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A Reforma Política e Militar na Turquia




A habilidade do presidente Recep Tayyip Erdogan em impulsionar reformas significativas não é uma novidade. Em de julho de 2018, exatamente dois anos após uma tentativa de golpe militar contra o seu governo, ocorrida pouco tempo depois de sua reeleição, Erdogan demonstrou sua determinação ao nomear o General Hulusi Akar, um ex-Chefe do Estado-Maior, para o cargo de Ministro da Defesa. Essa ação não apenas repercutiu na estrutura do exército turco, mas também evidenciou a capacidade do presidente de reagir e remodelar as instituições diante de desafios complexos.

Essa mudança já havia sido insinuada por Erdogan enquanto ele se dirigia à Cúpula da OTAN, que teve lugar nos dias 11 e 12 de julho do mesmo ano. Pouco tempo após seu retorno da Cúpula em Bruxelas, o decreto foi emitido, marcando um desenvolvimento crucial na submissão das Forças Armadas Turcas a um controle civil mais estrito. Esse movimento ganha um significado crucial ao considerarmos que Hulusi Akar havia sido capturado por soldados envolvidos na tentativa de golpe na noite de 15 de julho de 2016. Apesar do trauma resultante desse episódio, Akar desempenhou um papel de destaque no pós-golpe, liderando a remoção de membros da rede golpista alegadamente associada ao líder islâmico Fethullah Gulen, demonstrando resiliência ao liderar uma ampla operação militar na Síria apenas cinco semanas após a data de 15 de julho.

Além disso, a Turquia sofreu uma série de reformas em seu sistema de governo. O cargo de primeiro-ministro foi abolido, resultando na concentração do poder executivo nas mãos do presidente. Em decreto presidencial,Erdogan também promoveu mudanças no Conselho Supremo Militar (YAS), responsável pelas promoções e aposentadorias nas forças armadas. Com base nesse realinhamento, o presidente ou um dos vice-presidentes assumiu a presidência do YAS, e os ministros da Defesa, Justiça, Relações Exteriores, Interior, Finanças e Educação, juntamente com o Chefe do Estado-Maior e os comandantes do Exército, Marinha e Força Aérea, foram incluídos como membros do YAS. Embora naquela época houvesse incertezas sobre a eficácia das decisões de Erdogan em conter possíveis manipulações políticas das forças armadas, essa medida representou um avanço significativo ao colocá-las sob controle civil. Hoje, após cinco anos, podemos perceber que as escolhas do presidente alcançaram seu propósito.

Ainda, em agosto de 2021, Erdogan emitiu uma mensagem direcionada a atores internacionais de destaque, notadamente aos Estados Unidos, União Europeia e Rússia, abordando sua política de reestruturação das Forças Armadas Turcas e afirmando que essa reforma havia atingido sua fase final. Erdogan fundamentou essa reestruturação na necessidade de corrigir as falhas do antigo regime corrupto na Turquia, superar as tensões nas relações com a OTAN e os EUA, agravadas pela recusa turca em participar da Guerra do Iraque, e também enfrentar as consequências da conspiração que envolvia Fethullah Gulen – outrora considerado um aliado de Erdogan –, em conluio com o exército.

As recentes alterações implementadas por Erdogan incluíram a subordinação direta do Chefe do Estado-Maior ao Presidente, ao passo que os comandantes das forças passaram a se reportar ao Ministério da Defesa, alinhando-se, assim, ao sistema adotado pelos Estados Unidos. Essa transição foi realizada por meio da transferência lateral de Hulusi Akar do cargo de Chefe do Estado-Maior para o Ministério da Defesa, conforme mencionado anteriormente, levando o General Yasar Guler a assumir a posição de Chefe do Estado-Maior protocolarmente. Com isso, Erdogan manifestou seu comprometimento com uma reestruturação profunda que buscou modernizar e fortalecer as Forças Armadas Turcas, ao mesmo tempo em que reafirmou seu controle efetivo sobre a hierarquia militar.

