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A Militarização da União Europeia


A União Europeia (UE) está atualmente envolvida em discussões intensas sobre a transformação da indústria de armamentos da região para um “modo de economia de guerra” em resposta à invasão da Ucrânia, que desencadeou um aumento nos gastos com defesa em muitos países europeus. Impulsionada por um novo “senso de urgência e imediatismo” em relação à guerra na Ucrânia, a retórica em relação a Moscou se endureceu recentemente. Os líderes da UE se reuniram recentemente em Bruxelas para discutir o assunto, e o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, se pronunciou em uma carta pré-cúpula aos líderes: “Agora que estamos enfrentando a maior ameaça à segurança desde a Segunda Guerra Mundial, é hora de tomarmos medidas radicais e concretas para estarmos prontos para a defesa e colocar a economia da UE em pé de guerra”.    

Autoridades da UE argumentam que esforços unicamente nacionais não estão sendo suficientemente eficazes e buscam um papel mais proeminente dos órgãos da UE na política industrial de defesa. Alguns analistas afirmam que a guerra expôs a falta de preparação da indústria europeia para desafios cruciais, como um repentino aumento na demanda por grandes quantidades de munição de artilharia. Desse modo, há uma crescente consciência de que a UE deve intensificar seus esforços para apoiar a Ucrânia e garantir sua capacidade de defesa a longo prazo, e preparar o público europeu para as grandes demandas financeiras associadas à defesa, incluindo a possível aquisição conjunta de armas. 

No longo prazo, a Europa precisa desenvolver uma política de defesa abrangente, não apenas para apoiar a Ucrânia, mas também para garantir sua própria segurança. Apesar dos cortes anuais nos orçamentos de defesa nos últimos anos, os eventos recentes provocaram uma mudança significativa nessa tendência. Thierry Breton, comissário da indústria europeia e ex-CEO de uma empresa de tecnologia francesa, propôs medidas para incentivar os países da UE a adquirirem armas de empresas europeias e aumentarem a capacidade de produção dessas empresas. Além disso, Breton também aponta as incertezas políticas nos Estados Unidos, especialmente em relação aos compromissos com a OTAN sob uma possível nova presidência de Donald Trump, fazendo com que a Europa precise se esforçar mais para sua própria proteção. Ele afirmou que “No contexto geopolítico atual, a Europa deve assumir uma maior responsabilidade por sua própria segurança, independentemente do resultado das eleições de nossos aliados a cada quatro anos”. 

Outras propostas discutidas incluem a emissão de títulos de defesa, sugerida pelo presidente francês Emmanuel Macron, como forma de financiar o aumento dos investimentos em defesa. No entanto, há divergências entre os membros da UE, com países no entorno da Ucrânia sendo favoráveis à emissão desses títulos, enquanto outros Estados mais moderados, como os Países Baixos e a Finlândia, se opõem à ideia de uma dívida comum da UE. Alternativas como o aumento de impostos ou cortes em serviços públicos também enfrentam resistência. Uma ideia controversa envolve coagir cada país a contribuir com 2% do seu PIB nacional para a defesa da UE, o que poderia gerar até 80 bilhões de euros. Além disso, há propostas para o confisco dos bilhões de euros em juros sobre os ativos russos congelados, uma medida que poderia gerar 27 bilhões de euros em lucro nos próximos quatro anos para a Ucrânia, uma medida que enfrenta forte oposição do Kremlin, considerando-a uma violação do direito internacional. 

 Ao mesmo tempo, muitos países estão planejando instituir uma forma de alistamento militar compulsório, modificando o projeto atual de exército meramente profissional. Ao longo das últimas duas décadas, o cenário do serviço militar na Europa passou por mudanças significativas ao longo das últimas décadas, migrando do recrutamento obrigatório para o serviço voluntário, a fim de aumentar a profissionalização das forças de defesa. Entre 1990 e 2013, 24 países abandonaram o recrutamento obrigatório, com apenas Ucrânia e Lituânia reintroduzindo o recrutamento imediato após a anexação da Crimeia pela Rússia em 2014. No entanto, recentes desenvolvimentos geopolíticos, especialmente a guerra da Ucrânia, levaram várias nações europeias a reconsiderar suas estratégias de defesa, contemplando a reintrodução do recrutamento militar obrigatório como uma medida para fortalecer suas forças armadas, que têm enfrentado declínio. 

Entre essas nações, a Letônia é um dos três membros da OTAN, junto com Estônia e o novo membro Finlândia, que fazem fronteira com o território principal da Rússia. Ela planeja reintroduzir o serviço militar obrigatório, que os outros dois nunca aboliram: a partir de 2024, todos os homens com idades entre 18 e 27 anos serão obrigados a passar por 11 meses de treinamento militar.  Esta medida é acompanhada por outros países como Romênia, onde propostas de lei visam mobilizar cidadãos em idade militar que residem no exterior em caso de mobilização geral. Adicionalmente, países como Holanda, Suécia e Noruega consideram a adoção do serviço militar obrigatório para enfrentar a escassez de soldados em seus exércitos. Enquanto isso, na França, há um debate em andamento sobre a implementação de uma forma “leve” de serviço militar obrigatório: o presidente Emmanuel Macron introduziu o Serviço Nacional Universal em 2019, que permite que jovens se voluntariem por um mês e sirvam ao país, e agora está considerando torná-lo obrigatório para todos os cidadãos franceses com idades entre 15 e 17 anos. Por outro lado, na Alemanha, embora o ministro da defesa tenha sugerido a reintrodução do serviço militar obrigatório, o chanceler Olaf Scholz rejeitou a proposta. No entanto, o assunto continua sendo objeto de debate em todo o espectro político, com chamados para uma discussão nacional sobre o tema. 

Enquanto a UE busca encontrar uma abordagem unificada em relação ao recrutamento militar obrigatório, fica evidente que ainda há um longo caminho a percorrer para alcançar uma legislação harmonizada nesse aspecto crucial da defesa nacional. A falta de um consenso nesse sentido poderia potencialmente resultar em cenários semelhantes aos já mencionados, nos quais o recrutamento é visto como uma ferramenta vital para garantir a segurança diante de ameaças percebidas. Ao mesmo tempo, a viabilidade de uma legislação conjunta da UE sobre o serviço militar obrigatório permanece questionável, especialmente considerando a ausência de um exército europeu unificado. A complexidade política e jurídica envolvida na criação de uma legislação comum para todos os Estados membros torna essa perspectiva ainda mais desafiadora. 

Nesse contexto de incerteza e mudança, o papel do recrutamento militar obrigatório na reavaliação das políticas de defesa europeias após a invasão da Ucrânia é um tema de intenso debate. Enquanto alguns argumentam que a militarização é uma resposta necessária para enfrentar o que é percebido como uma ameaça russa em ascensão, há preocupações legítimas de que isso possa inadvertidamente contribuir para um envolvimento direto na guerra russo-ucraniana. A questão é complexa e requer uma abordagem cuidadosa e ponderada. É essencial considerar não apenas os desafios imediatos de segurança, mas também as ramificações de longo prazo de uma política de defesa mais militarizada. Encontrar um equilíbrio entre preparação para a segurança e preservação da estabilidade regional é fundamental para o futuro da Europa. 

 

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