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A Revolta da África



Fundada em 28 de maio de 1975, a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) é uma organização regional composta, atualmente, por Benim, Burquina Faso, Cabo Verde, Costa do Marfim, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Libéria, Mali, Níger, Nigéria, Serra Leoa, Senegal e Togo. Há 48 anos, líderes desses 14 países (com a exceção de Cabo Verde) e da Mauritânia, que saiu da organização em 2000, se reuniram para discutir e assinar o Tratado de Lagos, que encapsulava o desejo desses Estados em promover a cooperação e integração da região, buscando o estabelecimento de uma união econômica que elevasse o padrão de vida do povo africano, contribuindo para a estabilidade econômica, o desenvolvimento e o progresso do continente.

A organização conta com 15 objetivos e 11 princípios fundamentais que, juntos, expressam esse compromisso com a união e o progresso. Ao longo do tempo, a CEDEAO se tornou um dos pilares da comunidade econômica africana, motivando a autossuficiência coletiva entre seus membros e a criação de um bloco de cooperação econômica robusto.

No entanto, o bloco tem enfrentado complexos desafios desde o começo da década de 2020. Nos últimos três anos, quatro dos quinze países membros da organização – Burquina Faso, Guiné, Mali e Níger – sofreram golpes de Estado, se encontrando sob governos militares, seguindo o mesmo caminho de Chade O mais recente golpe ocorreu em 26 de julho de 2023, no Níger, retirando do poder o até então presidente, Mohamed Bazoum, e levando a CEDEAO a aplicar sanções contra o país e estabelecer um ultimato, ameaçando intervenção militar caso o presidente eleito não fosse restaurado em até sete dias.

Dentre as sanções, foi decidido pela CEDEAO, de acordo com o presidente da organização Omar Alieu-Toray, o fechamento das fronteiras aéreas e terrestres entre os países membros e o Níger, além da suspensão de todas as suas transações comerciais com os Estados do bloco, bem como o congelamento dos ativos da República do Níger nos Bancos Centrais da CEDEAO. Essas ações provocaram reações de Burquina Faso e Mali, que ameaçaram se retirar da CEDEAO caso haja intervenção militar no Níger, acrescentando que interpretariam a atitude do bloco como uma declaração de guerra. Argélia se pronunciou contra a intervenção militar também, apoiando uma solução pacífica para a crise interna no Níger.

No macro cenário, todavia, o Níger carece de apoio significativo de outros atores internacionais. Pelo contrário, a França e outros países da União Europeia demonstram inquietação diante da situação interna do país, tendo em vista a sua contribuição para a energia nuclear e as importações de urânio; o Níger atende a 15% das demandas de urânio da energia nuclear francesa e contribui com um quinto das importações de urânio da União Europeia. O golpe no Níger pode representar um desafio para as necessidades de urânio da Europa a longo prazo, especialmente enquanto o continente busca diminuir sua dependência da Rússia, outro fornecedor chave de urânio para usinas nucleares europeias. Segundo Phuc-Vinh Nguyen, especialista em energia do Instituto Jacques Delors em Paris, as tensões no Níger podem, de fato, desencorajar a UE de aplicar sanções ao setor nuclear russo.

Embora o governo francês afirme que possui reservas de urânio suficientes para dois anos de uso e minimize o impacto imediato da situação, alegações de um plano para libertar o presidente eleito do Níger levantaram tensões, culminando em um protesto que danificou a embaixada francesa no Níger. Em pronunciamento, o Palácio do Eliseu, representando o presidente francês Emmanuel Macron, alertou que “Qualquer um que atacar cidadãos franceses, o exército, diplomatas ou bases francesas verá a França retaliar imediata e intratavelmente. O Presidente da República não tolerará nenhum ataque contra a França e seus interesses”. A ameaça não é um blefe: há bases militares francesas e americanas no Níger. Em resposta, o novo governo do Níger rompeu os acordos existentes com a França e proibiu a transmissão de redes francesas no país.

Niger é também um importante parceiro do projeto de gasoduto transsaariano, que levaria o gás nigeriano pelo território de Níger e da Argélia até alcançar a Europa.

