A OTAN na Ásia?
A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) é uma aliança política e militar composta por 31 países membros. Fundada durante a Guerra Fria, a OTAN tem como objetivo fundamental manter a democracia, a paz e a segurança dos países que a integram, conforme estabelecido no tratado de aliança coletiva. Essa aliança opera por meio do consenso entre todos os participantes, buscando garantir a estabilidade e a defesa mútua de seus membros.
O Tratado que fundou a organização militar intitula-se “Tratado do Atlântico Norte”. No seu preâmbulo, ele afirma que as partes do tratado buscam “promover a estabilidade e o bem-estar na região do Atlântico Norte”. O artigo 5 do tratado, que contém a chamada cláusula de solidariedade, estipula que o direito de defesa coletiva será exercido na ocorrência de um ataque armado, contra uma ou mais partes do tratado, “na Europa ou na América do Norte”.
Contudo, a OTAN tem demonstrado crescente interesse na região do Indo-Pacífico como parte de seus esforços para mitigar a vislumbrada crescente influência e ameaça da China. Com o aumento do poder econômico e militar da China, a organização tem reconhecido a importância estratégica de manter a estabilidade e a segurança nessa região vital, por meio do fortalecimento das parcerias com países do Indo-Pacífico, buscando estreitar laços com atores-chave, incluindo Japão, Austrália e Coreia do Sul, como parte de uma abordagem abrangente para enfrentar os desafios apresentados pela China no contexto do Indo-Pacífico.
Recentemente, o Secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, e o Ministro de Relações Exteriores japonês, Yoshimasa Hayashi, emitiram um comunicado conjunto reafirmando a importância da segurança, destacando que ela não é apenas um fator regional, mas global. No comunicado, Stoltenberg e Hayashi enfatizaram a interconexão entre os acontecimentos na Europa e na Ásia, especialmente no contexto atual da Guerra da Ucrânia, afirmando que “O que acontece na Europa é importante para a Ásia, para o Indo-Pacífico, e o que acontece na Ásia e no Indo-Pacífico é importante para a Europa”, e expressando a urgência de um apoio militar e financeiro do Japão nessa situação. O secretário-geral da OTAN registrou, entre as boas-vindas à delegação japonesa, que a OTAN “vê claramente que, em um mundo cada vez mais perigoso e imprevisível, a segurança do mundo não é regional, é global. O que acontece na Europa importa para a Ásia, para o Indo-Pacífico, e o que acontece na Ásia e no Indo-Pacífico importa para a Europa”.
Desde os anos 90, o Japão e a OTAN têm mantido diálogos construtivos com o objetivo de promover uma cooperação mútua, culminando na emissão de uma declaração conjunta de compromisso, em abril de 2013, que busca fortalecer ainda mais o relacionamento entre eles. A colaboração do Japão com a OTAN é mutuamente benéfica, visto que, desde 2014, o Japão participa ativamente da plataforma de interoperabilidade da OTAN, iniciativa que aproxima aliados e parceiros selecionados pela organização, fornecendo treinamento e desenvolvimento para fortalecer a interoperabilidade, especialmente na área de segurança marítima do Japão. O Japão também tem apoiado operações e missões lideradas pela OTAN, como a Força Internacional de Apoio à Segurança (ISAF, do inglês International Security Assistance Force) para reconstrução e esforços de desenvolvimento no Afeganistão, em 2012. A OTAN e o Japão buscam uma cooperação mais ampla, destacando as contribuições do Japão para a organização, como sua participação no Programa Ciência para Paz e Segurança (do inglês Science for Peace and Security Programme), e as oportunidades que a organização oferece ao Estado japonês, como uma parceria em defesa cibernética por meio da participação no Centro de Excelência em Defesa Cibernética Cooperativa (do inglês Cooperative Cyber Defence Centre of Excellence) da OTAN.
Como parte do aprofundamento das relações entre a OTAN e o Japão, está prevista a abertura de um escritório de ligação da OTAN no Japão em 2024. Esse escritório permitirá consultas periódicas entre a aliança militar e o Japão, bem como com parceiros-chave da região, incluindo a Coreia do Sul, a Austrália e a Nova Zelândia. A assinatura de um Programa de Parceria Individualmente Personalizada (ITPP, sigla em inglês para Individually Tailored Partnership Programme) entre as duas partes também está prevista para julho, visando aprofundar as áreas de cooperação que abrangem o combate às ameaças cibernéticas, a coordenação de posições sobre tecnologias emergentes e disruptivas, e a troca de notas sobre o combate à desinformação.
Essas iniciativas ocorrem em um momento em que a China é vista como um novo desafio estratégico, juntamente com o foco tradicional da OTAN na Rússia. Com o aumento da influência da China, a OTAN está direcionando uma atenção maior para a região, já que se acredita que os acontecimentos na região do Pacífico podem ter impacto na segurança transeuropeia. O embaixador dinamarquês no Japão, Peter Taksoe-Jensen, afirmou que “[...] por isso que é importante para a OTAN manter relações com nossos parceiros nessa região”, sugerindo que a Índia e os países membros da ASEAN (Associação de Nações do Sudeste Asiático) também se envolvessem proativamente nesses esforços de cooperação.
Assim, pode-se dizer que o estabelecimento de um escritório de ligação da OTAN no Japão certamente será uma questão controversa na luta contínua pelo poder na região da Indo-Pacífico. Embora Stoltenberg, Secretário-geral da OTAN, tenha feito questão de enfatizar a importância do fortalecimento dos laços com os principais atores da área, a China já deixou claro que se opõe a qualquer tentativa da OTAN de expandir seu alcance na região. O Ministro de Relações Exteriores da China, Qin Gang, disse em março, durante sua primeira entrevista coletiva, que a "Estratégia Indo-Pacífico" dos EUA é na verdade uma "tentativa de formar grupos exclusivos para provocar um confronto ao planejar uma versão da OTAN para a Ásia-Pacífico". Do ponto de vista chinês, a projeção da OTAN no Indo-Pacifico é mais uma iniciativa política norte-americana destinada a cercar estrategicamente a China.
A expansão do alcance da OTAN na região representa uma ameaça potencialmente significativa à paz e à estabilidade regional. Existem preocupações legítimas de que o extensão do poder da OTAN possa levar o Ocidente a se envolver ainda mais na região da Ásia, aproveitando as divisões causadas pela luta pelo poder existente no continente e forçando os países asiáticos a tomarem decisões definitivas. Os países asiáticos serão pressionados a escolher entre alinhar-se com o Ocidente ou buscar uma maior cooperação com outras potências regionais, como a China, deixando a região vulnerável à discórdia e a conflitos potenciais.
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