busca por maior independência. Os EUA expulsaram a Turquia do programa F-35, do qual o país havia sido um contribuidor e fabricante original, após a aquisição turca da plataforma avançada de defesa aérea e antimísseis S-400 fabricada pela Rússia, e a Alemanha tem relutado em modernizar o estoque de tanques Leopard 2 da Turquia.

Os EUA, e por extensão da OTAN, mostram-se também preocupados com o modo que a Turquia lida com a questão dos curdos - o país é acusado de graves violações dos direitos humanos. A Turquia foi o primeiro país membro da OTAN a ser listado como implicado no apoio a grupos de mercenários na Síria que empregam crianças como soldados.

Diante disso, o objetivo turco é tornar-se cada vez mais eficiente e independente - uma decisão interessante se pensarmos na visão realista de um sistema de autoajuda nas relações entre os Estados. Essa visão é fortalecida pela postura nacionalista dos líderes turcos, que mudaram a política externa do país de “zero problemas com os vizinhos” para um papel de criadora e mantenedora da ordem regional sob a sua liderança. A herdeira de um grande império deseja posicionar-se com projeção regional e prestígio internacional.

A forma como Erdogan administra seu governo está gerando enorme atrito com os países do Ocidente, e a aproximação com Rússia e China, a fim de ter seus interesses nacionais realizados mais rapidamente, é um desafio crescente com o qual Estados Unidos, OTAN e União Europeia deverão lidar. O fato é que o contexto que motivou a aproximação do Ocidente com a Turquia no passado (a Guerra Fria) mudou e hoje um mundo mais multipolar enxerga novos arranjos. Essa mudança torna esperada a necessidade de certa reorganização, o que não quer, necessariamente, dizer que o Ocidente precise ver a Turquia como adversária ou vice-versa. Nesse sentido, o Secretário de Estado dos EUA destacou, em reunião com o Conselho Europeu de Relações Exteriores, que a Turquia é um parceiro importante que deve permanecer no Ocidente e não estar amarrado à Moscou. Entretanto, a tendência atual da politica externa turca indica mais tensionamento e possível ruptura futura.

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