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A Nuclearização da Europa



Talvez tão importante quanto monitorar quem não possui bombas nucleares, seja controlar o uso dessas mesmas armas entre os países que legalmente as possuem, conforme o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP). Isto é particularmente relevante quando se trata do compartilhamento de armas nucleares entre organizações militares de diferentes países. O Conceito Estratégico (2010) da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) compromete-a com o objetivo de criar as condições para um mundo sem armas nucleares, mas reitera que, enquanto elas existirem, a OTAN continuará a ser uma aliança nuclear, destaca em seu site.

Desde a década de 1960, vários países da OTAN vêm sendo responsáveis por estocar algumas armas nucleares estadunidenses. A Alemanha está equipada com aproximadamente 20 bombas nucleares de gravidade, do tipo B61, as quais só podem ser utilizadas se o presidente dos Estados Unidos da América (EUA) autorizar o uso pela OTAN, mostra Aaron Aller, pesquisador do Centro de Análise de Política Europeia para a revista New Eastern Europe. Segundo o site da OTAN, o bom funcionamento do potencial de dissuasão nuclear depende do compartilhamento das armas atômicas com a Europa, e por isso vários membros contribuem com as aeronaves de capacidade dupla (DCA, sigla em inglês), as quais são essenciais para transportar bombas nucleares.

Assim, os EUA mantêm o controle de suas armas nucleares no continente europeu, enquanto os membros da OTAN, incluindo a Alemanha, fornecem apoio militar convencional para missões com as DCA, e por isso os acordos de partilha nuclear seriam essenciais para garantir a segurança e a indivisibilidade da segurança de toda a área euro-atlântica, considera a OTAN. A Alemanha, desde 1955, contribui para missões nucleares atlânticas com o Tornado, uma aeronave de capacidade dupla que fica estacionada na Base Aérea de Büchel.

Entretanto, já no fim da administração do governo estadunidense de Donald Trump, a posição alemã sobre o estacionamento de armas nucleares, e aquisição de aeronaves que tenham capacidade de carregar bombas desse tipo, começou a dar sinais de tensão. Pelo Twitter, a embaixatriz dos EUA na Alemanha, Georgette Mosbacher, comentou que caso a Alemanha não continue a cumprir com os comprometimentos da OTAN, inclusive o gasto de 2% do PIB alemão em defesa, os Estados Unidos deveriam realocar o arsenal nuclear da OTAN para a Polônia. O governo Trump usava a ânsia polonesa de alocar o arsenal nuclear estadunidense justamente para induzir o governo alemão a gastar mais com defesa, pois o status quo que garantia o relativo suporte aos gastos de revitalização e manutenção dos armamentos já não está mais sedimentado, pois de acordo com pesquisas recentes, 85% dos alemães apoiam a remoção das armas nucleares do território alemão.

No governo alemão, o líder do grupo parlamentar do Partido dos Social-Democratas (SPD) afirmou em entrevista que “as armas nucleares em território alemão não aumentam a nossa segurança, pelo contrário. É hora de a Alemanha descartar sua colocação no futuro”, enquanto os apoiadores do programa argumentam que a participação do país em sediar os armamentos lhe confere maior influência dentro do Grupo de Planejamento Nuclear e ajuda a prevenir a proliferação de mais armas nucleares na Europa, mostra a New Eastern Europe. Espera-se que a saída de Angela Merkel, do longo cargo de primeira-ministra, provocará sua substituição pelo vice-chanceler Olaf Scholz, do SPD.

Já durante o governo estadunidense de Joe Biden, como mostra a pesquisadora do Carnegie Europe e editora-chefe da revista Strategic Europe, Judy Dempsey, o foco estratégico gradativamente está mudando da Europa para a região Indo-Pacífica, e por isso os EUA continuarão a estimular ainda mais que os países europeus tenham papel fundamental nas questões de dissuasão e de gastos com defesa. Dessa forma, a Alemanha de Scholz deverá lidar com o fato do governo de Angela não ter se interessado pela modernização das forças armadas alemãs e pela tomada de ações que visassem estremecer a relação existencial de segurança entre o país e a OTAN.

Diante do estremecimento com a Alemanha, a Polônia, que após a incorporação da Crimeia ao território russo passou a considerar o estacionamento de armas nucleares dos EUA, torna-se uma opção para a resolução dessa questão de segurança. Embora haja uma falta de estrutura na Polônia para receber tais armas, ainda assim, é interessante para os EUA manter essa opção, bem como uma pressão sobre a Alemanha para que esta mantenha seus compromissos. No entanto, deve-se considerar que quanto mais próximas essas armas estão da Rússia, mais esta as vê como uma ameaça, o que poderia trazer mais tensões à segurança europeia.

Em geral, a Federação Russa já protesta contra os mísseis de defesa americanos na Polônia e na República Checa, os quais, alega, não possuem justificativa para sua construção, já que não há ameaça dos mísseis iranianos. A verdadeira razão estratégica seria, na visão russa, privar o país a da capacidade de lançar um ataque retaliatório ou então degradar essa capacidade, deixando-a vulnerável a todos os tipos de ataques, o que leva o país a, regularmente, ameaçar a Polônia e a República Checa de atingi-los com mísseis nucleares e convencionais.

Queda também a pergunta se um possível estacionamento de armas na Polônia significaria, posteriormente, um compartilhamento com o leste europeu - o que alarmaria ainda mais a Rússia. Neste caso, vale considerar o Ato de Fundação Rússia-OTAN de 1997 (1997 NATO-Rússia Founding Act, em inglês), o qual estabelece que “não deve haver intenção, plano ou razão para implantar armas nucleares no território de novos membros [da OTAN]”. Vale lembrar que mesmo o Tratado de Não-proliferação Nuclear estabelece que cada Estado com armas nucleares parte do Tratado compromete-se a não transferir a nenhum destinatário quaisquer armas nucleares ou outros dispositivos nucleares explosivos, nem o controle de tais armas ou dispositivos explosivos direta ou indiretamente.

Além disso, desde o início da cooperação OTAN-Rússia após o fim da Guerra Fria, a Rússia realizou profundas reduções em suas forças armadas, retirou suas forças dos países da Europa Central e Oriental e dos países bálticos, e transferiu todas as armas nucleares para seu próprio território nacional, afirma o site da Organização do Tratado do Atlântico Norte. No entanto, apesar da cooperação, as ações russas na Geórgia em 2008 e na Crimeia em 2014, por um lado, e a expansão da OTAN na direção leste, abarcando os ex-membros do Pacto de Varsóvia e outros, por outro, abalaram as relações russo-americanas.

É fato que as armas nucleares continuam sendo um componente crítico para garantir a estabilidade estratégica das potências nucleares, e, apesar do fim da Guerra Fria, a deterrência mútua continua a ser vista como necessária. O problema é se a expansão nuclear na Europa levar ao fracasso da dissuasão nuclear ou a uma corrida armamentista nuclear desenfreada.

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