A Instabilidade da França de Macron
Em maio de 2024, a agência de classificação de crédito S&P rebaixou a classificação de crédito da França, de "AA" para "AA-", pela primeira vez desde 2013. A decisão foi tomada devido a uma mudança na posição orçamentária do país, em virtude do seu déficit orçamentário anual, que ficou em 5,5% em 2023 e deverá permanecer acima de 3% do PIB até 2027.
Em resposta, o ministro da Economia da França, Bruno Le Maire, reafirmou o compromisso do governo de reduzir o déficit público para menos de 3% do PIB até 2027. Em entrevista ao jornal Le Parisien, Le Maire explicou que a principal razão para o rebaixamento foi o esforço do governo para salvar a economia francesa durante um período difícil. Como consequência, essa problemática pode desanimar os investidores e dificultar o pagamento de dívidas futuras.
Nesse cenário, a S&P manteve uma perspectiva “estável” para a França, com expectativas de que o crescimento econômico real seja acelerado, de forma a apoiar a consolidação orçamentária do governo. No entanto, a agência destacou que esse crescimento não será suficiente para reduzir significativamente a elevada relação dívida/PIB do país. Em contrapartida, outras importantes agências de classificação, como Moody's e Fitch, evitaram rebaixar a nota da França este ano.
Tal conjuntura marcou um golpe significativo para a presidência de Emmanuel Macron. Eleito como um tecnocrata competente e ex-banqueiro de investimentos, Macron prometeu administrar a economia francesa com eficiência. No entanto, quase no meio do seu mandato presidencial, a França enfrentou uma situação econômica alarmante, indicando um possível colapso financeiro. Apesar de ter prometido uma administração econômica eficiente, Macron se viu preso em políticas economicamente destrutivas. Entre as principais causas atuais dos problemas da França, é possível mencionar os impactos econômicos decorrentes dos confinamentos durante a pandemia, bem como os altos preços da energia impulsionados pelas sanções contra a Rússia associadas à guerra na Ucrânia.
No ano passado, o governo de Macron promoveu reformas nas pensões, aumentando a idade de aposentadoria de 62 para 64 anos, enfrentando protestos e oposição pública. Todavia, essas reformas tiveram pouco impacto financeiro, pois são insignificantes em comparação com as políticas economicamente destrutivas empregadas pelo governo.
Atualmente, o país possui o quarto maior déficit governamental da Europa e a terceira maior relação dívida/PIB, em torno de 110%. As regras dos critérios de Maastricht, que regem a adesão à moeda única, estabelecem um limite global da dívida de 60% do PIB e um limite do déficit de 3%. A França ultrapassa ambos os limites, com mais do dobro da carga de dívida permitida e quase o dobro do déficit. Hoje, o país se encontra em uma posição precária, onde uma recessão poderia facilmente levar o país à falência.
Com relação aos gastos com a guerra da Ucrânia, parte da população parece ter dificuldade em entender o motivo da participação financeira massiva da França no conflito. Desde o começo do embate, em fevereiro de 2022, até o final de 2023, o país movimentou um total de €3.8 bilhões em recursos para Kiev. Além disso, a França tem oferecido treinamento às tropas ucranianas, com cerca de 10.000 soldados ucranianos treinados pelo exército francês na Polônia e na própria França.
Como resultado, muitos legisladores da coligação governamental têm sido frequentemente questionados pelos eleitores em seus círculos eleitorais, sobre a razão pela qual o governo está destinando "3 bilhões de euros à Ucrânia", em um momento em que o orçamento nacional está sendo reduzido e o aumento de impostos começou a ser mencionado. Essa insatisfação ecoa as preocupações dos cidadãos sobre a priorização dos recursos financeiros, especialmente em tempos de restrição econômica.
Essa queixa também foi evidenciada durante os protestos dos agricultores no início do ano, no contexto de uma controvérsia sobre as importações de frango ucraniano. "As pessoas perguntam porque temos planos de contribuir com 3 bilhões de euros à Ucrânia, isso surge muito", admitiu Mathieu Lefèvre, deputado do partido de Emmanuel Macron. O relator do orçamento da Assembleia Nacional, Jean-René Cazeneuve, também ouviu essa frase recorrente em seu círculo eleitoral no sudoeste da França, a qual reflete a crescente preocupação pública sobre o apoio financeiro à Ucrânia em detrimento das necessidades internas.
A ameaça de Emmanuel Macron de eventualmente enviar tropas francesas para a Ucrânia não encontra também respaldo na população francesa e tem beneficiado os partidos de oposição nas eleições. A justificativa do presidente francês para a posição do país a respeito da guerra envolve o argumento de que a Europa é “mortal” e poderia “morrer”, devido à ameaça representada pela agressão russa após a invasão da Ucrânia em fevereiro de 2022. "Não estou descartando nada, porque estamos diante de alguém que não descarta nada", disse Macron, ao ser questionado se mantinha seus comentários anteriores feitos em 26 de fevereiro.
Macron ainda enfatizou que se a Rússia decidir ir mais longe, em qualquer caso, todos os europeus serão afetados, defendendo que sua recusa em descartar o envio de tropas francesas serve como um "alerta estratégico" para todos. Ele afirma que a Rússia não pode vencer a Ucrânia, porque, caso isso ocorra, não haverá segurança na Europa.
As declarações de Macron, além de trazerem descontentamento à população do país, também suscitam a reprovação de outros chefes de Estado europeus. A Hungria, cujo primeiro-ministro Viktor Orbán é visto como o mais forte apoiador de uma solução pacífica para a guerra da Ucrânia, discordou das últimas declarações do presidente francês. “Se um membro da NATO enviar tropas terrestres, será um confronto direto entre a NATO e a Rússia, e o próximo passo será a Terceira Guerra Mundial”, afirmou o ministro dos Negócios Estrangeiros húngaro, Peter Szijjarto. Após os comentários iniciais de Macron sobre o possível envio de tropas, a maioria dos aliados europeus da França afirmou que não enviaria nenhuma. No entanto, Macron manteve o discurso de alerta de que a Europa enfrenta não apenas um risco militar e de segurança, mas também “um risco econômico para a nossa prosperidade” e “um risco existencial de incoerência interna e perturbação do funcionamento das nossas democracias”.
Diante das polêmicas em torno das políticas econômicas e financeiras atuais, resta questionar se o governo de Macron conseguirá se manter estável. A insatisfação popular com a assistência financeira à Ucrânia em meio a uma crise orçamentária interna, a ameaça de aumento de impostos e a potencial intervenção militar na Ucrânia são pontos de tensão significativos. Além disso, a oposição ganha força à medida que as políticas de Macron são criticadas tanto internamente quanto por aliados europeus. A recente derrota acachapante do partido de Macron nas eleições europeias sinaliza a crise política. A habilidade do governo em navegar por essas controvérsias e preservar a confiança pública será crucial para determinar sua continuidade e eficácia nos próximos meses.
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