Os manifestantes no Níger têm apoiado o novo governo e demonstram abertamente ressentimento em relação à França, antiga potencia colonial, e alguns veem a Rússia como uma alternativa poderosa. A natureza do envolvimento russo nas manifestações permanece obscura, mas alguns manifestantes exibiram bandeiras russas, ao lado de cartazes com dizeres como "Abaixo a França" e expressões de apoio ao presidente russo, Vladimir Putin. A companhia militar privada russa Wagner opera em países vizinhos, como o Mali, e, sob a liderança de Putin, a Rússia expandiu sua influência na África Ocidental. Ainda que os líderes da recente junta no Níger não tenham ainda revelado suas intenções de se alinhar com Moscou, é legítimo considerar a possibilidade de que nações africanas possam fortalecer laços com tanto a esfera de influência russa quanto a chinesa.

Nos últimos anos, tanto a China quanto a Rússia têm intensificado sua presença e influência no continente africano, utilizando-se de investimentos substanciais, acordos comerciais abrangentes e colaborações em diversas esferas. Aos poucos, parece estar surgindo a percepção de que as nações ocidentais, antigos colonizadores, não estão atendendo adequadamente à promoção da estabilidade e do progresso na região, o que tem estimulado alguns países africanos a explorar alternativas em termos de alianças e parcerias.

De imediato, o governo francês, assim como outros países ocidentais, tomou a decisão de suspender a assistência ao país tendo um impacto substancial na região, uma vez que o Níger é altamente dependente da ajuda estrangeira. A possibilidade de sanções adicionais representa uma ameaça adicional para a já vulnerável população de mais de 25 milhões de habitantes e o Níger precisa encontrar uma solução para evitá-las, disse o primeiro-ministro nigerino Ouhoumoudou Mahamadou à mídia francesa Radio France Internationale no domingo, dia 30 de julho, afirmando que “Quando as pessoas dizem que há um embargo, as fronteiras terrestres estão fechadas, as fronteiras aéreas estão fechadas, é extremamente difícil para as pessoas ... O Níger é um país que depende muito da comunidade internacional”.

O Departamento de Estado dos Estados Unidos também está ponderando a situação, indicando que a governança democrática é um fator determinante para a continuidade da assistência. O porta-voz do departamento, Matt Miller, destacou que a ajuda dos EUA está intrinsecamente conectada ao quadro democrático no Níger e será ajustada conforme a evolução da situação no país. Esta postura reflete a importância da estabilidade política e democrática como base para a colaboração internacional e a assistência. Na realidade, os EUA se oporão ao novo governo se concluírem que seus interesses no país, como a manutenção da enorme base militar, não forem preservados.

Diante do exposto, fica evidente que se a restauração do presidente eleito não ocorrer, o futuro da CEDEAO pode enfrentar desafios significativos, pois fica evidente a falta de coesão do bloco e sua limitada capacidade de promover a cooperação e integração regional. No caso de uma intervenção militar sancionada pela organização, o sistema de segurança regional da África Ocidental entrará em colapso, com um conflito armado que envolverá, em lados opostos, diversos membros da mesma organização.

Uma abordagem fundamentada na autossuficiência da África Ocidental, e no principio da não intervenção, é de longe o resultado mais desejável para os Estados membros da CEDEAO. Com o Ocidente estrategicamente sobrecarregado devido a compromissos como a defesa da Ucrânia e o combate à China no Indo-Pacífico torna-se incerto se os Estados Unidos e a União Europeia ainda estarão dispostos a atuar como garantidores da segurança em toda a África; consequentemente, o ônus de fornecer a segurança regional necessária para o desenvolvimento e a prosperidade agora recairia sobre os Estados da CEDEAO.

Uma ordem de segurança global em que a CEDEAO detenha recursos estratégicos e autonomia para definir as diretrizes em sua própria região pressuporia também que a União Europeia aceite que os Estados africanos nem sempre apoiarão automaticamente as posições ocidentais em questões regionais e globais.

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