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A Perigosa Corrida Nuclear



No dia 21 de fevereiro de 2023, em seu Discurso Presidencial ao Parlamento, o presidente russo Vladimir Putin anunciou a suspensão da participação da Rússia no Novo Tratado de Redução de Armas Estratégicas (New START, sigla em inglês para Strategic Arms Reduction Treaty), assinado em 2010 e em vigor desde 2011, que prevê a redução pela metade do número de lançadores de mísseis nucleares estratégicos, tornando, na prática e temporariamente, sem efeito o último tratado remanescente que limita os arsenais nucleares estratégicos dos EUA e da Rússia. Putin também alertou que qualquer teste de armas nucleares conduzido pelos americanos seria respondido pela Rússia, desenvolvendo e testando as suas próprias. Para retomar as atividades do tratado, foi posto que os Estados Unidos precisariam cortar o apoio à Ucrânia na atual guerra Russo-Ucraniana, e levar a França e o Reino Unido às negociações de controle de armas, para que eles também estejam sob o tratado. Se essas exigências não forem cumpridas, há um grande risco de que a Rússia se retire totalmente do tratado, levando a uma mudança que reduziria a segurança do mundo.

Pode-se afirmar que a crise observada no New START impulsiona a probabilidade de que o mundo se torne palco para uma nova corrida nuclear, tal qual ocorreu durante a Guerra Fria. Essa problemática tem suas raízes em acontecimentos anteriores, como a saída unilateral dos Estados Unidos de ambos o Tratado sobre Mísseis Antibalísticos (Tratado ABM, sigla em inglês para Anti-Ballistic Missile), em 2001, e o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário (Tratado INF, sigla em inglês para Intermediate-Range Nuclear Forces), em 2019.

O ABM foi um tratado assinado pelos EUA e pela, até então, União Soviética, em 26 maio de 1972, entrando em vigor no mês de outubro do mesmo ano. O tratado previa que os dois países não investissem em defesas contra mísseis balísticos estratégicos com o objetivo de que, ao limitar os seus sistemas defensivos, também se reduziria a necessidade de construir armas que tivessem o poder de superar qualquer defesa que o outro implantasse e que, sem defesas nacionais capazes, haveria uma restrição no possível uso de armas nucleares, visto que, ao atacar primeiro, eles poderiam receber uma retaliação nuclear com o potencial de gerar a destruição dos dois países. Dessa forma, é observado o esforço dos EUA e da URSS no que tange ao controle da corrida armamentista nuclear na década de 70. No entanto, em dezembro de 2001, o presidente americano George W. Bush argumentou que a base das relações Rússia-EUA não deveria mais estar pautada em sua respectiva capacidade de destruição mútua. Com isso, os EUA, em 13 de junho de 2002, se retiraram oficialmente do ABM com a justificativa da necessidade de desenvolver uma defesa efetiva contra ataques terroristas ou ataques de mísseis balísticos de Estados inimigos.

Já o INF, acordo entre os Estados Unidos e a União Soviética assinado em 8 de dezembro de 1987, exigia que ambos os países eliminassem e renunciassem permanentemente os seus mísseis balísticos terrestres e mísseis de cruzeiro com alcance de 500 a 5500 quilômetros, marcando a primeira vez em que as superpotências concordaram em reduzir seus arsenais nucleares, eliminando toda uma categoria de armas, e empregando extensas inspeções para verificação. Porém, é notável, de 2014 até 2018, os atritos que permeavam a relação Russo-Americana no que diz respeito a esse tratado. Em julho de 2014, foi alegado pelos Estados Unidos que a Rússia estava violando suas obrigações, acusação repetida nos anos seguintes de 2015, 2016, 2017 e 2018, e negada constantemente pela Rússia. Durante a administração do presidente americano Donald Trump, foi anunciada a intenção do governo dos EUA de encerrar o INF, citando o descumprimento russo e as preocupações com o arsenal de mísseis de alcance intermediário da China como motivos. Assim, em fevereiro de 2019, Trump anunciou a suspensão das obrigações dos Estados Unidos no tratado e sua intenção de retirada em 6 meses. No mês de agosto desse mesmo ano, os EUA saíram formalmente do INF.

Diante do exposto, é evidente o crescente desconforto e descontentamento na relação entre os Estados Unidos e a Rússia, que pode acabar levando, como já citado anteriormente, ao desenvolvimento de uma nova guerra armamentista nuclear. O antagonismo entre esses países, ilustrado pela cessação de acordos vigentes, como o ABM e o INF, e até o New START, afetam a deterrência mútua estabelecida desde a época da Guerra Fria, ao possibilitar, respectivamente, o aumento de suas defesas contra ataques por mísseis balísticos nucleares, a produção e emprego de armas nucleares de curto e médio alcance e o aumento de seus arsenais nucleares. A ânsia deles em adquirir uma postura cada vez mais ofensiva no quesito nuclear gerou diversos impactos na comunidade internacional, sendo o mais explícito o atual processo de nuclearização pelo qual está passando a Europa.

Esse processo se dá desde a década de 1950, quando os EUA estacionaram bombas nucleares na Europa, mais particularmente na Bélgica, Alemanha, Holanda, Itália e Turquia, membros da OTAN, na intenção de conter a expansão da União Soviética. Entretanto, mesmo com a dissolução do Estado socialista em 1991, estima-se que, no ano de 2021, haviam ao menos 100 armas nucleares espalhadas em bases militares desses países. Em dezembro de 2022, por exemplo, foram enviados pelos Estado Unidos para uma base na Turquia ogivas nucleares B61-12, que possuem a capacidade de destruir alvos debaixo da superfície terrestre e causar um estrago 83 vezes maior que o causado em Hiroshima. Em contrapartida, a Rússia anunciou recentemente a instalação de armas nucleares na Bielorrússia, decisão bastante criticada, hipocritamente, pelo governo americano e seus aliados europeus na OTAN.

As atitudes dos Estados Unidos e da Rússia podem ser vistas como uma escalada nuclear irresponsável, que gera dano ao regime internacional controle de armas nucleares, minando a estabilidade estratégica no continente europeu e destruindo sistematicamente a base legal que envolve relações bilaterais na área estratégica. Um eventual conflito entre essas duas potências geraria consequências inimagináveis, levando à destruição da Europa e do resto do mundo. Esse desenvolvimento ocorre no contexto da guerra na Ucrânia, que envolve a Rússia, de um lado, e a participação indireta dos Estados Unidos e demais países membros da OTAN. O risco da transformação de uma guerra convencional numa guerra nuclear de proporções globais não pode ser descartado.

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