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A Guerra da Ucrania na OMC


Todos os países membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) gozam do status conhecido como "Relações Comerciais Normais Permanentes" (PNTR, na sigla em inglês) ou "Nação Mais Favorecida" (NMF), o que  implica que esses países sejam tratados de maneira não discriminatória em termos de comércio internacional. Em essência, revogar o PNTR significa desistir do compromisso de tratar um determinado país de maneira igualitária em relação a tarifas e outras regulamentações comerciais. 

Em 11 de março de 2022, o Presidente Biden anunciou que os Estados Unidos, agindo em coordenação com a União Europeia (UE) e os líderes das principais economias pertencentes ao Grupo dos Sete (G7), começariam a tomar medidas para revogar a condição de nação mais favorecida da Rússia. Dias depois do discurso do Presidente, em 16 de Março, a Câmara aprovou a revogação formal do PNTR para a Rússia, e também a retirada da Bielorrússia do tratamento NMF. O projeto agora segue para o Senado, onde o momento para sua consideração é incerto. Desse modo, a possibilidade de revogação pode desencadear uma série de consequências negativas.

Primeiramente, é importante compreender que a Rússia se tornou membro da Organização Mundial do Comércio (OMC) em agosto de 2012 como o 156º membro. Por isso, o país desfruta do estatuto de Nação Mais Favorecida (NMF) para suas exportações e aos seus produtos exportados é concedido o chamado “tratamento nacional”. Na prática, isso significa que os países membros da OMC são obrigados a tratar as exportações russas da mesma forma que tratam os produtos nacionais, sem discriminação. No entanto, devido à invasão da Ucrânia pela Rússia, uma série de amplas sanções econômicas foi adotada, muitas delas tidas como medidas inéditas, como é o caso da proibição de bancos russos utilizarem a rede SWIFT. Vários outros membros da OMC juntaram-se aos Estados Unidos, à UE e ao G7, ao declararem a intenção de revogar o tratamento de NMF com relação à Rússia, prosseguindo, assim, ações coletivas adicionais para negar à Rússia os benefícios da adesão à OMC.

Com a intenção de alguns países de suspender unilateralmente o estatuto de NMF da Rússia, a consequência direta seria o direito de impor tarifas ou outras medidas discriminatórias sobre produtos russos. Essas ações não são limitadas apenas à segurança nacional em tempos de guerra ou conflito direto, mas representam uma escalada significativa nas tensões comerciais internacionais. Embora as regras da OMC exijam tratamento não discriminatório entre os membros, existem cláusulas de exceção, como a que permite medidas extraordinárias em tempos de crise. 

Essas mudanças no tratamento comercial com relação à Rússia têm implicações importantes para o comércio global e para o sistema de regras multilaterais. A possibilidade de suspender unilateralmente o estatuto de NMF de um membro da OMC representa uma nova dinâmica no comércio internacional, adicionando uma camada adicional de incerteza em um momento em que o comércio global já enfrenta pressões significativas, desde a pandemia até questões geopolíticas. Assim, a remoção do estatuto de NMF da Rússia e as discussões em torno disso representam um desenvolvimento importante a ser monitorado de perto, pois têm o potencial de afetar não apenas as relações comerciais entre os países envolvidos, mas também o funcionamento geral do sistema de comércio internacional.

Em primeiro lugar, ao optar pela discriminação no comércio, os Estados Unidos e seus aliados estariam minando um dos pilares essenciais da Organização Mundial do Comércio (OMC) e abrindo precedente perigoso para ações unilaterais por parte de outros membros. Isso poderia resultar em uma cadeia de medidas discriminatórias em todo o mundo, afetando empresas e produtos estrangeiros em vários mercados. Isso tornaria o comércio internacional mais imprevisível e prejudicaria a estabilidade das regras comerciais globais.

Além disso, os países mais vulneráveis, especialmente os em desenvolvimento, e as pequenas empresas serão mais afetadas por essas mudanças. Sem conseguir amortecer os golpes e os ajustamentos súbitos nas taxas tarifárias, por exemplo, o comércio ficará cada vez mais difícil, ou até mesmo impossível, de atravessar as fronteiras.

A revogação do estatuto de NMF da Rússia pode desencadear ações retaliatórias, por parte da Rússia, contra empresas internacionais. As empresas dos EUA que operam na Rússia ou que dependem de relações comerciais com a Rússia podem enfrentar desafios adicionais devido a possíveis medidas retaliatórias por parte do governo russo. Por isso, é importante observar que, embora as mudanças nas tarifas possam ter um impacto direto limitado em algumas empresas dos EUA, os efeitos indiretos podem ser mais generalizados. Por exemplo, a natureza coletiva e coordenada da revogação do estatuto de NMF da Rússia por outros países do G7 e membros da OMC pode ter efeito cascata nas cadeias de abastecimento, afetando empresas dos EUA que dependem de fornecedores russos ou de produtos intermédios de outros países que dependem de fatores de produção russos. 

Em contrapartida às ações empregadas pela Europa e pelos Estados Unidos, a Rússia já tem, inclusive, iniciado o emprego de ações retaliatórias. Em resposta à revogação, pelo Reino Unido, do status da Rússia de MFN, o governo russo anunciou o encerramento do “Acordo de Pesca”, assinado pela URSS e pelo Reino Unido, ainda na década de 1950. A lei que põe fim ao acordo de longa data, que permitia a operação britânica no Mar de Barents, foi publicizada no site oficial da Rússia, após assinatura do presidente russo, Vladimir Putin. 

Amplamente conhecido por seus vastos recursos de pesca, o Mar de Barents é considerado como um dos mais importantes do mundo no setor. Não apenas importante em termos globais, a região marítima era essencial para o Reino Unido:  segundo o “Daily Mail”, a Grã-Bretanha pescou mais de 560.00 toneladas de peixe na região só em 2023. Além disso, a interrupção do acordo afetará não apenas a indústria pesqueira, mas também a própria dieta dos britânicos. Comentando a legislação, Vyacheslav Volodin, presidente da Duma, disse que a rescisão permitiria à Rússia reter reservas pesqueiras vitais em suas águas. Ao tomar a decisão de rescindir o acordo, as autoridades russas afirmaram que seu conteúdo era unilateral e concedia benefícios apenas aos britânicos, restringindo direitos dos pescadores soviéticos, hoje, russos.

Assim, a revogação do status de Nação Mais Favorecida (NMF) da Rússia e as medidas retaliatórias adotadas evidenciam um ponto crítico de inflexão no cenário do comércio internacional. Ao desafiar os princípios fundamentais da Organização Mundial do Comércio (OMC), os Estados Unidos e seus aliados estão catalisando uma potencial escalada de tensões comerciais globais. A decisão de retirar o tratamento preferencial à Rússia não apenas desafia as regras estabelecidas do comércio, mas também cria um ambiente de incerteza para empresas e mercados em todo o mundo. As ramificações dessa ação são amplas e podem impactar desde a estabilidade das cadeias de abastecimento até a prosperidade econômica de regiões dependentes do comércio internacional. Essa situação destaca a complexidade e a interconexão dos interesses comerciais globais, sublinhando a urgência de uma abordagem diplomática e cautelosa na gestão de disputas comerciais entre nações.


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