Em seu discurso, Erdogan resumiu que: “A tentativa de golpe de 15 de julho, assim como todo incidente que a Turquia tem experimentado recentemente, abriu as portas para muitos desenvolvimentos benéficos para nosso país e nação”. Isso incluiu a consolidação de mais poderes no ramo Executivo, em detrimento do Legislativo e do Judiciário, resultando não apenas em uma mudança administrativa, mas também, em grande medida, política.

No dia 3 de agosto, o YAS realizou uma reunião no palácio presidencial, sob a liderança de Erdogan, que tinha como principal foco central as avaliações anuais dos oficiais de alto escalão das Forças Armadas turcas. Durante essa reunião, houve nomeações importantes, incluindo a de um novo Chefe do Estado-Maior, um novo Chefe do Exército e um novo Chefe da Força Aérea, com o cargo de Chefe da Marinha permanecendo inalterado.

O recém-nomeado chefe do Estado-Maior, órgão de informação, estudo, concepção e planejamento para apoio à decisão de um comandante militar, é o ex-comandante do 2º Exército, o General Metin Gurak, que sucedeu Yasar Guler, indicado como Ministro da Defesa no novo governo. Além disso, o Vice-Chefe do Estado-Maior, General Selcuk Bayraktaroglu, foi designado como Comandante das Forças Terrestres e o General Ziya Cemal Kadoiglu, anteriormente Chefe da Força Aérea e Defesa Antiaérea de Mísseis, assumiu o cargo de Comandante da Força Aérea. O Almirante Ercument Tatlioglu, que liderava o Comando Sudoeste, permaneceu em sua posição anterior. Oficiais do escalão inferior foram também nomeados ou removidos.

Nesse contexto, a nomeação de Metin Gurak assume um significado importante. Gurak se tornou o primeiro Chefe do Estado-Maior a ser nomeado sem ter anteriormente liderado um ramo específico das forças armadas, requisito abandonado por Erdogan, permitindo, assim, maior flexibilidade na nomeação de indivíduos leais para posições de destaque. Entretanto, Gurak traz consigo um sólido histórico operacional. Sua trajetória inclui serviços prestados na 2ª Brigada Blindada do 1º Exército em Istambul, bem como desempenho como comandante tanto na Força Aérea do Exército quanto no 4º Corpo do Exército em Ancara. Essa experiência concedeu-lhe um profundo conhecimento dos planos operacionais relacionados às regiões do Egeu e da Trácia. Vale ressaltar que ele também exerceu o papel de conselheiro na Líbia durante o período em que a Turquia estabeleceu bases militares e ofereceu apoio às forças islâmicas que se opunham ao general Khalifa Haftar, respaldado pelo Egito. Esse histórico operacional diversificado e seu envolvimento em contextos internacionais reforçam a sua capacidade como líder no cenário militar.

É relevante destacar que nenhum dos recentes nomeados para essas posições detém histórico em cargos ou instituições filiadas à OTAN ou a países ocidentais, contrastando com a tendência dentro das Forças Armadas Turcas, onde oficiais com experiência na OTAN foram tradicionalmente altamente considerados. Tal medida marcaria um afastamento da tentativa anterior da Turquia de equilibrar sua participação na OTAN com seus compromissos com a Rússia e China, efetivamente alinhando-se mais estreitamente com a região da Eurásia.

À medida que a Turquia navega por esse processo de mudança na liderança das forças armadas, é fundamental monitorar como essas decisões influenciarão as relações internacionais do país, especialmente no contexto das tensões regionais e dos desafios globais de segurança. A nomeação de líderes como Gurak, com seu conhecimento diversificado e envolvimento em contextos internacionais, pode indicar uma abordagem mais pragmática na busca pelos interesses nacionais da Turquia.

A reestruturação recente das Forças Armadas Turcas sob a liderança do presidente Erdogan marca um ponto de virada significativo nas relações da Turquia com a OTAN e na busca por uma nova dinâmica geopolítica. Ao romper laços mais intensos com a OTAN e realinhar-se com a região da Eurásia, a Turquia está sinalizando uma mudança estratégica em sua política externa e de segurança. Portanto, essa reestruturação emergirá como um fator determinante na definição do papel do país no cenário internacional nos próximos anos.

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